19/01/2011

Jo, Zette e Jocko

Os 75 anos dos “irmãos mais novos” de Tintin
Corria o ano de 1936. O sucesso de Tintin – então a viver a sua sexta aventura, “O Ídolo Roubado” – era crescente, mas não fazia a unanimidade. A prová-lo, chegava a Hergé uma carta de França, da revista católica “Coeurs Vaillants” que também publicava as aventuras de Tintin, pondo em causa o repórter de poupa, onde se lia que o herói “não ganha a sua vida, não vai à escola, não tem pais, não come, não dorme… Isso não é lógico”. E, em jeito de encomenda, desafiava Hergé a criar alguém “cujo pai trabalhe, que tenha uma mãe, uma irmã mais nova, um animal de estimação”, contou o desenhador numa entrevista a Numa Sadoul. Em suma, um bom exemplo para os jovens leitores da revista Aproveitando personagens criados para um trabalho publicitário, Hergé daria assim origem a Jo, Zette e Jocko (conhecidos em Portugal como Joana, João e o Macaco Simão), estreados há 75 anos, a 19 de Janeiro de 1936, na “Coeurs Vaillants”.
Juntos, até 1939 viveriam o tempo de três aventuras, entre o preto e branco, a bicromia e a cor, ou melhor, duas aventuras e meia porque “Jo et Zette au Pays du maharadjah”, só seria concluída 15 anos mais tarde, sob o título “O Vale das Cobras”, nos anos 1950, quando as restantes histórias foram remontadas, divididas e coloridas, totalizando assim a série cinco álbuns.
Os seus protagonistas eram dois irmãos, Joana e João, o pai, o engenheiro Legrand, a mãe, doméstica, e Simão, um macaco, o tal animal de estimação da “encomenda”.
Se o traço estava próximo do utilizado em Tintin, embora seja evidente uma menor entrega do desenhador, em termos narrativos a estrutura era também semelhante à dos álbuns de Tintin, com uma boa dose de ficção-científica, fruto da ocupação do pai. Apesar das bases da “encomenda”, em cada aventura a célula familiar era desfeita rapidamente, pois os miúdos metiam-se em enrascadas, geralmente relacionadas com a profissão do pai, deixando os progenitores em casa, aflitos e expectantes, aguardando o seu regresso de algum destino distante e exótico ou não tenham os heróis visitado a Ásia, a África e o Pólo Norte, em aventuras ingénuas e rocambolescas mas bem estruturadas. Apesar de alguns dos feitos destes “irmãos mais novos” de Tintin (especialmente a pilotagem de aeronaves e engenhos estranhos) soarem pouco credíveis dada a sua tenra idade.
O humor, muitas vezes fruto das intervenções bem-intencionadas mas trapalhonas do macaco Simão, está também presente em todos os relatos, em especial no derradeiro álbum, “O Vale das Cobras, no qual ocupa quase a metade inicial do relato, num longo intróito que poderia apontar para uma eventual inflexão narrativa da série que, no entanto, não teve continuidade.
A título de curiosidade, uma leitura atenta revelará uma série de sequências que parecem decalcadas de álbuns anteriores de Tintins (como o exemplo ao lado, retirados de “O Testamento do sr. Pump” e “Tintin na América”), como poderá facilmente comprovar quem quiser perder algum tempo. Ou melhor, ganhar, porque estas histórias resistiram ao passar do tempo e continuam-se a ler-se com bastante agrado.
Em Portugal, Jo, Zette e Jocko estrearam-se na revista Zorro, no número #89, a 20 de Julho de 1964, com “O Manitoba não responde”, que seria publicada até ao #140, iniciando-se no número seguinte “A erupção do Karamako”, que prosseguiria até ao Zorro #192, de 11 de Junho de 1966. As mesmas histórias seriam depois publicadas no suplemento “Quadradinhos” do jornal “A Capital”, a partir do número 14, de 5 de Junho de 1972. Cerca de 10 anos mas tarde, a Editorial Verbo publicaria integralmente a série em cinco álbuns, republicados mais tarde, entre 1997 e 2000.
A ASA, que actualmente está a reeditar As Aventuras de Tintin, ainda não tem prevista uma data para a reedição desta série, que a Casterman recuperou num único volume em 2008.








(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 19 de Janeiro de 2011)

18/01/2011

Portugal 25 anos depois

Rui Alves, Teresa Cardia e António Valjean (argumento e desenho)
CIEJD - Centro de Informação Europeia Jacques Delors (Portugal, Janeiro de 2010)
210 x 230 mm, 12 p., cor, sem capa

Hoje, às 15 horas, é lançado em Lisboa, no Palacete do Relógio, no Cais do Sodré, “Portugal 25 anos depois”, uma banda desenhada de carácter institucional que mostra algumas das mudanças operadas no nosso país (para o bem e para o mal, digo eu), 25 anos após a assinatura do tratado de adesão de Portugal à União Europeia (então CEE).
A história, simples e directa, através de um passeio por diversas zonas de Portugal, mostra essas alterações através do olhar de duas gerações, Maria, de 25 anos, nascida no dia de assinatura do tratado, e o seu avô.
Esta edição do Centro de Informação Europeia Jacques Delors (CIEJD), que assim assinala aquela efeméride, teve o patrocínio da Novabase e dos Pastéis de Belém, estando prevista a presença na sessão de lançamento do ex-Secretário de Estado da Integração Europeia, Dr. Vítor Martins, responsável pela Pasta entre 1985 e 1995.
A obra está já disponível em versão digital na Infoeuropa - Biblioteca de Informação Europeia em língua portuguesa, onde também pode ser pedida gratuitamente a versão em papel.

17/01/2011

Conventum

Pascal Girard (argumento e desenho)
Delcourt (França, 5 de Janeiro de 2011)
147 x 210 mm, 160 p., pb, brochado com badanas

13,50 €

Resumo

A vida tranquila de Pascal Girard, no Quebeque, sofre uma reviravolta ao receber um convite para participar num encontro com os antigos colegas de liceu, 10 anos depois.
Sentindo-se, gordo, envelhecido, desleixado, tem quatro meses para mudar a sua imagem e apresentar-se como um ganhador.

Desenvolvimento
“Instituição” em voga nos EUA (e no Canadá), os encontros com antigos colegas (o tal “conventum” do título, termo utilizado pelos canadianos para designar este tipo de reuniões), não têm muita expressão entre nós.
O que de certa forma se compreende porque, se por um lado permitem o reencontro entre pessoas que há muito não se vêem, apesar de terem passado juntas uma fase importante da vida, por outro (na maior parte dos casos?), servirão apenas para o reencontro com velhos ódios, relembrar momentos embaraçantes, confirmar como se envelheceu mal e verificar como ficaram por cumprir tantos sonhos e objectivos. Até porque, as relações que interessavam, foram com certeza mantidas.
É por (tudo) isso, aliás, que a primeira decisão de Pascal é recusar o convite e manter a sua vid(inh)a desinteressante mas (relativamente) sossegada, dividida entre a relação (complicada) com a companheira, as obsessões quotidianas, o medo do que é novo ou diferente. Só que, um (surpreendente) mail de Lucie, antiga paixão (platónica porque nunca declarada) do liceu, propondo irem juntos para o encontro, reacende antigos desejos e fá-lo decidir-se a ir.
Começa então para Pascal uma corrida contra o tempo, passada em stress constante, para perder peso, mudar o visual, comprar novo guarda-roupa… Esquecendo que o principal, o interior, é bem mais difícil de mudar. E mesmo o exterior…
Como acabará por descobrir durante o “conventum”, numa noite para esquecer, em que tudo lhe corre mal e na qual (surpreso?) verifica que os colegas – ao contrário da ideia que ele tinha de si próprio (!) – sempre o consideraram um perdedor. Por isso, talvez, as melhores recordações das horas lá passadas parecem ser do tempo que passou com… a cozinheira. A conversar, entenda-se, ou, melhor ainda, a ser enxotado por ela da cozinha, pese o facto de ser a única a demonstrar alguma compreensão por ele…
Isto, num relato longo e detalhado, em que os momentos negativos se sucedem: Lucie acaba por não aparecer, esqueceu de fazer (e pagar) a marcação, tem que ir no camião do pai, leva vestido o casaco (apertado) do irmão e calçadas meias rotas desfeitas no jogging que com afinco praticou dia-a-dia, os seus óculos partem-se, os antigos companheiros ignoram-no ou só recordam os momentos que Pascal fez por esquecer, a sua profissão (incompreendida) de desenhador destoa com as carreiras de “sucesso” feitas pelos colegas na construção civil ….
Profissão que lhe serve, pelo menos, para nos narrar cinco meses da sua vida, com um traço fino, suficientemente expressivo e pormenorizado q.b., que serve de base a uma narrativa maioritariamente depressiva e derrotista, contrastada por alguns momentos de humor bem conseguidos. Que, no entanto, são insuficientes para amenizar um relato demasiado longo e pormenorizado, que valoriza e explora aspectos que, podendo ser importantes para o autor/per-sonagem, o são menos para o leitor. Um dos problemas, aliás, que afecta, por vezes, a BD autobiográfica.

A reter
- O bom domínio do ritmo narrativo por parte de Girard, apesar do que atrás fica escrito. O problema da narrativa não é o seu ritmo, mas a sua extensão, a exploração demasiado minuciosa de alguns momentos ou situações.
- A dureza (realismo?) do (auto-)retrato de Girard, apresentando-se não só como um anti-social constantemente angustiado, mas também rude, antipático e mal-educado, que nunca desperta qualquer tipo de simpatia no leitor ao longo de todo o relato. Em resumo, alguém que não interessa, de todo, conhecer.

Menos conseguido
- A extensão do relato que, apesar de algum humor que desarma o seu tom quase catastrófico, o torna aborrecido a espaços. Porque a preparação e o reencontro com antigos colegas é uma linha condutora demasiado frágil para sustentar centena e meia de páginas.
- A total ausência de delimitação das vinhetas porque torna um pouco confusas algumas passagens, embora tenha o efeito de tornar menos pesadas a maioria das pranchas.

Curiosidade
- O site de Pascal Girard.

16/01/2011

José Ruy: O Mosquito era uma janela aberta para um mundo que desconhecíamos!

Chama-se José Ruy Matias Pinto e nasceu a 9 de Maio de 1930, na Amadora. Ainda em actividade, é o autor português com mais álbuns publicados, tendo iniciado o seu percurso aos quadradinhos no Papagaio, com apenas 14 anos. Depois, passou por quase todas as publicações nacionais, entre as quais o Mosquito, de que é um dos últimos desenhadores vivos, cujas memórias agora evoca.

- Antes de ser autor, suponho que foi leitor do Mosquito. Essa experiência contribuiu para fazer de si um autor de BD?
José Ruy -
Foi fundamental, sem que na altura me tivesse apercebido disso. Tinha cinco anos quando tomei contacto com esse tipo de narrativa e fiquei fascinado. Nasceram aí as minhas primeiras garatujas.

- Como explica o fascínio que O Mosquito exercia sobre os seus leitores?
JR -
Todas as histórias tinham um particular interesse, não só pelos seus enredos como pela diversidade de temas. Naquela época era a janela que tínhamos aberta para o mundo que os miúdos como eu desconheciam.

- Quais as séries e autores do Mosquito que mais o marcaram?
JR -
Reportando-me aos primeiros números, «Pelo Mundo Fora», «Mik Mok Muk», «A Flecha de Ouro» e mais tarde, «Os Guerreiros do Lago Verde», «O Caminho do Oriente», «A Lei da Selva» e «Lobo Cinzento».
Autores, naturalmente Eduardo Teixeira Coelho, Emílio Freixas e Jesus Blasco no desenho, e na escrita Raul Correia e indiscutivelmente José Padiña que nunca viria a assinar com o seu verdadeiro nome.

- Tanto quanto sei, tinha apenas 14 anos quando começou a fazer histórias aos quadradinhos para o Papagaio.
JR -
Isso aconteceu em fins de 1944. Meu pai levou-me à redacção de O Papagaio, gostaram da minha bonecada e fiquei colaborador. No entanto desde muito cedo fui colhendo conselhos do Tiotónio, de quem meus pais tinham sido vizinhos, quando nasci. A certa altura apresentou-me a E. T. Coelho e a partir daí foram ele e o Mestre João Rodrigues Alves os meus grandes orientadores.

- Como chegou a colaborador do Mosquito?
JR -
Por acaso. Estava a terminar o curso de Artes Gráficas na Escola António Arroio, quando o Tiotónio pediu ao Mestre Rodrigues Alves que lhe indicasse um seu aluno mais adiantado para litografar as cores de O Mosquito, pois o Manuel Velez ia partir para a África. Fui eu o escolhido, independentemente da ligação que tinha já com o Tiotónio. Foi uma coincidência.

- No Mosquito, enquanto autor, teve colaboração limitada. Porquê?
JR
- Ao princípio a fasquia de qualidade estava elevada para mim. Depois quando melhorei o meu nível, a situação do jornal já não permitia compensar uma colaboração nacional, pois saía mais cara do que a estrangeira. Quando finalmente publiquei aí a minha primeira história, foi também por um mero acaso. Tinha sido lançado o Cavaleiro Andante que emitira um apelo para novos colaboradores. Levei uma história, com o aval de E. T. Coelho, mas passadas algumas semanas, nada me diziam. Fui saber da resposta e encontrei os originais colocados no mesmo sítio, num sofá, onde a secretária da redacção os tinha posto. Vendo o desinteresse em pelo menos olharem para os bonecos, trouxe-os de volta e o Coelho alvitrou publicá-la no Mosquito. A colaboração continuava a não ser bem paga, mas decidi-me. Chamou-se «O Reino Proibido» e acabei por fazer também capas, alusivas a outras histórias de origem estrangeira.

- Mas desenvolveu outras actividades na revista. Quais?
JR -
Tive a meu cargo a litografia das cores do jornal, fazia legendas e ilustrações para outras publicações realizadas nas Edições O Mosquito, como almanaques, cartazes e embalagens para produtos. Cheguei a ajudar o Tiotónio na máquina de impressão, quando era preciso trabalhar ao Domingo e já não dava para pagar a um turno extra aos impressores. Nos intervalos das cores dava uma ajuda na dobragem dos jornais.

- Como funcionava O Mosquito?
JR -
Era uma vertigem. A saída bi-semanal do jornal obrigava a um ritmo acelerado e eficaz de todos os operadores envolvidos. Era um trabalho «sem rede». Não dava para voltar atrás ou emendar algo. Havia periodicamente reuniões de «conselho» de redacção para criar novas rubricas, escolher as histórias seguintes ou ponderar sobre alguma sugestão. A máquina impressora trabalhava com dois turnos, das oito da manhã à meia-noite. Quando a urgência obrigava, eu ficava muito depois dessa hora a acabar a chapa de cor que na manhã seguinte precisava de estar pronta para entrar em funcionamento.

- Que memórias guarda dessa época?
JR -
Não só pela idade, pelo que estava a aprender e absorvi, pelas emoções criadas e vividas em tão prestigiado e mítico local, posso dizer que tenho as melhores recordações.

- De que maneira a sua experiência no Mosquito marcou o seu trajecto de autor?
JR -
Como uma «espinha dorsal» na minha carreira, tanto técnica como artística. Um verdadeiro alicerce implantado em rocha.

- Quer partilhar algum episódio curioso dessa época?
JR -
Lembro-me de um que tem tanto de humor como de inusitado.
Como sabe, sempre gostei de desenhar do natural, em certa altura precisei de fazer para a revista Flama uma história em quadrinhos à volta de uma ratazana. E estes bichos não faltavam no Bairro Alto e n’O Mosquito. Arranjei uma ratoeira de caixa de arame, para captar um exemplar vivo, para poder estudar em pormenor. Numa manhã lá estava o meu modelo. Desenhei afincadamente em todas as atitudes e quando terminei levantou-se a questão: que destino dar à bicha. Não tive coragem de a matar, depois de alguns dias de convívio. Resolvemos pintar-lhe a cauda com tinta de impressão encarnada, para ver se a voltávamos a ver, e soltámo-la na rua. Nunca mais tive notícias.

- Anos mais tarde tentou fazer renascer o Mosquito. Porquê?
JR -
Depois de algumas tentativas, que não seria bem com esse título, surgiu a oportunidade, com o Ezequiel Carradinha de editarmos este jornal dos meus sonhos. Passados alguns números, 14, como o meu parceiro não se encontrava em condições de continuar, mas o jornal não dava prejuízo, já com bastantes assinaturas, fiquei sozinho, responsável pela continuidade.

- Porque foi tão curta essa experiência?
JR -
Estávamos em 1960 e o frequente embarque de contingentes de jovens para a guerra nas colónias, destabilizou os potenciais leitores do jornal. Tenho essa indicação pelos pedidos para transferir o envio do jornal para Angola e outros pontos de África. Começou a dar um pequeno prejuízo, que multiplicado pelo número de semanas entre a produção e a prestação de contas da distribuidora transformou-se numa «bola de neve».

- Acha possível criar um “novo” Mosquito nos nossos dias? Porquê?
JR -
Acho indispensável. Não o velho Mosquito, litografado e com o lote de histórias dessa época, mas uma revista que mesmo modesta de aspecto (e de despesa) desse oportunidade a iniciados ombrearem com profissionais e assim poderem ser lançados e conhecidos pelo público. Este também precisa de uma «sacudidela» para voltar a interessar-se pelas Histórias em Quadrinhos, principalmente nacionais.

- Tem a colecção de O Mosquito?
JR -
Tenho realmente a colecção de O Mosquito, até à altura em que fui trabalhar para a redacção. É assim, casa de ferreiro, espeto de pau.
Também conservo uma da minha edição e do Carradinha.



- Tem algum projecto de banda desenhada em curso? Qual? Quando e onde será publicado?
JR -
Estou a fazer a vida de Leonardo Coimbra, o grande filósofo do princípio do século XX e da República Portuguesa, onde o documento histórico se funde com a ficção, de resto como em todos os trabalhos deste género que tenho realizado. Vai sair em livro pela Âncora Editora, em meados deste ano. A seguir prosseguirei na execução da minha agenda que está preenchida até 2012.

(Versão integral da entrevista que serviu de base ao texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Janeiro de 2011)

15/01/2011

José Garcês: Entrar para O Mosquito, era entrar pela porta grande do jornalismo infantil.

Chama-se José dos Santos Garcês e nasceu em Lisboa em 1928. Depois de uma passagem pelo Pluto, estreou-se em O Mosquito em 1946, tendo depois passado por quase todos os títulos de banda desenhada criados em Portugal.
Hoje, quase 70 anos depois da sua estreia, continua a fazer dos quadradinhos o seu dia-a-dia.

- Antes de ser autor, suponho que foi leitor do Mosquito. Essa experiência contribuiu para fazer de si um autor de BD?
José Garcês -
A partir dos 7 anos (1936) tornei-me leitor de O Mosquito. Lembro-me que o descobri porque me deram uma construção de armar que ele tinha publicado e a partir daí passei a ser seu leitor.

- Como explica o fascínio que O Mosquito exercia sobre os seus leitores?
JG -
O Mosquito tinha um material muito bom, as bandas desenhadas inglesas. O Cardoso Lopes era um grande conhecedor desse ambiente e escolheu o melhor que havia na altura para O Mosquito. Eram histórias de encantar, espantosas, ficção muito bem contada e desenhada.

- Quais as séries e autores d’O Mosquito que mais o marcaram?
JG
- Assim de repente recordo “Rob the Rover – Pelo mundo fora”, “O Capitão Bill, o grumete Bell e o cozinheiro Ball”, “O Voo da Águia”… Depois vieram os espanhóis, em especial Jesus Blasco, que tive oportunidade de conhecer e com quem convivi muitos anos, autor do Cuto, que marcou uma época.

- Como chegou a autor de O Mosquito?
JG -
Eu tinha colaborado com o Pluto, um jornal dirigido pelo Roussado Pinto, que era mais ou menos uma cópia de O Mosquito, no qual fazia grafismos e ilustrações.
Quando o Pluto acabou, eu tinha desenhado uma história para a revista que, soube mais tarde, o Roussado Pinto apadrinhou junto do Cardoso Lopes, que a aceitou e publicou.
Estreei-me assim, n’O Mosquito, o jornal da minha infância, que marcou uma época, a 12 de Outubro de 1946, com “O Inferno Verde”.

- Como funcionava O Mosquito?
JG -
Eu apresentava o projecto da história. Depois de aprovado, entregava as páginas desenhadas, por vezes com um pequeno texto, sendo depois o texto final escrito pelo Raul Correia, com a sua verve literária, como era hábito então.

- Que memórias guarda dessa época?
JG -
Lembro-me perfei-tamente que havia um grande interesse pel’O Mosquito, porque ainda não havia televisão.
O Mosquito e, depois, O Diabrete, tinham muita importância na época. Entrar para O Mosquito, naquele tempo, era entrar pela porta grande do jornalismo infantil. N’O Mosquito havia um convívio estupendo. Tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com o Cardoso Lopes, o Raul Correia, o Vítor Péon, o Eduardo Teixeira Coelho…

- De que maneira a sua experiência no Mosquito marcou o seu trajecto de autor?
JG -
Em primeiro lugar, pelo que já apontei: o contacto com grandes autores.
E também porque ganhei alguma disciplina, que era muito necessária na nossa arte, aprendi a trabalhar com a censura… Aprendi muito n’O Mosquito.

- Quer partilhar algum episódio curioso dessa época?
JG -
Lembro-me de uma visita que fizemos às oficinas de O Mosquito, quando ainda era estudante da António Arroio, na qual nos foi pedido que fizéssemos um desenho para ser passado para uma chapa de offset. Uma vez o desenho terminado, foi feita uma prova do mesmo que me foi entregue e que ainda hoje guardo como recordação da minha primeira visita a O Mosquito, quando eu ainda nem sequer sonhava vir a publicar na revista.

- Tem a colecção de O Mosquito?
JG -
Tive a colecção de O Mosquito, mas agora só tenho alguns números soltos, princi-palmente da sua fase final. Mas tenho as folhas das minhas colaborações n’O Mosquito.

- Tem algum projecto de banda desenhada em curso? Qual? Quando e onde será publicado?
JG -
Estou a terminar algo que estava engatilhado desde anos anteriores, um trabalho sobre o lince ibérico, que vai ser editado pela Liga da Protecção da Natureza, com apoio de fundos europeus. São apenas 22 páginas, baseadas num texto de um biólogo. O livro deverá sair no primeiro semestre de 2011, eventualmente no Festival de BD de Moura, uma vez que esta zona está incluída na área do lince ibérico.
Entretanto, tenho também praticamente pronta a História de Silves, que a câmara local deverá editar durante este ano.

(Versão integral da entrevista que serviu de base ao texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Janeiro de 2011)

14/01/2011

O Mosquito abriu asas há 75 anos


A 14 de Janeiro de 1936 chegava aos quiosques portugueses um novo jornal infanto-juvenil. Era o primeiro voo de O Mosquito, “O semanário da rapaziada”, que duraria 17 anos e 1412 números e marcaria de forma indelével os quadradinhos portugueses.

O Início
O começo – como toda a sua vida, aliás – foi modesto: apenas 8 páginas em formato A4, papel de jornal de fraca qualidade e a presença de uma única cor apenas nas capas e nas páginas centrais. E um preço a condizer: 5 tostões, os oficiais 50 centavos, qualquer coisa como 25 cêntimos nos tempos do euro que hoje vivemos, o que durante muitos anos lhe serviu de bandeira, apresentando-se como “o jornal infantil mais barato”.
Ao leme do insecto, estavam dois dos maiores nomes do jornalismo infanto-juvenil nacional, António Cardoso Lopes, o famoso Tiotónio, já com experiência similar de outras publicações, responsável pelo grafismo, e Raul Correia, que asseguraria grande parte da criação literária da nova publicação, bem como as traduções (livres, quase sempre autênticas novas versões) das bandas desenhadas publicadas. Juntos fizeram de O Mosquito “o primeiro movimento colectivo de rebeldia das crianças em Portugal”, escreve António Dias de Deus em “Os Comics em Portugal” (Cadernos da Bedeteca, Cotovia). Porque, acrescenta, o seu conteúdo fugia às “lindas e bem-formativas revistas, como O Senhor Doutor e O Papagaio”. Por isso, “O Mosquito foi perseguido, confiscado, rasgado, queimado, deitado para o caixote do lixo, anatemizado e esconjurado. Os pais, aparentemente, tinham a razão e a força (…) mas acabaram por perder a guerra”.

Altos voos
E o sucesso foi imediato. Iniciado com uma tiragem de apenas cinco mil exem-plares, no auge da sua popula-ridade atingiu 30 mil, era publicado duas vezes por semana e as máquinas onde era impresso, trabalhavam seis dias por semana, em dois turnos de oito horas!
Combinando novelas ilustradas, textos mais moralistas e bandas desenhadas, recortadas e remontadas, ocupando todos os espaços de cada página, O Mosquito, “o jornal mais bonito”, que ao longo da sua vida mudou de formato cinco vezes e chegou a ter 16 páginas, fez da interactividade com os leitores um dos seus grandes trunfos. Por isso, a par das cartas dos leitores e da publicação das suas fotografias, teve um emblema, multiplicaram-se os concursos, as separatas e as construções para armar. O sucesso crescente levou à criação de colecções paralelas, números especiais, um suplemento para meninas – A Formiga – e emissões radiofónicas, que o fizeram voar atravessando as mudanças de três décadas e de uma guerra mundial.

Histórias memoráveis
Quem leu O Mosquito – quando foi publicado ou anos mais tarde, herdado de pais ou tios – recorda com certeza “Pelo mundo fora…”, “Formidáveis aventuras do grumete Mick, do velho Mock e do cão Muck”, “Jovens Heróis”, “O Capitão Bill, o grumete Bell e o cozinheiro Ball”, “Águias da Lei”, “O Capitão Meia-Noite”, “O Gavião dos Mares”, “Pedro de Lemos, Tenente, e o ‘Manel’, Dez Reis de Gente”, “O Voo da Águia”, “Serafim e Malacueco”, “Anita Pequenita” e, sobretudo, possivelmente, as aventuras do Cuto. E desconhecendo, com certeza, que todas elas eram estrangeiras, a maior parte inglesa, com algumas espanholas à mistura. Quase no final, surgiriam também americanas: “Príncipe Valente”, “Terry e os Piratas”, “Tommy, o rapaz do circo”…
Mais tarde, esta colaboração estrangeira seria quase completamente substituída pela produção nacional. O grande sustentáculo da revista, foi então Eduardo Teixeira Coelho (o célebre ETC), que desenhou “Os Guerreiros do Lago Verde”, “Falcão Negro”, “Os Náufragos do Barco sem Nome” ou o mítico “O Caminho do Oriente” (considerado por muitos Os Lusíadas da BD nacional). “A Casa da Azenha” (de Vítor Péon), “Os Espíritos Assassinos” (Jayme Cortez), “O reino proibido” (José Ruy) ou “O Inferno Verde” (José Garcês) são outros títulos que deixaram marca nas páginas de O Mosquito

O último bater de asas
Com o correr dos anos, a chegada de novos concorrentes – O Diabrete, O Mundo de Aventuras, O Cavaleiro Andante -, a saída de Cardoso Lopes, “uma obcecação pela história pátria e pelos clássicos da língua portuguesa”, escreve António J. Ferreira, outro especialista da BD nacional (em O Mosquito nº 1, V série), a revista perde a rebeldia e “fala cada vez menos à imaginação infantil, tornando-se um prolongamento da escola”.
Chegaria ao fim, de forma discreta, já não era “o semanário infantil português de maior tiragem”, a 24 de Fevereiro de 1953. Mas deixara de tal forma a sua marca, que, escreve Leonardo de Sá no recém-lançado “Dicionário Universal da Banda Desenhada – Pequeno Léxico Disléxico”, o termo “mosquito” chegou a ser usado “para designar em Portugal qualquer revista de histórias aos quadradinhos”.

Outros voos
Por isso, também, se compreende que ao longo dos tempos tenha havido várias tentativas de retomar o título – e o fantástico e o maravilhoso a ele associados. Em 1960, Eduardo Carradinha e José Ruy, autor na primeira série, deram-lhe uma segunda vida, similar à primeira, que durou apenas 30 números. Um ano depois, nova tentativa de renascimento, teve apenas quatro números, mais longa mesmo assim que o número único de prospecção lançado em 1975.
Já nos anos 80, albergando sob as suas asas o melhor da BD europeia de então a par da recuperação de alguns clássicos, O Mosquito voou de novo, durante uma dúzia de números e um Almanaque natalício, na sua última ressurreição. Até hoje.

Quanto vale O Mosquito?
Apesar da sua idade e longevidade, ainda hoje surgem colecções completas de O Mosquito, que podem valer até 7500 euros. O alfarrabista José Vilela, estima que existirão umas 50 no total, mas Alberto Gonçalves, da Timtim por Timtim, refere que, com alguma paciência, gastando mais um pouco, através da internet e procurando em alfarrabistas, é possível completar uma colecção num prazo de um ou dois anos.
Os números mais difíceis, para além dos primeiros, mais antigos, e dos últimos, que tiveram menor tiragem e distribuição, são os que correspondem às mudanças de formato, pois estragavam-se com mais facilidade. Quase impossível, é encontrar as diversas separatas e construções que a revista ofereceu.
De qualquer forma, como este tipo de coleccionismo está geralmente associado à recordação das leituras de infância, são cada vez menos aqueles que ainda procuram O Mosquito.

O Mosquito em números
17 anos (1936-1953)
1412 números
1512 bandas desenhadas curtas
250 bandas desenhadas em continuação
381 contos
425 cartas do Avozinho
180 números de A Formiga (suplemento para meninas)
Tiragem inicial: 5000 exemplares
Tiragem máxima: 30 000 exemplares (duas vezes por semana)
Tiragem no final: 7000 exemplares

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Janeiro de 2011)

13/01/2011

Nuno Nobre: “Mais cedo ou mais tarde, a Angelina vai telefonar-me!”

- Quem é o Nuno Nobre?
Nuno Nobre
- Nuno Nobre é um Animador / Ilustrador, que após desenvolver a profissão como arquitecto em Madrid, decidiu enveredar pela área de animação e ilustração, conciliando o trabalho com os estudos nesta última área. Actualmente trabalho num estúdio de animação em Lisboa e trabalho como ilustrador freelancer.

- Que experiência tinha em BD antes deste trabalho?
NN
- A nível de banda desenhada fiz uns trabalhos para dois comics de uma editora britânica independente - Orangutan Comics - e já desde há um ano que faço ilustrações para a editora Mongoose e também ilustrações de shootigboards para umas poucas produtoras de publicidade em Lisboa.

- Como surgiu a oportunidade de desenhar a biografia da Angelina Jolie?
NN
- Enquanto estive a fazer um workshop de animação em Nova Iorque, pus-me em contacto com algumas editoras, enviei portefólios e chamaram-me da BlueWater Productions para participar em dois projectos, nomeadamente o Female Force: Angelina Jolie.

- Teve oportunidade de a conhecer? Com que impressão ficou dela?
NN
- Com muita pena minha não tive essa oportunidade lol!

- Teve algum reacção da parte da Angelina Jolie ao seu trabalho?
NN
- Infelizmente não, mas tenho a certeza que mais cedo, ou mais tarde, ela não irá resistir a telefonar-me... e eu sei ser bastante paciente :D

- Ela fez alguma correcção ou alteração ao que tinha desenhado?
NN
- A Angelina Jolie não esteve de alguma forma envolvida no projecto

- Como foi o seu processo de trabalho com o argumentista, Brent Sprecher?
NN
- O contacto com o argumentista veio a posteriori, após terminar os desenhos. O Brent comentou que ficou bastante contente com o trabalho realizado e futuramente, quiçá trabalhemos juntos novamente. O contacto principal foi sempre com o editor, o Darren, a nível da aprovação dos desenhos e do envio dos guiões.

- Fez apenas o desenho ou também a planificação?
NN
- Simplesmente trabalhei nos desenhos a lápis e tinta, definindo os layouts e as personagens.

- Quanto tempo levou a execução deste livro?
NN
- Levou cerca de 4 - 5 meses, já que o Editor deu bastante liberdade a nível do processo criativo, como também do timming da entrega das pranchas de desenho, pois na altura também estava ocupado com outros projectos.

- Quais as maiores dificuldades que teve ao executar este trabalho?
NN
- A única dificuldade foi a nível de tempo, pois tinhas outras responsabilidades e trabalhos a atender na altura. Face a isto, tive necessidade de terminar as pranchas bastane rápido, ficando por fazer mil alterações que eu desejaria ter modificado, mas para as quais não tive tempo. Outra dificuldade foi tentar retratar a Angelina Jolie, através de imagens e de fotos, e passar isso a tinta...algumas vezes funcionou, outras nem tanto.

- Qual é a sensação, agora que o trabalho está prestes a chegar às livrarias?
NN
- Estou entusiasmado, mas também não quero criar grandes expectativas para dizer a verdade. Uma coisa é o nosso trabalho, outra é o resultado final, que inclui o trabalho do colorista, a paginação e o design gráfico .Pode acabar por ser decepcionante, ou por sua vez, uma surpresa bastante agradável.

- Profissionalmente que perspectivas é que este trabalho abriu para si?
NN
- A nível profissional ainda é muito cedo para criar expectativas, mas tenho um feeling que uma ou outra port, se abrirá para novas oportunidades, sem dúvida.

- O que gostava de fazer a seguir?
NN
- Gostaria imenso de poder realizar projectos de ilustração, ou mesmo BDs, sobre temáticas de mitos e lendas da história portuguesa, sobretudo nos momentos históricos e marcantes do País - principalmente época dos descobrimentos, no qual existe a mistura com a fantasia e mitologia pagãs.

- Já tem mais algum projecto em vista? O quê?
NN
- Tenho um projecto pessoal de uma BD, mas ainda estou no concept design dos personagens e a terminar de definir o guião.

12/01/2011

Under Siege - Primeiro encontro

Filipe Pina (argumento)
Filipe Andrade (desenho, baseado nas personagens criadas por Bruno Ribeiro e na arte original de André Mealha)
Seed Studios (Portugal, Dezembro 2010)
115 x 185 mm, 24 p., cor, brochado

1. Ligado à banda desenhada – de forma activa – há quase 30 anos – tenho tido muitas gratas surpresas, entre contactos, disponibilidades, encontros, ofertas, convites, reconhecimentos…
2. A BD na base deste post, é mais um desses casos, nascido de um mail do Filipe Pina a dizer que tinha um exemplar de Under Siege para mim.
3. (Fosse outro o país - e a sua realidade aos quadradinhos – e os curtos 150 exemplares existentes deste livrinho, começariam já a ser disputados a preço de ouro, antecipando um potencial sucesso de Filipe Andrade na Marvel… e mais além)
4. Sabia da existência desta BD – o próprio Pina já me tinha mostrado reproduções de algumas das suas pranchas – mas desconhecia a edição.
5. Uma edição limitada, disponível em português e em inglês, de carácter promocional.
6. Porque Under Siege, a banda desenhada, é apenas – “apenas” – a apresentação, uma porta de entrada, para um projecto de maior dimensão, o jogo homónimo para PlayStation 3, de que falo mais abaixo.
7. Mas, se à partida, é só - “só” - isso, Under Siege, a banda desenhada, tem vida própria, respira só por si, chama e cativa o leitor, apesar das suas curtas 22 pranchas.
8. (Para as quais não está excluída nova vida – em versão digital ou comercial ou até uma sequela; tudo depende do sucesso do jogo.)
9. 22 Pranchas de extrema qualidade – algumas delas foram redesenhadas e pintadas várias vezes, até ficarem “perfeitas”- que deslumbram, do desenho à cor, da planificação ao dinamismo.
10. Também por isso – e porque a redução feita aos A3 originais para esta edição é muito penalizadora – aguarda com redobrado interesse a possibilidade de ver as pranchas originais – juntamente com a arte que serviu de base ao jogo – no Amadora BD 2011, depois de passarem pelo Miedzynarodowy - Festival Internacional de BD e de Jogos de Lodz, em Outubro.
11. Pelo que atrás fica escrito, olhando para estas 22 parcas pranchas, percebo perfeitamente a razão porque uma editora francófona, ao vê-las – e lê-las - propôs de imediato aos autores um contrato para três álbuns. Recusado…
12. Porque sendo um simples prelúdio de um jogo, Under Siege, a BD, é também um belo prelúdio de uma aventura (que devia ser) maior, com imenso potencial – gráfico e narrativo - em que as personagens surgem já com apreciável definição, num mundo fantástico a descobrir, onde – não custa imaginar – acção, mistério, magia e maravilhoso se vão combinar.
13. Porque o que é narrado nestas 22 pranchas, é já forte e impactante, deixa muitas pistas soltas – a começar pelo destino dos heróis que a protagonizam – e, em aberto, uma história com muito para dar.
14. E que possivelmente nunca passará disto, é verdade, deixando a perder todos aqueles que são leitores de banda desenhada. O que transforma uma das principais qualidades desta banda desenhada, também no seu maior problema.

O jogo
1. Quanto a Under Siege, o jogo, estará disponível já em Fevereiro em exclusivo através da PlayStation Network, a loja online da PlayStation 3, única consola onde poderá ser jogado.
2. A grande novidade é que se trata de um jogo totalmente criado em Portugal, pelo Seed Studios – o primeiro feito no nosso país para a PS3 - desde a fase da concepção do jogo, criação das personagens e dos cenários, animação, etc., até à sua comercialização final.
3. Outra novidade é o facto de ser o primeiro jogo de estratégia em tempo real desenvolvido de raiz para a PS 3.
4. Com nome e logótipo registados a nível mundial, pode ser jogado a solo ou online com outros jogadores e tem como principal atractivo, a par da arte cuidada e atraente e de ser fácil de aprender e de jogar, o facto de ter um editor que permite criar novos níveis e personagens que ficam de imediato disponíveis para todos os compradores do jogo.
5. O facto de ter apenas existência online tem como grande vantagem a eliminação de uma série de intermediários e custos (impressão de caixas, manufactura dos CDs, transporte desde a China, etc.), logo não existe uma tiragem finita nem necessidade de reimpressões, o que permitiu um maior controle do produto e a sua disponibilização junto do cliente final a um preço muito mais acessível: 14,99 €.
6. Embora o Seed Studios, fundado em 2006, tivesse já alguma experiência na área dos videojogos – nomeadamente a criação do “Sudoku for kids” e do Toyshop para a Nintendo DS – nunca encetara um projecto desta envergadura, iniciado em 2008, que implicou um investimento total de cerca de 1,2 milhões de euros, repartidos em partes iguais pelos sócios, financiamento bancário e por um subsídio do IAPMEI.
7. Foi um longo processo, em que no pico traba-lharam cerca de 20 pessoas, que obrigou a responder a um questionário inicial da Sony com 80 páginas, a diversas sub-contratações (música, traduções, vídeo, autores de BD), e, na fase final a quase três meses de testes por uma empresa especializada britânica para ajuste de pormenores.
8. Um processo longo, árduo e trabalhoso, que nunca antes tivera lugar em Portugal e que deu à empresa um know-how inexistente no nosso país.
9. E que, apesar de ainda não estar co-mercia-lizado, está já nomeado para duas das categorias dos prémios Prémio ZON Criatividade em Multimédia 2010.
9. Agora, à espera que o jogo fique finalmente disponível, as previsões de vendas são de 100 mil exemplares (apenas 0,15 % da população actual da PS3). O futuro de Under Siege está dependente da resposta dos jogadores e do sucesso que atinja, não sendo de excluir sequelas ou expansões.



(Versão revista, aumentada e remontada do texto publicado no Jornal de Notícias de 11 de Janeiro de 2011)

11/01/2011

Saltar do papel

Se em termos temáticos o suporte físico nunca foi uma prisão para os heróis dos quadradinhos, a verdade é que ocasionalmente, ao longo de décadas, eles tentaram fugir aos limites das duas dimensões do papel.

Não me refiro à passagem a outros meios, que tem acontecido recorrentemente, desde os primórdios da própria BD enquanto género popular – em filmes e séries televisiva ou mesmo em espectáculos musicais ou teatrais – mas sim a histórias aos quadradinhos publicadas em 3D. Que, tal como acontece com os filmes hoje em voga, em especial no que à animação diz respeito, estão longe de ser novidade.
A exemplo do cinema, para que o leitor possa desfrutar do efeito tridimensional pretendido, necessita de um par de óculos especiais, neste caso com uma lente vermelha e outra azul. E, tal como no grande ecrã, a sua não utilização transmite a sensação de que as imagens estão desfocadas.
Ao contrário do que se possa pensar, na maior parte dos casos, as obras não são criadas de origem para serem impressas em 3D. Este efeito é obtido, imprimindo em duplicado cada imagem, em duas cores diferentes, com um ligeiro desfasamento. Na prática, isto potencia o chamado efeito de paralaxe já existente na visão humana, fazendo o uso dos óculos com que cada um dos olhos veja uma das imagens, recebendo o cérebro a sensação de profundidade.
As primeiras experiências de quadradinhos a três dimensões, datam dos anos 50, quando as imagens em 3D tinham grande popularidade. Como não podia deixar de ser, um dos primeiros heróis escolhidos foi Superman, mas os resultados não foram famosos, quer porque parte das legendas foi também submetida ao mesmo tratamento, o que as tornou ilegíveis, quer porque ao fim de pouco tempo os óculos provocavam dores de cabeça.
Igualmente da mesma época é uma revista 3D do Mighty Mouse, que causou como que uma “experiência religiosa” em Ray Zone, então com seis anos, como ele revela no seu site (http://www.ray3dzone.com/), tendo decidido dedicar a sua vida ao 3D.


Por isso, Zone, desde os anos 80, para além de ter participado na produção de diversos filmes de animação e com actores, é o responsável por quase todas as edições de BD do género publicadas nos Estados Unidos, algumas mesmo de sua autoria.


O que na prática representa quase centena e meia de títulos de dezenas de editoras, alguns obscuros, outros protagonizados por heróis bem conhecidos como Spirit, Steve Ropper, Krazy Kat, Phantom, Simpsons, Superman, Batman, Donald, Mickey, Patinhas, Roger Rabbit, Transformers, X-Men, Hulk ou Flash Gordon, aplicando Zone a sua técnica à arte “plana” de alguns dos maiores nomes da banda desenhada, em edições quase sempre de número único, destinadas a assinalar alguma data marcante ou utilizadas como truque de marketing.



Por isso, se um dia destes, abrir uma revista de BD e uma bala do Fantasma lhe assobiar aos ouvidos, o Super-Homem passar a voar ou receber, escapar por pouco a um murro do Hulk ou receber em cheio uma fisgada de Bart Simpson, não se assuste. É apenas uma BD a três dimensões!

Entretanto, a ser verdade o que a Image Comics anuncia há já algumas semanas, o one-shot “Captain Wonder”, a lançar em Fevereiro, apresentará o mais avançado 3D alguma vez utilizado em quadradinhos que, no entanto não dispensará os tradicionais óculos, como habitualmente oferecidos com a revista.
Escrito e desenhado por Brian Haberlin e Philip Tan, com experiência em séris como Witchblade, Spawn, Green Lantern ou X-Men, narra a história do Captain Wonders, desaparecido após 24 anos de generosos serviços em prol dos seres humanos, estando agora todas as esperanças depositadas em Billy Gordon, um menino de 10 anos, que é o único a saber do seu paradeiro. Até agora a editora apenas disponbibilizou a capa, onde o efeito tridimensional está bem patente, e três páginas anteriores à aplicação do 3D.
A Image Comics, que foi criada em 1992 por sete autores saídos da Marvel, entre os quais Todd MacFarlane e Jim Lee, descontentes por não terem a posse e o controle criativo sobre o seu trabalho, já tinha feito uma forte aposta na banda desenhada 3D em 1997 e 1998, publicando dessa forma WildC.A.T.S., Gen 13 ou Astro City, alguns dos seus principais títulos.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Janeiro de 2011)
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