Numa época em que, doentiamente, demasiada gente trata os
animais como se fossem pessoas – e muitas vezes as outras pessoas como se
fossem animais – esta história sobre o fascínio que a morte dos animais exerce
sobre a protagonista e a vontade de dominar a ele associada, soa como um - estranho! - oásis
de normalidade.
Passe algum exagero acima, que espero tenha captado a vossa
atenção, esta não é uma história para todos dada a forma crua como são
mostrados alguns tratamentos a animais – e neste aspecto vejam-se algumas cenas
geniais (desculpem o termo, se puderem,
após a sua leitura) e ao mesmo tempo doentiamente absurdas e de um realismo
incrível, como a recepção na chegada à propriedade de Nagot, quando a caseira
saúda as meninas ‘tirando o pijama’ a um coelho, o degolar da galinha ao ‘som
da declamação’ das diferenças entre os vários sinais gráficos de pontuação ou o
sangramento do porco sob a aura da relação ‘intensa’ com o caseiro que com ele
se identifica.


No entanto, talvez encaminhada pelas leituras que a animavam
em pequena – surpreendentemente o puro Tintin mas também os menos socialmente
integrados Schtroumpfs… - Florence tornou-se autora de BD e serve-nos um romance
gráfico de mais de 200 páginas, dotado de uma planificação dinâmica, com
vinhetas sem contornos que se moldam umas às outras, que se lê de um fôlego,
embora no final, a par de um incontornável espanto, fique uma indeterminada
sensação de incómodo, divididos entre o humor negro que pontua o seu
hiper-realismo narrativo, pese o traço cartoonesco em que assenta, a um tempo
simples e complexo, e a crueza desse mesmo relato.
Cruelle
Florence Dupré La Tour
Dargaud
França, 22 de Janeiro de 2016
170 x 240 mm, 208 p., cor, cartonado
EAN 9782205073348
17.95 €
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