19/03/2021

Tex Edição Especial Colorida #14

O tamanho, o tamanho...


Regresso ao tema das histórias curtas, com duas afirmações que sei que podem ser polémicas:
- É possível uma história curta transmitir tanto prazer ao leitor quanto uma história longa;
- Uma história curta pode dar tanto ou mais trabalho (a escrever) que uma longa.
Justifico-me já a seguir.

[Antes de avançar, uma definição importante: se no universo franco-belga, por exemplo, se aplica a terminologia 'história curta' a narrativas com 2, 4, 10, 12 páginas, quando nos referimos ao contexto Bonelli em geral - e ao de Tex Willer em particular - aquele conceito estende-se (pelo menos até as 32 páginas); que são as que compõem cada um dos relatos desta edição, como acontece sempre nos números pares desta colecção.]


Começo pela segunda afirmação. Ao escrever uma história curta, é necessário uma maior contenção, um poder de síntese maior, uma atenção especial - se não mesmo única - ao que é realmente importante, em detrimento do acessório, de floreados ou de episódios complementares para 'dourar' e aumentar a narrativa.

Geralmente, uma história curta tem uma ideia central forte bem definida ou um final inesperado e contundente e tudo nela contribui para explanar a primeira ou conduzir o leitor (incauto) até ao tal desfecho.

E chegado aqui, 'salto' para a afirmação inicial: quando bem escrita, quando bem desenvolvida, uma boa história curta vale uma revista completa e pode satisfazer plenamente o leitor - embora eventualmente com uma satisfação diferente da proporcionada por um relato de outra dimensão.


Na colecção Tex Edição Especial Colorida, nos tomos pares, de histórias curtas, temos tido fundamentalmente três tipos de relatos: aqueles que soam a episódios 'retirados' de uma narrativa normal de Tex (as longas...); os que dariam uma boa história longa, se mais desenvolvidos; os que são belos exemplos de histórias curtas, daquelas que (possivelmente) deram tanto trabalho a desenvolver quanto uma longa e satisfazem plenamente o leitor.


Mas passemos a exemplos concretos nesta edição #14.

Um dos papéis desta colecção, é testar novos autores, novos temas, novos grafismos.

Neste último particular, o leitor que procura a diferença, poderá sentir alguma desilusão. O traço utilizado nos cinco relatos é similar - a excepção mais evidente é, claro, Civitelli, a abrir, com O Apache Branco - mas em todos eles impera um desenho clássico, competente, mas sem rasgos nem virtuosismo de maior. E em termos cromáticos, passa-se o mesmo, sendo fácil 'confundir' as histórias. [Ao contrário do que acontecia na edição portuguesa A Lenda de Tex, composto por histórias provenientes desta colecção.]


Curiosamente, a capa dos irmãos
Raul e Gianluca Cestaro não o faria prever, uma vez que utiliza um estilo muito dinâmico - atrevo-me a escrever quase de cinema de animação - com o bandido que Tex baleia a ostentar até um aspecto semi-caricatural. Para além disso, a cena é-nos transmitida com uma tomada de vista invulgar, de baixo, ao nível do solo, para cima, muito bem conseguida.


Entrando na revista, O Apache Branco e Golden Queen, vêem-se bem como episódios de sagas mais longas, já que ambas pedem mais pormenores do que aqueles que nos são transmitidos. É possível lê-los fechados em si mesmos, mas não seria difícil aconchegá-los com um argumento mais extenso, que explicasse como o ranger chegou ali, qual a razão para aquelas acontecimentos... Se fosse esse o caso, a segunda narrativa surgiria num momento intermédio de um relato de maior dimensão, enquanto que a primeira serviria de desfecho para outro.

Mesmo assim, ambas apresentam questões distintivas. Em O Apache Branco, a tragédia de um menino branco que foge dos apaches obriga Tex a mostrar-se mais humano do que habitualmente.

Quanto a Golden Queen, prima por ter o protagonismo integral de Kit Carson, ainda no vigor da idade, por isso sem qualquer vislumbre de Tex. Nela prevalece a sua faceta de conquistador inveterado, embora me tenha custado a engolir que uma viúva tão recente se lance tão facilmente nos braços do primeiro que lhe aparece, bem como a forma expedita como Kit resolve a situação, assumindo sem hesitar o papel de carrasco, sem qualquer investigação ou audição da outra parte - e por aqui, com uma ligeira nuance esta 'historinha' poderia transformar-se numa bela história...

A Camisa Mágica centra-se num Kit Willer ainda criança e joga com as crenças dos navajos de uma forma curiosa, mas - porque não há regras sem excepção - é difícil classificá-la em qualquer das três categorias acima expostas...

A fechar a revista surge Revolta em Vicksburg, prisão onde Tex já esteve detido e que serve de cenário de uma revolta dos presos durante uma visita do ranger. O desconhecimento das razões profundas do ódio do chefe dos revoltosos em relação a Tex e a forma demasiado rápida - e até ridícula - como é resolvida a questão, aponta para o benefício que teria sido transformá-la num relato com duas centenas de páginas, bem compostas e recheadas de diversos pormenores e cenas de acção e que até poderia culminar com o mesmo pormenor utilizado aqui.


Os leitores mais atentos e que sabem contar, estarão a dizer - com toda a razão - que só falei de quatro histórias, quando afirmei que eram cinco. Na verdade, falta Juliet Payne, o relato que inspirou este longo texto (para os parâmetros habituais aqui de As Leituras do Pedro).

Duas questões surgem de imediato após a leitura: a primeira, o forte protagonismo de uma mulher, o que não é comum na vida editorial do ranger. Depois, ainda menos vulgar, a assumpção de uma temática - a violação - que foge aos cânones de Tex.

Os dois aspectos estão muito bem conciliados nas 32 páginas disponíveis, baseados numa ideia aparentemente muito simples - mas daquelas que soam próximas do genial - que funciona idealmente nesta curta extensão, mas que se iria perder se os autores tivessem utilizado mais páginas.


Tex Edição Especial Colorida #14
Chuck Dixon, Gabriella Contu, Marcello Bondi, Luca Barbieri e Giovanni Gualdoni (argumento)
Fabio Civitelli, Lucio Filippucci, Mario Atzori, Andrea Venturi, Marco Santucci e Patrick Piazzalunga (desenho)
Fabio Civitelli, Oscar Celestini e Erika Bendazzoli (cor)
Raul e Gianluca Cestaro (capa)
Mythos Editora
Brasil, Fevereiro de 2020
160 x 210 mm, 160 p., cor, capa mole
R$ 29,90

(capa disponibilizada pela Mythos Editora; pranchas recolhidas no site da Sergio Bonelli Editiore; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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