Há meio século, os leitores da revista francesa Record, descobriam
Iznogoud, o grão-vizir que queria “ser califa no lugar do califa”. Era o início
de uma carreira política repleta de ambição mas também de fracassos.
Nascido num tempo e num local – Bagdade, a magnífica - em que a
democracia era uma miragem e o acesso ao poder se fazia de forma hereditária,
ao pérfido Iznogoud (trocadilho com o inglês “he’s no good”, “ele não presta”,
como todos sabemos perfeitamente aplicável a (quase todos )os políticos) nada
mais restava do que procurar por todos os meios fazer com que o bom (mas também
ocioso e preguiçoso – como (quase?) todos os políticos…) califa Haroun El
Poussah desaparecesse.
Curiosamente, mudados os tempos, permanecem as vontades, pois escrito
assim, até parece o relato daquilo a que assistimos na actualidade, com os
políticos a quererem sempre um lugar ou o lugar de alguém. Claro que poucos
(mesmo assim demasiados…), hoje em dia, optam por métodos tão drásticos como os
utilizados pelo grão-vizir, que do vudu à invisibilidade, da feitiçaria aos
dissolventes, do toque de Midas ao olhar de Medusa, tentou de tudo para “se
tornar califa no lugar do califa”, com a ajuda contrariada do seu criado,
Dillah Larath. Mas, apesar da sua grande inventividade, perfídia e imaginação,
Iznogoud acaba sempre vítima das suas manigâncias, restando-lhe o consolo de
ter retirado ao califa o protagonismo das histórias de BD, contrariando a ideia
inicial dos autores.
Criação do grande René Goscinny (1926-1977), as desventuras de Iznogoud
– pelo seu lado metafórico? – mantêm, décadas depois, a mesma frescura, a mesma
actualidade, a mesma capacidade de dispor bem, o mesmo tom irónico e a mesma
fina ironia que sempre caracterizou a obra do criador de Astérix, que, ao longo
das páginas de Iznogpoud se divertiu muitas vezes a satirizar a actualidade e a
subverter os códigos e regras da própria BD.
Jean Tabary (1930-2011), que assumiu integralmente a série após o
desaparecimento de Goscinny, com o seu traço vivo, dinâmico e expressivo, conferiu
a Iznogoud um ar determinado e malévolo que contribuiu para o sucesso da série,
maioritariamente composta por episódios curtos de 8 páginas, distribuídos por
27 álbuns, e adaptada em jogos de computador, cinema de animação e, em 2004, no
grande ecrã, numa película dirigida por Patrick Braoudé e protagonizada por
Michaël Youn e Jacques Villeret.
Em Portugal, a primeira tribuna daquele político foi a revista Pisca-Pisca
#3, de Março de 1968, tendo passado igualmente pela Flecha 2000 e pelo Jornal
da BD, e sido editado em álbum pela Meribérica (3 títulos), ASA (5 títulos) e
Público/ASA (1 título).