25/09/2020

New York Cannibals

Antes ou depois…?




Acabado de lançar pela Ala dos Livros, poucos dias antes da edição original francófona, New York Cannibals volta a reunir o desenhador francês François Boucq e o romancista norte-americano Jerome Charyn.

E é, em poucos meses, o terceiro álbum do desenhador publicado entre nós, depois do díptico de Guardião.

Pré-texto

Na verdade, até poderia (?) ser o quarto, se os tempos fossem outros, sem uma pandemia que eventualmente tivesse levado a Ala dos Livros a editar primeiro Little Tulip, a obra que antecedeu esta.

A decisão actual da Ala dos Livros - que já garantiu a intenção de editar posteriormente Little Tulip - de avançar com este New York Cannibals, inevitavelmente já levantou alguma celeuma, que pessoalmente compreendo mas considero desnecessária e sem grande razão de ser.

Adianto que fui um ‘privilegiado’ e li LittleTulip aquando do seu lançamento em França (há uns quatro anos), mas dele tinha apenas algumas memórias difusas. Por isso, assumidamente, não o reli/revi antes de avançar com a leitura desta obra, para tentar perceber como ela se aguentava sozinha. E, a resposta que tenho para dar, mesmo que um pouco enganosa, é que New York Cannibals funciona perfeitamente como um one shot. O que precisamos de saber do passado dos protagonistas é-nos narrado agora, o restante conhecimento que o álbum transmitia é acessório. Little Tulip pode perfeitamente ser considerado uma prequela, na qual nos é narrado o percurso do protagonista da infância na Rússia até à sua chegada a Nova Iorque, onde reside e trabalha como tatuador e desenhador para a polícia.

É evidente que a leitura pela ordem cronológica imaginada pelos autores fará mais sentido, mas cada um dos álbuns funciona bem isolado e a leitura de um não implica de forma alguma a leitura do outro.

Apesar de tudo, se esta opção poderá afastar - para já…? - alguns leitores, do ponto de vista comercial faz bastante sentido pois começar por New York Cannibals possivelmente garante mais algumas dezenas de álbuns vendidos, pois se Little Tulip fosse o primeiro muitos (quantos?) optariam pela edição francófona para não terem de esperar pela lusa.

Apesar disso, mas também por isso, parece-me que a menção “edição portuguesa” presente na capa de New York Cannibals, natural (mas discutível) num álbum com título em inglês, deveria ser mais visível, também a pensar no rápido aparecimento numa certa cadeia de livrarias da edição em francês, como acontece - porquê? - sempre que qualquer lançamento em português é feito (ou tão só anunciado).


Texto

Posto isto, entremos então em New York Cannibals, maioritariamente ambientado em Nova Iorque, que na sua base - tal como Little Tulip - pode ser classificado como um policial que, no presente caso, gira em torno do tráfico de sangue humano. Para além disso, há ainda uma vingança pendente do tempo dos campos de concentração da Sibéria, uma galeria de personagens constituída por alguma da mais estranha fauna nova-iorquina, um tatuador transformado em falsário, uma agente da polícia a sentir o relógio biológico a chamá-la para a maternidade, um amor antigo e um toque de fantástico ( e este eu até dispensava…), que tornam diferente, mas não menos aliciante, uma narrativa sólida que se prolonga por centena e meia de pranchas de BD.

Charyn, tem o mérito de tornar viciante e até credível um todo que é no mínimo estranho, enquanto desenvolve as suas personagens e alarga este universo, justificando os seus laços e opções.

Quanto a Boucq, afirma-se cada vez mais como um desenhador realista de eleição, distanciando-se das referências do desenho de imprensa em que se iniciou, demonstrando igual à vontade no western (Bouncer), na espionagem eclesiástica (O Guardião, agente secreto do Vaticano) ou, agora, nos cenários realistas de Nova Iorque e nas cenas fantásticas que neles decorrem.

Termino com um conselho - antecipando já o que muitos irão resmungar: não esperem por Little Tulip para comprarem e lerem este álbum; a ordem de leitura - neste caso, reitero - é pouco importante e - como sempre - deixar de comprar um livro porque se pretende antes outro - ou todos… - é o primeiro - e pior - passo para que a editora não edite mesmo o próximo. Ou, neste caso, o anterior.


Pós-texto

Já repararam como temos, cada vez mais direito, a obras encorpadas, integrais, com 150, 200, 300 páginas, em belas edições, bem impressas, de capa dura…? Nunca se tinha editado assim em Portugal…


New York Cannibals

Jerome Charyn (argumento)

François Boucq (desenho)

Ala dos Livros

Portugal, Setembro 2020

235 x 310 mm, 156 p., cor, capa dura

28,90 €


(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. Muito bem explicado, Pedro. Confesso que ainda não li este, mas o Boucq é um grande desenhador e os argumentos do Charyn são fortes, e a edição é muito boa. E como o Ricardo Magalhães já explicou, e o Pedro reforça no seu texto, são livros independentes, e pode-se (aliás, deve-se �� ) começar por aqui.

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