...estes discípulos tornaram-se num cancro social…
in Sentinel
Contexto
Watchers
foi um dos acontecimentos editoriais de 2018. Pelo regresso de Lúis
Louro a solo. Por ele acontecer num dos seus projectos mais
ambiciosos - e conseguidos. E pela novidade do um em dois ou,
explicitando melhor, por a mesma história apresentar (em dois álbuns
diferentes) dois finais alternativos.
O
desaparecimento do sentinel
original, levou a que a actividade que ele desenvolvia fosse
multiplicada por seguidores e discípulos numa busca (in)consciente
da liberdade e (presumível) denúncia que ele personificava, num
movimento social (rapidamente) descontrolado que exacerba os efeitos
originais e tem como consequência limite o despertar de alguém com
propósitos antagónicos.
Descobrir
quem é e até que ponto esse movimento de vingança se conseguirá
cumprir é o que Luís Louro desafia os leitores a descobrir.
Desenvolvimento
E
tal como a história inicial, Sentinel
vem também com duas versões, desta vez com dois inícios
diferentes. Essa opção - de novo mais conseguida na versão
vermelha do que na branca - consegue voltar a unir de forma coerente
a história que tinha sido separada, embora tenha também
como
consequência esbater a disparidade dos finais (bastante) diferentes,
na forma e, principalmente, no tom, de Watchers.
Com
a dualidade narrativa a perder o carácter de novidade que na obra
anterior ostentava, Sentinel
volta a ser muito forte no retrato - duro - que Louro traça da nossa
sociedade e de alguns males que a afectam: a dependência (e a
vivência) excessiva nas redes sociais e a gratuitidade da exposição
pessoal, desta vez com o complemento do (cada vez maior) flagelo do
turismo. Adivinha-se na obra a necessidade do autor fechar uma
narrativa que o final duplo deixara muito aberta. Ou, pelo menos, de
dar algumas explicações - e lançar novas questões incómodas -
sobre as problemática referidas. Que, na
vida real, em
casos
pontuais, já apresentam o grau de absurdo que o álbum espelha.
Louro,
volta também a brilhar no retrato fantasista que traça de uma
Lisboa retro-futurista: os veículos voadores, o belo achado dos
mini-animais, a fusão entre arquitectura e natureza, com alguns
delírios visuais de meia prancha ou mesmo prancha inteira que farão
as delícias dos leitores.
E,
tal como em Watchers,
este(s) álbum(ns), após uma primeira leitura sequiosa, merecem um
repassar compassado das páginas, com o olhar a demorar-se nos
desenhos e a descobrir as múltiplas referências que Louro de forma
provocadora e desafiante espalhou às mãos cheias. Das suas próprias
criações em BD - Alice,
Jim
del Monaco,
Coração
de papel…
- ao empréstimo de personagens de outras proveniências - Tintin,
Simpsons, Family Guy, Wally… - do cinema à TV, à(s) música(s) e
à literatura, é um desfile infindável, com novas revelações a
cada nova leitura, complementado com novas ‘citações online’
das ‘personalidades’ da nossa BD e três homenagens justas e
adequadas a pessoas que partiram recentemente.
A
reter
-
O visual delirante que Louro imprimiu a esta sua criação
dupla/dupla.
-
A tripla homenagem a vocês descobrirão quem.
-
A multiplicidade de referências que credibiliza o relato e o
aproxima do leitor.
-
(e a inclusão do autocolante na capa que previne o leitor que
existem duas versões diferentes do álbum).
No
fio da navalha
-
Watchers
era um álbum tematicamente muito forte; mantendo o tom acusador e
mesmo sendo bem resolvido em termos narrativos e de conteúdo,
dificilmente Sentinel
não seria inferior, como é, embora seja uma equilibrada continuação
e o seu final seja sem dúvida consistente e adequado.
Menos
conseguido
-
Pode soar injusta esta referência, mas a novidade do álbum dúplice
desapareceu e o facto de a diferença surgir no início esvazia em
(boa)
parte
o seu efeito.
Sentinel
Versão
vermelha/versão branca
Luís Louro
ASA
Portugal, 10 de Setembro de 2019
295 x 225 mm, 48 p., cor, capa dura
14,95
€
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar
nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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