A visita a Mickey por alguns nomes grandes da banda
desenhada francófona, fica como um dos marcos deste anos de 2016.
Quarto, depois de Cosey,
Trondheim/Keramidas
e Tebo,
e logo à partida é surpreendente constatar que foi um projecto destes que ‘fez de
novo’ de Loisel um autor completo, pois assina argumento, desenho e cor.
De seguida, verificar novamente outra das características da
colecção: os belíssimos livros (enquanto objectos) que a constituem. Café “Zombo” tem papel de boa gramagem,
lombada em tela, uma capa com uma textura que quase parece pele (!) num
generoso formato italiano, capaz de fazer delirar muitos leitores mesmo antes
de o abrir. Como me aconteceu.
Finalmente, o mais importante, a banda desenhada em si.
Também devedor de Disney, pelas bandas desenhadas que leu na
sua infância, Régis Loisel decidiu homenagear o período inicial, das tiras
diárias de Ub Werks/Disney e Floyd Gotfredson, optando por esse mesmo formato
que se à partida limita a planificação, por outro obriga a uma narração gráfica
mais apurada e desenvolvida de forma diferente. Aqui, Loisel, custa-me dizê-lo,
falha um pouco, pois o relato revela-se algo desequilibrado. Por um lado –
condicionado pelo número de pranchas? – há momento que deveriam ser de acção,
substituídos por textos que os resumem, em especial no final que se revela algo
abrupto. Depois, se em algumas sequências exibem claramente a influência dos
desenhos animados Disney dos anos 30/40 (e da mãozinha de Tex Avery) pelo humor
louco e o ritmo frenético, noutros arrastam a acção mais do que o necessário,
emparte devido a textos excessivos.
O que não é suficiente para desaconselhar – longe disso! – a
leitura de uma história em que Loisel combinou com a herança Disney – e estão
lá todos: Mickey, Minnie, Pluto, Pateta, Horácio, Clarabela, Donald,
Bafo-de-Onça… - um olhar crítico e quase sociológico sobre um dos períodos mais
negros da história americana do último século: os anos da Grande Depressão, com
o desemprego, a exploração da mão-de-obra, a alienação das massas, o boom
imobiliário descontrolado ou a explosão do capitalismo, e dar-lhe um toque de
actualidade com a introdução de uns (quase) zombies…
No início, é um Mickey sem emprego que, acompanhado por
Horácio, circula de fila em fila, tentando arranjar que fazer para proverem o
seu sustento. Sucessivamente recusados acabam por descobrir que por trás dessa
recusa, estão João Bafo-de-Onça e o banqueiro Rock Fuller (que, sinal dos
tempos actuais, em lugar do óbvio charuto mastiga uma salsicha… vegetariana!),
que pretendem arrasar o local onde os protagonistas vivem para construir um
imenso campo de golfe. Para o conseguirem a preços miseráveis, fornecem aos
trabalhadores o café “Zombo” que lhes retira a vontade e os transforma nos tais
zombies.
Humor, acção, aventura, golpes violentos (inspirados dos
filmes, mas bem mais realistas), sujeição ao belo sexo e o que mais deixo aos
leitores descobrir, compõem o enredo de uma história que pede leitura demorada,
para um acompanhamento pleno e, acima de tudo, para desfrutar dela graficamente
como o traço de Loisel merece.
Um traço muito pormenorizado, com imensos detalhes em
segundo plano que vale a pela procurar, inspirado no Mickey arredondado dos
inícios, mas deformado para o tornar – bem como às restantes personagens – mais
realista (e feio) e um colorido soberbo, envelhecido, mostram, sem lugar a
qualquer dúvida, como realizar uma obra destas era um sonho de criança de
Losiel e como se empenhou a fundo para o concretizar.
Régis Loisel
Glénat
França, Novembro de 2016
305 x 196 mm, 80 p., cor, capa dura
19,00 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
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