Maturidade
Repito, quase palavra a palavra, a introdução que escrevi ontem a propósito de Mister No Revolution: ‘Dentro
do leitor que eu sou, coexistem duas correntes de pensamento
contraditórias. Por um lado, defendo a propriedade das séries pelos
seus autores, por outro, entusiasmo-me com variações e leituras
ousadas dessas mesmas séries. Reconheço, que com o passar dos anos
estou menos intransigente. E, também, que há casos e casos. Porque
quando foi esse o princípio desde sempre - na Marvel, na DC, na
Bonelli, em séries como Spirou…
- a retoma - de forma pontual ou continuada - por outros autores,
afigura-se-me como natural.
Mas,
quando falámos de obras de um autor (dupla de autores) só, o caso
muda de figura. Tintin
- à cabeça, obviamente - Blake
e Mortimer
- já é muito tarde, eu sei… - o próprio Astérix
- que nem devia ter sobrevivido a Goscinny… - são os exemplos mais
(mediáticos e) evidentes. E Alix
era outro. Até ler este Alix
Senator.'
Resumo
A acção decorre em Roma, no ano 12 d.C.. Alix já não é o adolescente/jovem imberbe que conhecemos, é agora um senador romano, maduro e respeitado.
Mas em Roma - em todo o império - as intrigas e as traições perpetuam-se e a aclamação de Augusto como César é só mais um pretexto para elas.
Desenvolvimento
Tudo começa com a morte de Agripa, genro de Augusto, por águias assassinas. Tito e Khephren, filhos de Alix e Enak, respectivamente, foram testemunhas do acontecimento e isso vai mergulhá-los - a par do protagonista que dá nome à série - numa investigação para perceber se se tratou de um acaso da natureza ou de um crime surpreendentemente orquestrado.
A mudança de paradigma da série - e com ela um ritmo mais pausado que aumenta a introspecção - permite um olhar mais adulto sobre o império romano - as suas maravilhas e também os seus podres - na senda de séries como Murena ou As Águias de Roma, embora sem chegar aos seus extremos de violência e sexo - embora estes ingredientes estejam igualmente presentes nesta versão do herói que Jacques Martin criou em 1946 (!) para o número inaugural da revista Tintin. A par de um toque de fantástico, consubstanciado nas sucessivas aparições do áugure cego.
É verdade que o co-protagonismo dado aos dois jovens citados mantém latente um pouco do tom juvenil original, que acaba por contrastar com a visão mais adulta, crua e realista que Valérie Mangin escolheu para esta sua revisão do ‘mito’ de Alix. Uma (re)visão mais credível, mais estruturada e mais desafiadora - pelo menos para leitores mais maduros - que mantém a base histórica de fundo do original e que tem tudo para agradar tanto a quem leu Alix na juventude, como a quem o descobre agora.
Se é verdade que se nota neste álbum de estreia de Alix Senator algumas hesitações, como que algum ‘apalpar’ do caminho a tomar, num episódio que evoca momentos passados da série - e da História - o amadurecimento do agora senador, o tom narrativo com um toque de policial e de fantástico e o fascínio de Roma são motivos mais do que suficientes para justificar a sua leitura e ansiar pelo crescimento sustentado que a crítica tem apontado aos álbuns seguintes, com o todo suportado por um traço realista com bom domínio do corpo humano e da sua dinâmica, bem servido pelo trabalho de cor.
A reter
- A retoma de um herói juvenil, em idade madura, de forma credível e coerente, com um tom mais adulto;
- Que passa pela referência a um acontecimento trágico que ajuda a reforçar e dar consistência a esse mesmo tom;
- O conhecimento prévio dos acontecimentos que os leitores quase sempre têm em relação a Alix, o que os coloca um passo à frente do protagonista, por isso mais capazes de apreciar as suas acções e iniciativas;
- O traço realista de Thierry Démarez, que sustenta o retrato de época exigido e se vai tornando mais seguro ao longo das páginas;
- A aposta da Gradiva numa série que pisca o olho a um clássico, numa via completamente diferente e mais estimulante.
Menos conseguido
- O protagonismo (apesar de tudo) excessivo dos filhos de Alix e Enak, embora se compreenda a intenção de piscar o olho aos fãs do tom mais juvenil original;
- Algumas hesitações no retrato do agora senador que, no desejo de o identificar fisicamente com o jovem original, torna pontualmente incongruente o conjunto cabeça/corpo.
Alix
Senator #1 - As águias de sangue
Baseado
na obra de Jacques Martin
Valérie
Mangin (argumento)
Thierry
Démarez (desenho e cor)
Gradiva
Portugal,
1 de Junho de 2021
233
x
313 mm, 56
p.,
cor,
capa dura
EAN
: 9789897850639
16,50
€
(imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar neste link para apreciar outras ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Uma agradável surpresa!
ResponderEliminarMuito bom, uma série bem vinda e em falta no nosso panorama editorial nacional.
ResponderEliminarEsperemos que não tardem em editar os 10 albums restantes.