“Tu não vais compreender. É normal. Precisas de tempo.
Trata-se da minha vida. Por isso tenho a certeza que não me vais condenar.
A sociedade em que vivemos é uma balbúrdia de enganos, hipocrisia e injustiças (…)
Felizmente salvei-me. Alá estendeu-me a sua mão!”
Começa assim L’Appel,
uma história sensível sobre um tema actual: a partida para países árabes de
jovens ocidentais ‘de origem’ (seja lá isso o que for, como reforça o
argumentista) para se juntarem à jihad, a guerra santa.
A frase que encima este texto, é o início da mensagem
deixada por Bênoit, um jovem adulto, como despedida à mãe, Cécille. E prossegue:
“Sou com um cego que recuperou a vista. Alguém perdido que reencontrou finalmente o caminho! O órfão a quem oferecem uma verdadeira família.”
Chocada, perdida, incrédula – duplamente incrédula perante a
situação e no seu ateísmo (em que educou o filho) – aquela mãe solteira
agarra-se desesperadamente às últimas palavras daquele vídeo:
“Telefono-te em breve.
(…) Amo-te, Mamã.”
Sem revolta, com um desespero contido, uma solidão
aprofundada, Cécile tenta apenas compreender, descobrir os sinais que não viu, saber
quem influenciou o filho, seguir os passos que o conduziram para a Síria - tão
longe no espaço, tão próxima na actualidade, redobradamente próxima da França
que tem visto tantos jovens seguir o mesmo trilho que Bênoit.
Por isso, o livro, sem tentar desculpar ou culpabilizar, sem
acusar nem defender, centra-se em Cécile, na sua busca, no mergulho no historial
informático de Bênoit, nos contactos com amigos, colegas, professores e até
desconhecidos à medida que vão sendo descobertos, no reviver ansioso de
memórias, fotos, vídeos caseiros que lhe mostram quem ele foi e dos sinais, dos
sintomas, dos momentos que lhe vão desvendando no que o filho se tornou.
Tocante sem ser lamechas, sensível na abordagem, importante
na actualidade, deixando mais perguntas do que respostas e uma incomodidade provocada
por uma situação que pode afectar qualquer um de nós, L’Appel, traçado de forma contida pelo traço realista de Mermoux (próximo
na forma e no estilo do de Davodeau – e leia-se isto como um elogio e não uma
acusação) é o livro que fecha – de forma magnífica – o ano de leituras aqui em
As Leituras do Pedro, já que os próximos dias serão dedicados às habituais
listas de melhores do ano – onde este livro vai com certeza figurar.
L'Appel
Laurent Galandon (argumento)
Dominique Mermoux (desenho)
Glánat
França, Novembro de 2016
200 x 265 mm, 128 p., pb, cinza, sépia, capa dura
ISBN : 978-2-344-01071-6
17.50 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
apreciar em toda a sua extensão)
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