Porque o passado não esquece
Pôr rótulos é sempre redutor, até porque
raramente eles descrevem na totalidade aqueles em que são colocados,
mas a verdade é que se há área em que o norte-americano Ed
Brubaker se tem distinguido é no campo do policial em banda
desenhada - inclusive quando assinou muitas das suas histórias de
super-heróis da Marvel.
Se títulos como Velvet,
Fatale, The Fade Out ou
Criminal, para citar algumas das suas
obras já editadas em português pela G. Floy, o vincam claramente,
Reckless,
acabado de chegar a quiosques e livrarias perpetua essa ideia.
Apostando mais uma vez num registo negro e violento, com personagens dúbias e um protagonista longe dos padrões que a moral e os bons costumes desejariam, Bruabaker leva-nos desta vez à Los Angeles do início dos anos 80, o que concede alguma luminosidade, embora não muita, na verdade, aos cenários em que a acção decorre, em contraste com os ambientes mais sombrios de cidades industrais que já nos levou a visitar.
Isso permite que o traço duro e realista de Sean Phillips, cúmplice de Brubaker há muitos anos e em muitos títulos, busque outros tons e trabalhe a luz de forma diferente, mas sem que deixe de vincar que é o negrume das almas e as sombras dos homens que marcam e pontuam a história.
Esta, na realidade, começa duas décadas antes, quando a revolta e as reinvindicações - de negros, de activistas, de hippies, todos apostados em mudar o mundo (norte-americano) - atingiam o auge e cresciam para níveis inimagináveis de violência contra uma sociedade conformista, consumista e pouco dada a mudanças.
O protagonista, que dá nome à série, ex-radical daqueles tempos conturbados, é hoje alguém solitário e depressivo, que resolve problemas por um preço: encontra pessoas, cobra dívidas, faz investigações duvidosas. Até que, como tantas vezes no género, o passado surge à sua frente, no corpo de alguém que já amou mas cujas memórias não enterrou tão fundo quanto pensava, trazendo consigo um tempo, amizades e aversões, ódios e paixões - que julgava definitivamete olvidadas e que nos vão guiar por uma história desafiante em que, cumprindo os bons estereótipos, nada é o que parece.
Reckless
Ed
Brubaker
(argumento)
Sean
Phillips
(desenho)
G. Floy
Portugal,
Agosto de 2022
180 x
275 mm, 144 p., cor, capa dura
20,00 €
(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 20 de Agosto de 2022; imagens disponibilizadas pela G. Floy; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
De referir que a cor é um trabalho produzido pela mão do filho de Sean Phillips: Jacob Phillips. No texto dá a ideia que foi o Sean que o fez e não é esse o caso. O Jacob também colaborou no Volume 2 do Reckless, ainda não publicado por cá.
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