Antecipando o lançamento do novo álbum, “Astérix e a
Transitálica”, disponibilizado ontem simultaneamente em 25 países, entre os
quais Portugal, na passada segunda-feira, Jean-Yves Ferri e Didier Conrad
estiveram em Lisboa para o promoverem.
Afáveis, disponíveis, demonstraram um enorme
profissionalismo e, mais do que isso, um profundo conhecimento de Astérix, das
aventuras anteriores, da sua galeria de personagens, dos seus mecanismos. E
também a sua admiração pela série que agora assinam, o que transformou a
entrevista original quase numa conversa entre fãs do pequeno guerreiro gaulês.
A chegada de Ferri a Astérix não cumpriu um sonho de criança
nem um apelo financeiro. “Nem sequer era algo que desejava, o tipo de humor não
era propriamente o meu”, afiança o argumentista, “mas houve bastante pressão
por parte do editor para eu apresentar um projecto e acabei por o fazer”. E
acrescenta: “era a ideia base dos Pictos, gostaram e infelizmente acabei por
ser escolhido” com a boa disposição que espelha nos álbuns e esteve presente
durante toda a conversa, deixando por vezes a dúvida se falava a sério ou não.
Como quando diz que, se tivesse podido escolher qualquer série para retomar, “talvez
escolhesse Tintin, porque está mais próximo dos meus interesses”.
“No início não fiquei muito entusiasmado, porque não era
algo que eu tivesse procurado e acabou por ser, antes do mais, um grande
desafio. Trabalhar com uma série que admiras e com a qual cresceste é um
privilégio”. A acrescentar a isso, “há a dimensão que Astérix tem, que permite falares
ao mesmo tempo para muita gente em muitos países”.
Conrad, o desenhador entra na conversa: “a pressão inicial
era enorme, mas após três álbuns já estamos mais descontraídos, já conseguimos
relativizá-la. Agora, já me concentro mais no álbum, nas personagens, sem estar
tão preso aos modelos que existem mas não são para copiar”.
Os dois concordam que existe ‘o’ Astérix de Goscinny e
Uderzo, e ‘outro’ só deste último, mas ainda é cedo para “o Astérix de Ferri e
Conrad”, diz o escritor. “Vamos precisar talvez de uma dezena de álbuns para se
poderem identificar diferenças significativas”. E acrescenta com uma
gargalhada: “vamos editá-los todos em 2018!”
Conrad ajunta: “temos de ter algum espaço de manobra e algum
lastro para definirmos a nossa personalidade. Citar-nos a nós próprios, como já
fizemos neste álbum, por exemplo”.
Não há uma fórmula para escrever um álbum. Ferri revela que
“há ideias, gags que vão surgindo. Demasiadas até! (risos) Mas o tema só é
escolhido quando a junção de diferentes aspectos proporciona um conjunto
coerente que pode ser desenvolvido em 44 páginas”. Depois “há reuniões com a
editora e com Uderzo, mas é preciso que eu sinta a história para a poder
escrever e que o Conrad a sinta para a poder desenhar”. E este último completa:
“se não for assim, por muito divertida ou original que seja, não irá funcionar”.
E prossegue “actualmente, com a prática que ganhámos, os papéis
estão mais definidos. As competências dos intervenientes no processo são
diferentes. Nós desenhamos e escrevemos, a editora edita, Uderzo tem uma
palavra final e conselhos a dar como criador e pela sua experiência. Mas nós
próprios já estamos mais confiantes no nosso trabalho e imbuídos do espírito de
Astérix”.
“Astérix e a Transitálica”, inicialmente, “passava por levar
os gauleses à Sicília, depois alargou-se à Península Itálica e finalmente
assentou na ideia de uma corrida”, recorda Ferri.
“O facto de os pais de Uderzo terem nascido em Itália não
foi preponderante, mas sabíamos que estávamos mortos se ele não reconhecesse a
Itália que íamos mostrar!” diz com um sorriso nos lábios. “Felizmente isso não
aconteceu”.
Como habitualmente, o novo álbum apresenta aspectos naturais
e arquitectónicos de Itália, bem como personalidades locais do desporto, arte e
política, “que nem sempre são fáceis de escolher, pois têm de ser suficientemente
conhecidos para os leitores os poderem identificar”.
“O acto criativo não pode ser apressado. O argumento estava
pronto em Março de 2016”, a planificação foi completada em Junho e depois foi cerca
de “um ano para o desenhar”. Por isso, “com um Astérix a cada dois anos, dificilmente
pegaria agora noutro projecto”, diz Ferri, “a não ser que fosse algo muito
pessoal”.
Crítica e leitores acolheram bem os álbuns anteriores da
dupla - “Astérix entre os Pictos” e “O Papiro de César” - talvez porque,
afiança Ferri “temos tentado manter a coerência de Astérix. É um universo
estabelecido e bem conhecido que não podemos alterar profundamente de uma só vez,
para não o descaracterizarmos. A evolução terá que acontecer pouco a pouco”.
Conrad reconhece: “Diria que temos de inovar pelo menos 10 %
em cada álbum, mas não podemos ultrapassar os 25 %. O universo de Astérix é
algo extremamente bem feito. É um clássico que foi crescendo e actualizando, mas
sempre com situações e personagens bem definidas”.
“No entanto”, lembra Ferri, evocando a bibliografia da
série, “Goscinny e Uderzo foram fazendo mudanças ao longo do tempo. Panoramix,
por exemplo, foi-se tornando mais sério e ‘institucional’ com o passar dos
álbuns”. “E o Astérix inicial também era mais truculento e intriguista, mas
acabou por assumir uma postura mais séria” complementa Conrad, “para servir de
contraponto a Obélix, uma criança grande que foi ganhando protagonismo”.
Aliás, reforça Ferri, “o maior destaque que ele tem neste
álbum, em que é o condutor da quadriga gaulesa, deixando a Astérix o papel de
co-piloto, tem a ver com a minha vontade de o mudar um pouco. Dar-lhe mais
importância permite outros desenvolvimentos, até em termos de humor”. Esse é um
caminho que “poderemos utilizar”, diz Conrad, “mas nunca de forma sistemática”.
Hesitam quando se pede para citarem o seu Astérix preferido.
Conrad, adianta uma ideia forte: “a nossa geração escolhe um dos dez primeiros.
Numa série com estas características, quase sempre o favorito está entre os três
primeiros livros que leste. Há muitos leitores mais jovens que citam os que
Uderzo criou. São os álbuns do seu tempo”. Mas acaba por confessar que gosta
muito de “Astérix e Cleópatra”. Já Ferri prefere “Astérix Legionário”, mas
ambos concordam quanto à personagem preferida: “o peixeiro Ordemalfabetix, que
proporciona gags muito divertidos!”
Relativamente à capa, Conrad reconhece algumas semelhanças
com a de “A Volta à Gália: “há elementos comuns, nomeadamente a quadriga, a
posição nela de Astérix e Obélix, é indiscutível. Mas a ilustração que fiz é
quase um resumo da história. Astérix e Obélix vão à frente de uma corrida,
surgem outras personagens importantes, aparece o mapa de Itália em fundo…” E
questionado se espera vendê-la por 1,4
milhões de euros, como aconteceu esta semana com o original de Uderzo,
responde: “daqui a muitos anos espero que valha mais!” E Ferri acrescenta de
imediato: “E que o argumentista tenha direito a metade!”
Uma das surpresas da Transitálica é a presença de uma dupla
de lusitanos entre os participantes na corrida. Ferri explica que “é importante
ter personagens diferentes, com características próprias que, mesmo sendo
secundárias podem trazer aspectos novos ao relato”. E, perante a questão recorrente
e antiga se um dia receberemos Astérix e Obélix na Lusitânia, surge a
inevitável resposta politicamente correcta: “porque não? Podia ser
interessante…”
(versão integral do texto publicado no Jornal de Notícias de
20 de Outubro de 2017)
Já acabei de ler a obra e devo dizer que é fantástica, muito melhor humoristicamente que é o que eu aprecio mais; tenho pena que o Ideiafix já não tenha aquele brilho nos olhos que Uderzo lhe ponha, vou ter também saudades do traço das suas mulheres e outros pormenores, mas em soma muito bom trabalho da nova dupla.
ResponderEliminar«spoiler»
Só para quem já leu - Adorei no final a taça ser entregue pelos gregos para os Lusitanos numa aventura de heróis franceses, uma clara referencia a esses dois euros da nossa pátria; se bem que fico com um sentimento misto sobre a maneira como fomos retratados.