Tempo para respirar
Um
dos problemas que afectam muitas adaptações em banda desenhada de
obras literárias, é a falta de espaço para a história respirar.
Quer pelo excesso de texto (original) nas vinhetas, que leva ao
atrofiamento do desenho, quer pela falta de páginas para desenvolver
convenientemente o relato.
No
Início Eram Dez,
mais um volume da colecção Agatha
Christie que
a
Arte de Autor está
a editar de forma regular e continuada, é um bom exemplo de como as
coisas devem funcionar.
Curiosamente, outra versão deste romance da escritora britânica, foi em tempos editada em Portugal, numa colecção patrocinada pela gasolineira Repsol. Entre os seis volumes então disponibilizados - quatro dedicados a A. Christie e dois ao Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle - estava O Caso dos Dez Negrinhos, igualmente baseado no romance original And then were none.
Assinado por François Rivière e Frank Leclercq, para além de um traço claramente menos interessante - apesar de muitas semelhanças no aspecto dos intervenientes - um colorido de manchas demasiado uniformes que se sobrepõem ao traço e fundos demasiados vazios, pecava pela forma demasiado resumida como a intriga (não) era desenvolvida. Uma planificação mais arejada - em relação à versão que hoje trago aqui - e menos pranchas - 46 contra 78 - são razões (mais do que) suficientes para compreender o porquê.
Refira-se a propósito que, na colecção actual, havendo volumes com 64 páginas e outros com 80, são estes últimos que, naturalmente, surgem mais consistentes e legíveis. É daqueles casos em que o tamanho - no caso a extensão - importa, pois mais páginas permite uma melhor caracterização das personagens, um mais extenso desenvolvimento da trama e - muito importante no caso destas obras que adaptam as intrigas policiais de Agatha Christie - possibilita ao desenhador traduzir em imagens muitas das descrições minuciosas e dos pormenores cruciais que no original surgiam - por vezes de forma extensa e exaustiva - no texto.
Este último aspecto, para além das evidências e da sua absoluta necessidade para uma completa explanação do relato, tem uma outra consequência: obriga o leitor a um exercício muito mais aturado, pela importância extra que consagra ao desenho, que se torna vital para a transmissão de sensações, emoções e sentimentos e para revelar - mesmo que de forma discreta - momentos ou aspectos essenciais para a descoberta dos ladrões ou assassinos que fazem mover a trama.
Em no Início Eram Dez..., Agatha Christie dá uma outra dimensão a uma das mais desafiadoras situações que se encontram em romances policiais: o crime num espaço limitado. Aqui, o habitual compartimento fechado dá lugar a uma ilha isolada pelas circunstâncias e pelos elementos atmosféricos, sem perda das sensações de claustrofobia e de convivência próxima com o criminoso, ao mesmo tempo que o crime se transforma em dez assassinatos - tantos quantos as personagens encerradas na ilha. Personagens essas, desconhecidas entre si, atraídas para aquele local por falsos pretextos, com uma motivação que só a leitura irá revelar.
No
Início Eram Dez...
Pascal
Davoz (argumento)
Callixte
e Georges Van Linthout (desenho)
Arte
de Autor
Portugal,
Outubro
de
2021
210
x 285
mm, 80
p.,
cor,
capa dura
17,50
€
(imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Para mim, é talvez o melhor romance de Agatha Christie, aqui bem desenvolvido e com um desenho interessante. A não perder. Também concordo que é claramente superior à versão a gasolina...
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