17/02/2016

A Agência de Viagens Lemming






José Carlos Fernandes foi o mais importante autor dos anos 1990 e 2000. Este livro é o seu conceito de ‘folhetim de Verão’.

Lembro a génese de A Agência de Viagens Lemming, agora oportunamente editada em livro (pela primeira vez no nosso país): no Verão de 2005, o Diário de Notícias decidiu incluir nas suas sugestões para a ‘silly season’ uma banda desenhada. O autor desafiado foi José Carlos Fernandes e, apesar do projecto inicial assentar numa tira diária clássica ao estilo de Caniff ou Raymond, o resultado foi A Agência de Viagens Lemming.
A obra, maioritariamente dotada de tons alaranjados que correspondem ao clima estival da data em que foi publicada, foi concebida ao ritmo de duas tiras diárias (que correspondem a cada página deste livro) em histórias autoconclusivas ao fim de poucos dias, embora exista entre todas elas uma ligação que dá uma indiscutível unidade e coerência ao conjunto.
Na sua base está o sr. Zoloft, um cidadão com vontade de conhecer mundo sem prescindir das comodidades do dia-a-dia. Dirige-se por isso à tal agência de viagens Lemming, onde um funcionário dedicado o vai esclarecer – e tentar aliciar – com pormenores de cada um dos destinos possíveis.
Se tudo – do conceito do projecto inicial ao tema-base – apontava para uma banda desenhada leve e divertida, José Carlos Fernandes subverteu por completo o conceito e conferiu-lhe as características já presentes na maior parte das suas criações, em especial em A Pior Banda do Mundo, a sua criação mais (re)conhecida.
Dessa forma, viagens à distância por destinos exóticos – e muitas vezes de nomes impronunciáveis – mas com muito em comum com os mais procurados destinos de férias de cidadãos comuns de carne e osso deste e de outros países, tornou-se um pretexto para José Carlos Fernandes destilar mais uma série de críticas ácidas, inteligentes e repletas de referências culturais, à forma de ser, estar, pensar e viver da sociedade ocidental.
Zamith “afamada pelos seus urinóis públicos”, o Museu da Reforma Administrativa (uma utopia?) em Sloth, Dúlia, “incaracterística, amorfa e destituída de motivos de interesse”, o Museu de Cera de Pessoas Banais cujas figuras “foram selecionadas mediante escolha aleatória de nomes na lista telefónica”, os depósitos de água da Rizopotâmia ou o Pavilhão das Nações de Nanopykos repleto de miniaturas das grandes metrópoles do planeta para quem quer “dar a volta ao mundo por uma quantia irrisória”, são apenas alguns dos destinos citados, em tom mordaz, que se provocam repetidamente um sorriso nos lábios, também deixam algum incómodo face à forma oca e formatada como se vive nos nossos dias.

A Agência de Viagens Lemming
Colecção Biblioteca de Alice
José Carlos Fernandes
Devir
Portugal, Novembro de 2015
170x260 mm, 144 p., cor, cartonada
ISBN: 978-989-559-246-3
22,00 €

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