Escolhas
“O futuro depende das escolhas que você faz”
in Respeito
Há muito na minha lista de desejos, este é um daqueles livros que preferia ter lido sem saber absolutamente nada sobre ele (algo quase impossível nos tempos que correm,), pois acredito que em termos de leitura teria sido uma vantagem, uma vez que o seu arranque (o primeiro terço…?) não prefigura o que ele se irá tornar.
A narrativa arranca no primeiro dia de Tina, jornalista recém-formada, na redacção de um grande periódico. Depois do seu percurso no jornal universitário, de um estágio numa revista e da experiência ganha na sua própria newsletter, este é o primeiro emprego ‘a sério’ na área que há muito abraçou.
As partidas à novata, a insegurança misturada com o viver de um sonho, o relacionamento com os novos colegas, ocupam as primeiras páginas do livro, mas aos poucos, de forma insidiosa, o tema central da obra vai surgindo, vai tomando forma: primeiro uma conversa aqui, depois um aviso acolá, finalmente de forma clara e directa.
[E não consigo escrever mais sem o revelar, por isso aqueles que preferirem ficar por aqui antes de lerem esta obra - aconselhável, fica já escrito - parem por aqui.]
A entrada naquele mundo do trabalho, não é o que Tina sonhou: um olhar de apreciação, um tratamento de favor, a entrega de tarefas menores, em complemento a insegurança latente no metro ou nas ruas, tudo isso aponta para a dificuldade de ser mulher no mundo de hoje. Ainda e sempre. Porque, em muitos casos - mais do que alguns admitem, não só quando há talibãs no poder (e esses ao menos são directos e sinceros…) - elas continuam a ser vistas como seres inferiores aos homens, objecto de desejo e prazer e pouco mais.
Mas, o momento fulcral - para Tina - surge quando o chefe de redacção, um jornalista reputado e reconhecido, de forma suficientemente - demasiadamente? - clara, propõe a aceitação de uma matéria jornalística interessante, prometedora e actual - a tal insegurança, principalmente feminina, nas ruas, agravada pela desertificação dos centros urbanos e pela solidão nos dormitórios das grandes cidades - em troca de um convite para jantar devido ao ‘rostinho lindo’ de Tina…
Se até aqui o relato se faz no ritmo adequado, permitindo-nos acompanhar, como que in loco a nova fase da vida da Tina e todas as emoções e sentimentos que se atropelam dentro dela, a partir daqui, assumindo um tom mais sério e muito credível, tudo se desenrola em torno do que a jovem sente, das opiniões que - indirectamente, nalguns casos… - busca, na dificuldade em decidir qual das duas vias - aceitar ou recusar, apanhar um atalho para a carreira sonhada ou deitar a perder o futuro desejado, assumir-se ou entregar-se… - conseguindo a autora, Fefê Torquato, tornar mais interessante do que a decisão, o caminho para chegar até ela, sem quebras de ritmo ou perda de interesse do relato.
Graficamente, o traço é agradável e expressivo, faz com que as personagens funcionem bem como uma evolução natural das versões originais de Maurício de Sousa, e o conjunto, que tem uma planificação bastante variada, que frequentemente foge aos moldes mais tradicionais, é servido por um belo colorido a aguarelas e lápis de cor.
Como senão menor (?) fica a capa, cujo escolha compreendo mas que penso ser demasiado reveladora. Teria preferido qualquer das versões propostas para teaser quando esta obra foi anunciada, menos directas, mais enigmáticas e centradas na indefinição e nos receios da protagonista.
Finalmente, no contexto temático de Respeito, não deixo de considerar curioso e até eventualmente dúbio e assustador, o convite de Márcia, iniciado no final da página 80 e concluído na primeira vinheta da página seguinte. Porque, mesmo acreditando que não foi essa a intenção de Fefê Torquato nem a forma como Tina o ouviu, não deixa de (poder) ser uma outra face da mesma moeda...
Tina:
Respeito
Fefê
Torquato
Panini
Brasil,
Agosto
de 2019
190
x 275 mm, 96 p., cor, capa dura
R$
44,90
(capa disponibilizada pela Panini; imagens disponibilizadas pelo editor, aquando da apresentação do livro; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Pronto... li o primeiro paragrafo e aceitei o conselho, porque precisamente ontem e por mera coincidência recebi o livro em casa. Leio o resto depois :)
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