Demolidor #3: Atravessando o inferno

Em contra-ciclo

Na infindável repetição de momentos e situações que caracteriza grande parte das edições Marvel, Matt Murdock/Demolidor e Wilson Fisk/Rei do Crime, estão de novo frente a frente, mesmo que à distância, mesmo que por interpostas pessoas.

Com aliados e inimigos pontuais, fruto das suas decisões e escolhas.
E em contra-ciclo.

Façamos um ponto da situação:

Wilson Fisk é o perfeito - legítimo, fruto de eleições - e tenta obter (para si e seu proveito) o verdadeiro poder: com uma base legal que justifique as ilegalidades e junto dos políticos. Aspira ao céu, um certo céu, o seu céu.

Matt Murdock, já não é advogado. Nem o Demolidor. Após causar involuntariamente a morte de um homem, desceu ao mais profundo dos infernos. O seu inferno interior, no qual colocou em dúvida tudo o que é, tudo o que fez. Agora, de novo com Elektra, quer reencontrar o caminho que o afaste das profundezas.

Cole North é um detective da polícia, cuja conduta íntegra, o levou - castigado… - até Nova Iorque. Acredita na lei, na sua aplicação em todas as situações e combate todos os que se sentem acima dela, sejam eles criminosos, polícias corruptos ou até super-heróis.

Os três, são os vértices de um triângulo, não amoroso, mas baseado em ódios - ou pelo menos em diferenças profundas e crenças contrárias - que Chip Zdarsky gere com enorme mestria, numa narrativa sincopada, que vai saltando entre o quotidiano daqueles três personagens que, quase sem interacção directa, sofrem pressões provenientes dos mesmos interesses e das mesmas pessoas ou famílias: aqueles que, assentes no crime - em todos os crimes - querem controlar Nova Iorque em geral e a Cozinha do Inferno em particular.

Com Cole perdido face ao questionar dos princípios que sempre defendeu, provocado pelas realidades que a sua situação vida lhe faz deparar, Fisk e Murdock - mais exactamente o Rei do Crime e o Demolidor, mesmo que digam já não se chamar assim - surgem aos olhos do leitor em situações similares, mesmo que opostas, e claramente em contra-ciclo.

Porque um caiu no inferno e luta - consigo e com os outros - para sair dele, limpar a sua vida - do adultério, da violência… - aceitando finalmente a ajuda dos poucos (verdadeiros) amigos/aliados que lhe restam. E porque o outro aspirou demasiado alto e, como é costume dizer-se, ‘quanto maior a ascensão, maior é a queda’ - até literalmente... - e provocar os interesses instalados, sem a devida vassalagem, só pode resultar num mergulho sem rede, rumo ao abismo.

Com o regresso de Marco Checchetto aos comandos gráficos das edições compiladas neste Atravessando o inferno, com um belo traço realista que aguenta mesmo com os (não muitos, na realidade) excessos (quase) impossíveis de evitar num relato de super-heróis – mesmo que classificá-lo desta forma acaba por ser demasiado redutor, pois, se é verdade que os super-poderes (treinados) de Murdock e Elektra e até do Homem-Aranha (com passagem rápida pela edição) apontam nesse sentido, este arco gerido por Zdarsky tem bem mais de policial, de intriga política, de controlo do submundo e de intimista, e tudo para agradar a quem aprecia uma história densa, consistente e sólida, sem mais.

Demolidor #3: Atravessando o inferno
Compila os comics Daredevil (2019) #11-#15
Chip Zidarsky (argumento)
Marco Checchetto e Francesco Mobili (desenho)
Panini
Brasil, Dezembro de 2020
Distribuída em Portugal até início de Outubro
179 x 260 mm, 112 p., cor, capa cartão
9,20 €

(capa disponibilizada pela Panini; pranchas disponibilizadas pela Marvel; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)