10/09/2020

O Árabe do Futuro #4

Sem surpresas, mas…







Chegados a 1987-1992 e ao volumoso livro que nos resume mais cinco anos da vida de Riad Sattouf, apetece escrever que, não trazendo nada de novo, continua a revelar um pedaço da sua - e também já nossa - história de vida, de forma consistente, convincente e irresistível. Porque, quero ser claro, o grande mérito de Sattouf é - mais do que aquilo que conta, a forma como o sabe contar.
Arriscando-me a chocar alguns, confesso aqui e ali alguma falta de paciência para a imagem de perpétuo desgraçadinho que o Riad de papel ostenta: filho de pais separados - pelo espaço, a cultura e a religião (ou a ausência dela) - com o pai árabe entre o alheado e o radicalizado, a mãe cancerosa, o bullying que sofre nas escolas - a francesa e a Síria - e desenraizado - naquele país árabe é branco e judeu; em França, escuro e árabe, parece - qual Calimero chorão - a vítima número um de todas as desgraças, parecendo que não há nada que não lhe aconteça…
Mas, suplantada essa irritação que já vem de trás, há em O Árabe do Futuro todo um mundo - dois mundos em choque, para ser mais exacto - para descobrir, num retrato social que, não esquecendo a parcialidade inevitável de quem narra o que viveu (segundo os seus olhos), é bem revelador de uma realidade que sendo mais evidente em França, está aos poucos a crescer também entre nós
As diferenças sociais e culturais, o estar dividido entre a religião ritualista e (até) fanática do pai e o ateísmo da mãe, a inevitabilidade de ser agora adolescente, com todas as mudanças físicas e psicológicas que isso acarreta a acrescentar a tudo o mais, a dificuldade de encontrar um lugar para si nos diferentes meios, onde se sente - e é! - sempre o divergente, o discrepante, o distinto, fazem do Riad Sattouf de papel - à imagem e semelhança do que aconteceu (certamente?) ao de carne e osso, pese embora a distorção espelhada com que este eventualmente se reflectiu naquele… - um autentico ‘tolo no meio da ponte’ sem saber ao que se agarrar, o que escolher, como se afirmar, em que direcção seguir.
…sem que o leitor, seja capaz de (o) abandonar (n)uma leitura em que coexistem um realismo terno, um humor triste e um retrato fiel, embora esbatido e atenuado, de alguns dos grandes problemas das sociedades multi-culturais e multi-raciais cada vez mais disseminadas.

O Árabe do Futuro #4
Ser Jovem no Médio Oriente 1987-1992
Ria Sattouf
Teorema
Portugal, 1 de Setembro de 2020
240 x 171 mm, 280 p., cor, capa mole com badanas
23,90 €

(imagens disponibilizadas pela Teorema; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. AVISO Á NAVEGAÇÃO - confirmem se o vosso exemplar não está marcado por água ou humidade num carderno (note-se no corte superior do livro com papel enfolado). Reparei nisto ontem na Feira do Livro - todos os exemplares estavam assim...

    ResponderEliminar
  2. Deverão ser exemplares circunscritos à Feira, é por isso que não gosto muito de feiras do livro, o pessoal todo a manusear enquanto come gelados e outras coisas e suja tudo e depois o arrumar e voltar a colocar nas bancas.

    ResponderEliminar
  3. @Superbeasto Infelizmento o defeito é de produção e não de manuseamento o que indica uma evidente falta de cuidado no acompanhamento da mesma. Num volume recente com preço de capa de quase €24, convenhamos que é, no mínimo confrangedor. Só espero que a restante tiragem não sofra do mesmo problema...

    ResponderEliminar

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...