Adolescente
Aproveitando a acalmia editorial que costuma caracterizar o início de cada ano em Portugal, fui tentando diminuir a pilha de leituras atrasadas, onde 'encontrei' este Através do espelho, que confirmou as expectativas que tinha: uma leitura consistente e bem disposta, de tom adolescente/jovem, mas a justificar bem o investimento.
Esta criação inspirada de Mariko Tamaki e Steve Pugh é, na prática, uma versão - possível - da adolescência de Harley Quinzel, encontrando-se nela as razões para o futuro assumir da identidade de Harley Quinn.
De certa forma abandonada/rejeitada pela mãe - em busca de dinheiro e liberdade - chega a Gotham City para viver com a avó. Primeiro choque: a senhora já faleceu e em sua casa vive um travesti - a Mamã - que, no entanto, a acolherá afavelmente e será para ela mentor, amiga e até (quase) mãe.
A entrada na escola, a dicotomia entre a amizade da activista Ivy e a sobranceria conflituosa de John Kane, filho da poderosa família Kane que possui/domina metade da cidade - e aspira a mais - vai levar a jovem Harley, inconstante e manipulável, a fazer escolhas que nem sempre serão as mais evidentes - ou acertadas.
O grande trunfo de Através do espelho - onde, para além do título, abundam as referências (apropriadas aos momentos) a outros contos clássicos infantis e ao imaginário do (ainda ausente) cavaleiro das trevas - é a forma como está escrita, num tom jovem, divertido e dinâmico, que transforma o monólogo interior da protagonista quase num diálogo constante com o leitor e ritma de forma extremamente bem conseguida toda a leitura.
Com as escolhas narrativas a corresponderem raramente ao que o leitor antecipa, o relato avança assim de surpresa e surpresa, num tom ao mesmo tempo bem-disposto e trágico, com um misto de ternura e crueldade assinaláveis e um tom, aqui e ali, ligeiramente panfletário - contra os interesses instalados, as grandes confederações e o poder do dinheiro e destacando a importância do activismo e a defesa de causas como a diversidade, a ecologia ou a sustentabilidade.O todo é sustentado de forma superior pelo belo traço de Steve Pugh, bem ajustado ao tom do registo, com a curiosidade de assentar maioritariamente em tons frios - cinzas, azuis, esverdeados - pontuados aqui e ali por elementos de um vermelho berrante - e (em oposição ao que geralmente ocorre) por páginas totalmente coloridas nos episódios do passado de Harley.
Harley Quinn: Através do espelho
Mariko Tamaki (argumento)
Steve Pugh (desenho)
Levoir
Portugal, Março
de 2020
160
x 230
mm, 200
p., cor, capa dura
19,90
€
(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nesta ligação para apreciar mais pranchas ou nas imagens aqui reproduzidas para as apreciar em toda a sua extensão)
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