10/09/2021

Príncipe Valiente: 1971-1973

Eu, preconceituoso


Já conhecia a fase em que John Cullen Murphy esteve à frente dos destinos (gráficos) do Príncipe Valente, mas apenas de forma superficial e através de umas poucas leituras esparsas e desgarradas e nunca senti muita vontade de aprofundar esse conhecimento.
Assim, fiz a leitura destes primeiros anos desse consulado sob o signo desse preconceito, que não consegui afastar, pelo que não respondo pela isenção das linhas que se seguem.

A imensa saga do Príncipe Valente começou a publicar-se em 1937. Até 1971, o seu criador, Harold R. Foster ocupou-se dela sozinho, publicando semanalmente uma imponente prancha dominical nos jornais norte-americanos - e, depois, em muitos outros um pouco por todo o mundo.

A idade e o natural cansaço, levaram-no a procurar continuadores, num processo já descrito no anterior volume - El final del viaje - e também referido na introdução deste.

Após a escolha de John Cullen Murphy - para alguns a pior possível entre os participantes na selecção - Foster ainda desenhou algumas pranchas - mostradas isoladamente no volume anterior já referido e inseridas agora na cronologia narrativa deste volume, dedicando-se depois unicamente (…?) ao argumento e ao esboça da planificação da série.

Murphy, num primeiro momento, tentou aproximar o seu estilo do de Foster - para a passagem de testemunho se fazer sem rupturas acentuadas - mas aos poucos foi-se assumindo como desenhador titular, com o seu estilo peculiar - apropriado para Big Ben Bolt (o aportuguesado Luís Euripo), devido à sua temática de boxe - mas que, para os leitores tradicionais da série, se afastava demasiado da elegância do traço do criador original (pois, cá está o tal preconceito…) Se no caso de Valente e Aleta, esse esforço de identificação com o original se prolongou mais, a curto prazo, nos figurantes e nas personagens de segunda linha, ele deixou de ser visível, especialmente na forma pessoal de desenhar os lábios. O que é natural, sublinho. Eu é que posso é não gostar muito do resultado…

No entanto, este não é o único senão dos cerca de três anos compilados neste volume. O cansaço de Foster, referido acima, vai-se tornando cada vez mais notório no próprio argumento. Apenas devido à idade? Desencantado com a escolha (outra vez o preconceito…)? Esgotamento do modelo?

Não sei responder, mas possivelmente será a soma (desigual) de todos os motivos apontados. Isso revela-se de forma mais sensível na primeira metade deste volume em que cada episódio semanal é muitas vezes auto-conclusivo, perdendo-se a mestria narrativa com que Foster nos brindou em imensas ocasiões ao longo da saga, oferecendo-nos temáticas e personagens estimulantes e mesmo marcantes, tendo em conta a sua breve presença no conjunto global da saga.

Dessa forma, é evidente que boas ideias, que se poderiam ter tornado em outros tantos momentos altos na cronologia do Princípe Valente - e atrevo-me a referir como exemplos a cidade que não fazia novas leis ou o episódio do combate contra o Tempo - surgem apenas como interessantes apontamentos não desenvolvidos…

Por isso, também, outros momentos parecem decalcados de acontecimentos passados: a zanga inicial entre Valente e Aleta, que afasta os dois e os leva a seguir rumos separados durante dezenas de páginas é o mas evidente, para mais quando uma situação similar decorre no final do volume, agora entre o príncipe Arn e a jovem Lydia, por quem aquele se apaixonou.


O trabalho editorial de Manuel Caldas continua notável. A definição do traço é excelente, os pretos e brancos surgem bem contrastados, as notas editoriais sobre a génese deste período são certeiras e um bom auxílio na interpretação do que lemos. O argumento e o esboço de Foster face à página final de Murphy são um dos elementos disponíveis, bem como, nas páginas finais, a demonstração de como as pranchas eram muitas vezes remontadas para os jornais que não publicavam o Príncipe Valente em página completa mas apenas a dois terços ou em meia página.


A nota principal
vai, no entanto, para a diminuição do tamanho deste volume em relação aos anteriores com que Manuel Caldas nos brindou. Esta redução, prevista desde o momento em que ele iniciou a publicação restaurada desta obra-prima da história da BD, deve-se ao facto de Murphy trabalhar originalmente num formato bastante inferior ao usado por Foster. Assim, a redução aplicada por Caldas na sua edição é a mesma em ambos os casos: 38%. Se num primeiro momento, há uma natural surpresa, a verdade é que o traço de Murphy (lá vou eu outra vez…) possivelmente não aguentava - nem justificava… - o imponente tamanho com que Foster foi brindado.

Curiosamente, o menor formato - e o maior número de páginas - fazem com que o livro objecto ganha em consistência...


Termino (preconceituoso…) com uma breve leitura (pessoal) da terceira vinheta da última prancha que Foster desenhou, a 1788, reproduzida aqui ao lado. Num belo quadro que ocupa dois terços da página, num pequeno planalto sobranceiro a uma extensa paisagem maioritariamente montanhosa, Valente, o seu filho Arn e o seu companheiro circunstancial, Zirara, surgem de costas para o leitor. Olham para a Hispânia que não visitarão, uma vez que o seu destino será a Gália. Entre a novidade e o recorrente, a escolha recai neste…

Ou (ainda o preconceito…) estão de costas para nós, olhando para trás - levando-nos também a fazê-lo e já a ansiar pelo que tivemos, ainda antes de percebermos o que nos aguarda...


Príncipe Valiente XVIII: 1971-1973
Harold R. Foster (argumento e desenho)
John Cullen Murphy (desenho)
La Imprenta
Uruguai, Julho de 2021
185 x 255 mm, 168 p., pb, capa mole
25,00 €

Para mais informações e encomendas, clicar nesta ligação.


(imagens disponibilizadas por Manuel Caldas; clicar nesta ligação para apreciar mais pranchas desta edição ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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