Regresso
Durante
anos foram norma, como tentativa
de dignificar a BD agregando-a a géneros narrativos mais 'nobres'
ou como meio de impor a produção nacional face a obras estrangeiras
mais económicas - e tantas vazes mais atractivas.
Agora, estão de volta em
colecções biográficas - Descobridores, Eles fizeram História -
ou baseadas nos Mitos da Gradiva. E no novo projecto editorial
da Levoir, numa (nova) parceria com a RTP, que começa hoje a chegar
a bancas e quiosques e que merece algumas considerações já a
seguir, antes de uma análise aos dois primeiros álbuns dos
Clássicos da Literatura em BD.
A Colecção
Tudo (?) aquilo que queriam saber sobre ela, já foi escrito aqui. Fica
no entanto um resumo. Nesta (primeira?) fase, estão previstas 14
adaptações de clássicos da literatura, entre eles dois baseados em
obras portuguesas: Amor de Perdição e Os Maias. São
dois álbuns que permanecem, no segredo dos deuses para já, mas que
representam uma aposta de louvar por parte da Levoir que vai assim
além da simples tradução, apostando em inéditos - como também
tem acontecido nas colecções Novela Gráfica.
A base da colecção é maioritariamente em tom clacissista e, na
forma, no estilo e no espírito, parece-me especialmente mais
vocacionada para crianças/adolescentes do que propriamente para
leitores habituais de BD - o que não significa que estes estejam
excluídos à partida. Ou seja, esta colecção tem por objectivo
despertar o gosto pela leitura (tanto de BD quanto) dos clássicos
agora adaptados.
Isto leva-me a outra consideração: para mim, a menor ou maior
adesão dos leitores às adaptações (neste casos de romances) em
BD, está
intimamente relacionada com a relação já
existente entre o leitor e os romances originais. Por
outras palavras, quanto maior for a ligação e o conhecimento do
original, menor será o apreço pela adaptação. Porque, reconheço,
transportar
duas ou três centenas de páginas de prosa para
quarenta e tal pranchas de BD está longe de ser tarefa fácil.
A Edição
Estamos perante álbuns franco-belgas, a cores, com capa dura, quase
todos a rondar as 60 páginas - onde está incluído o dossier final
sobre a obra e o autor originais e o contexto histórico da sua
publicação. O preço é de 10,90 € - e será sempre
porque os álbuns ficarão disponíveis nas livrarias ao longo do
tempo.
As capas, estão certamente longe de ser consensuais e não é
difícil imaginar algumas da críticas - “que confusão”; “não
se percebem os títulos”… - mas pessoalmente gostei
bastante delas. Modernas, provocatórias, diferentes e atractivas.
Felizmente distantes da maquete classicista das originais.
A Percursora
Curiosamente, esta é a segunda incursão da RTP na banda desenhada e
acontece de novo numa colecção de clássicos da literatura.
A primeira, a Biblioteca RTP que alguns recordarão, teve
lugar em 1985/86 e somou 28 títulos. Tinha como base edições
americanas - de autores maioritariamente filipinos! - e era publicada a preto e branco, num formato próximo
ao que hoje associamos às edições originais Bonelli: 140 x 205 mm,
cerca de 60 páginas e capa fina. As ilustrações das capas eram da
autoria do português José Antunes
Mas vamos então abordar os dois livros lançados hoje.
A Volta ao Mundo em 80 Dias
é um bom título para abrir uma colecção deste género.
Na base da história, a
aposta de Phileas
Fogg contra outros cavalheiros
ingleses, de como será capaz de dar a volta ao mundo em 80 dias.
Passada no século XIX, tem como atractivo extra a suspeita de que
Fogg poderá ser o assaltante do barco de Inglaterra, o que moverá
uma perseguição policial contra ele.
Marcante, conhecido, muitas vezes adaptado, tive a oportunidade de o
ler - e reler - na adolescência e, por isso, conheço bem a obra de
Verne. Por isso - sem dúvida - achei parca e limitada a versão de
Chrys Millien. Há episódios fundamentais
eliminados, personagens que perderam a importância original e, acima
de tudo, acho que esqueceu algo que era fundamental no original: a
questão da urgência temporal,
os tais 80 dias que Fogg tinha para dar a volta ao mundo e que aos
poucos lhe parecem escapar por entre os dedos. É claramente um caso
em que a meia centena de pranchas de BD foram escassas para o que
havia para contar. Devo confessar, no entanto, que esta é uma
apreciação muito pessoal e assente no facto de não ter conseguido
'ignorar' o meu conhecimento prévio da
obra para conseguir
o distanciamento
necessário para perceber se o álbum, como está, funciona bem em
BD.
Estranhei a opção narrativa - nem sempre
funcional - de utilizar literalmente excertos
do texto de Verne, mas graficamente, o trabalho de Millien é
agradável, tem bastante dinamismo e funciona
bem nos diferentes tipos
de cenários em que a acção decorre.
Alice no país das maravilhas
Contrariamente ao romance anterior, apesar de conhecer diferentes
versões da obra de Carrol - em BD e animação, entre
as quais a(s) Disney - nunca li o romance original. Por
outro lado, tendo sido publicado originalmente em dois volumes, a
versão agora disponibilizada pela Levoir tem cerca de três dezenas
de pranchas de BD ‘a mais’, o que deu a David Chauvel, um
argumentista de créditos firmados e bom conhecedor do seu ofício, a
possibilidade de incluir e explorar mais da obra original.
O desenho mais vivo e assumidamente caricatural, de volumes bem
definidos e esteticamente agradável de Xavier
Collette, contribui sobremaneira para fazer vingar o ambiente
anárquico e louco do original, sendo sem dúvida este um álbum
capaz de agradar a habituais leitores de BD, com outra exigência.
Clássicos da Literatura em BD
#1 A
Volta ao Mundo em 80 dias
Baseado na obra original de Jules Verne
Chrys Millien
#2 Alice
no país das Maravilhas
Baseado na obra original de Lewis
Carroll
David Chauvel (argumento)
Xavier Collette (desenho)
Levoir/RTP
Portugal, 4 de Setembro
64/96 p., cor, capa dura
10,90 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
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