19/09/2019

Neve nos Bolsos

Documentário







Neve nos bolsos é um relato autobiográfico do espaço de cerca de um ano que Kim - hoje autor de BD - passou na juventude, como emigrante ilegal, na Alemanha, no início da década de 1960.
Olhar para as imagens aqui ao lado ou folhear o livro, trará de imediato à memória, um outro projecto com a participação de Kim, o díptico constituído pelo poderoso A Arte de Voar e o menos emocional A Asa Quebrada, pois o registo gráfico utilizado em Neve nos bolsos é o mesmo. Um registo de traço realista, detalhado, algo conservador na forma, sincero na reprodução dos cenários e baseado numa planificação tradicional e contida.
O tom autobiográfico é também comum aos três livros, tal como aliás o retrato da sociedade espanhola durante a ditadura franquista que lhes serve de pano de fundo. O que afasta Neve nos bolsos dos dois outros livros - que tinham argumento de Antonio Altarriba - é o facto de estes traçarem a biografia dos pais do argumentista e aquele ser narrado na primeira pessoa.
Ao contrário do que se possa pensar, esse facto não dá mais força emocional à narrativa, que apresenta um tom (quase) monocórdico e impessoal, quase como um documentário passivo, que assim surge de certa forma despojado da maior parte das emoções que Kim, certamente, viveu.
Por isso, o contraste é grande, especialmente em relação ao magnífico A Arte de Voar, homenagem sentida e emotiva de Altarriba ao seu pai.
Este facto, não esvazia, no entanto, o interesse de Neve nos bolsos, que se revela um bom documentário de um momento importante da vida de muitos espanhóis que - por motivos políticos, familiares, pessoais ou a simples busca de melhores condições para si e para os seus - na época tiveram de abandonar o seu país - como também aconteceu a muitos portugueses por razões similares.
No caso de Kim, recém-entrado na vida adulta, o gatilho da partida foi mais o desejo de se encontrar e a um rumo para o seu futuro. O livro abre com a sua partida clandestina, abordando depois a sua estadia de cerca de um ano na Alemanha, onde a sua situação ilegal apenas lhe possibilitou arranjar empregos temporários e precários. O que lhe permitiu também dedicar-se à pintura, o que possivelmente terá sido fundamental para ser o que é hoje.
Não se centrando exclusivamente sobre si mesmo - longe disso até - Neve nos bolsos ganha em interesse quando Kim partilha o protagonismo das suas páginas com alguns dos seus conterrâneos, mais velhos e vividos, retratando as situações particulares de cada um e o que os levou a deixar Espanha: a fuga ao serviço militar, uma caso amoroso descoberto pela esposa (e pelo sogro!), as tendências sexuais… ou a mais básica das necessidades humanas: a sobrevivência.
E é no reconto destes casos reais, de pessoas que se cruzaram com Kim, que a obra se torna mais estimulante e rica, ao partilhar e expor vícios e necessidades, fraquezas e limitações, violências e opressões que atravessavam transversalmente a sociedade espanhola, dando assim um retrato mais rico e multifacetado de uma época específica.

Neve nos Bolsos
Kim
Levoir/Público
Portugal, 19 de Setembro de 2019
170 x 240 mm, 192 p., pb, capa dura
10,90 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

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