30/03/2021

Tarzan: La Bruma Misteriosa

Fragmentos do passado


A minha leitura deste novo volume de Tarzan, publicado com o conhecimento e o carinho típicos de Manuel Caldas, fez-se a dois níveis.
Num primeiro momento mais pessoal, num reencontro com fragmentos do meu passado feliz.
A um outro nível - o que interessará mais a quem lê estas linhas - na (re)descoberta de fragmentos de tempos passados, que relevam a qualidade e a mestria do trabalho que Russ Manning realizou a partir dos originais de Edgar Rice Burroughs e mais além.

Começo por aqui.

Nunca, certamente, a África exótica e misteriosa, que serviu de cenário aos romances de Burroughs há coisa de um século, foi tão imensa. Na verdade, (agora) nas pranchas de Manning, parece que os mundos perdidos, as civilizações paradas no tempo, os reinos com evoluções - se assim se podem definir - de ramos da Humanidade, se congregaram todos no vasto continente africano e que, a cada volta de caminho, por detrás de cada montanha imponente, no interior de cada névoa mais densa, podemos encontrar animais misteriosos ou resistentes do império romano ou homens primitivos com estranhos cultos ou seres humanos de diminuta dimensão ou... Uma miríade de civilizações, floras deslumbrantes, faunas tão diversificadas quanto estranhas, em que o autor nos mergulha - ao lado de Tarzan ou do seu filho Korak, com um traço vigoroso, anatomias perfeitas - mesmo quando as imperfeições dos seres se multiplicam - um dinamismo assombroso, uma noção perfeita da construção da página, da evolução da narrativa, do acentuar dos momentos chaves com assombrosas cenas de conjunto, grandes planos de rostos expressivos ou pormenores destacados de conjuntos harmoniosos.

Neles, para além, da presença tutelar de Tarzan, como senhor da(s) selva(s), rei dos animais, justiceiro, protector e garante de segurança para os que, involuntariamente ou não, estão sob a sua alçada, há uma outra presença incontornável. Melhor, outras presenças incontornáveis, com algo em comum. Refiro-me, claro, às belas mulheres de Manning - e de quantos adolescentes, jovens, adultos que as descobriram noutros tempos, há cerca de meio século, como nunca imaginaram que uma mulher pudesse ser. Mulheres belíssimas, sensuais, provocadoras ou carentes, de carácter forte ou a precisar de protecção, dúbias, assertivas, dependentes, honestas, vingativas... Mulheres como Jane, a sacerdotisa La, a imperatriz Claudia, a sua irmã Letícia, a ecológica Luz, a ruiva Linda - lindas...

Ao seu lado, quase sempre, para maior contraste, machos primitivos, seres abrutalhados, homens de carácter duvidoso e pouco sério, feras selvagens, que realçam o que de mais belo e atractivo há em cada uma delas, mesmo quando se opõem a Tarzan, mesmo quando os seus motivos são tudo aquilo a que nos opomos - como o faz o homem-macaco.

Nas histórias deste volume, pelas quais o tempo não passou - tal como em muitos dos mundos descritos... - a diversidade dos espaços corresponde a outras tantas abordagens díspares, se bem que a sua essência seja a mesma: a correcção de injustiças, a oposição à fome conquistadora, a protecção dos mais fracos, a interacção com os animais, a liberdade como conquista inalienável, em poucas palavras, a aventura em estado puro.

Da romana Castra Sanguinarius à zona brumosa cuja névoa dissipa todos os laivos de violência dos seres vivos, de pequenos episódios burlescos na selva a um cemitério de mamutes dominado por um reprodutor - tal e qual! - que controla uma imponente armadura de controles surpreendentemente avançados, encontramos de tudo um pouco neste ano e meio de pranchas dominicais coloridas de Tarzan.

Pranchas que somos impelidos a ler sofregamente, arrastados pela voragem narrativa para, no final, uma vez sossegados, saciados - mas ávidos da continuação - voltarmos atrás, para descobrir pormenores, apreciar a arte... reencontrar as protagonistas que nos...


Leio Tarzan desde os meus 10 anos - pelo menos - (re)encontrei-o em muitas das revistas que consumi, do Mosquito ao Mundo de Aventuras, da revista com o seu nome - que coleccionei espaçadamente e cujos exemplares absurdamente perdi e ainda choro, a um sem número de títulos que a memória (também) não evoca.

Por isso, esta sétima entrega de Manuel Caldas das pranchas dominicais do Tarzan de Manning, funcionou para mim como uma espécie de regresso ao passado embora, curiosamente, um passado incompleto, aqui e ali 'iluminado' por fragmentos vivos na minha memória, mesmo que os seus contornos mais amplos estivessem apagados ou pouco nítidos.

O irromper dos elefantes pela ponte (p. 358), os gorilas que destroem a catapulta (p. 359), os macaquinhos que guerreiam por um fruto (p. 363), o banho de Tantor a Nkima (p. 365), os gorilas sobre os búfalos (p. 369), Korak acidentalmente suspenso por um pé de um balão de ar quente (p. 378), Joiper, o homem-formiga, espetando a sua minúscula espada na canela de um assaltante... foram (alguns dos) estilhaços que se iluminaram no meu subconsciente ao longo da leitura e que fizeram dela, para lá do óbvio desfrute que me proporcionou de per si, uma experiência pessoal aconchegante e gratificante, que sinto difícil de expressar completamente por escrito.


Tarzan Planchas Dominicales 7
La Bruma Misteriosa
Russ Manning
Libri Impressi
Espanha, Março de 2021
230 x 315 mm, 64 p., pb, capa cartão
18,50 €

Encomendar aqui.

(imagens disponibilizadas pela Libri Impressi; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

4 comentários:

  1. Gostei imensa deste texto, obrigado. Acho que é o mesmo que senti e sentia, e se tivesse o dom da escrita era assim que exprimiria. Parabéns Pedro. E mais uma vez digo, que é uma pena o Manuel Caldas, não publicar esta obra, bem como outras em Português. Como se diz. boas leituras.

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  2. "é uma pena o Manuel Caldas, não publicar esta obra, bem como outras em Português"
    -- Se fizessem a mais mínima ideia do esforço que implica para ele publicar em Espanha, não compreenderiam como é que ainda não desistiu....

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    Respostas
    1. Espero que não desista tão cedo. Ainda tem séries por completar e outras para nos fazer descobrir.
      Boas leituras... das boas edições de Manuel Caldas!

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