08/06/2021

Alix Senator #1: As Águias de Sangue

Maturidade


Repito, quase palavra a palavra, a introdução que escrevi ontem a propósito de Mister No RevolutionDentro do leitor que eu sou, coexistem duas correntes de pensamento contraditórias. Por um lado, defendo a propriedade das séries pelos seus autores, por outro, entusiasmo-me com variações e leituras ousadas dessas mesmas séries. Reconheço, que com o passar dos anos estou menos intransigente. E, também, que há casos e casos. Porque quando foi esse o princípio desde sempre - na Marvel, na DC, na Bonelli, em séries como Spirou… - a retoma - de forma pontual ou continuada - por outros autores, afigura-se-me como natural.
Mas, quando falámos de obras de um autor (dupla de autores) só, o caso muda de figura. Tintin - à cabeça, obviamente - Blake e Mortimer - já é muito tarde, eu sei… - o próprio Astérix - que nem devia ter sobrevivido a Goscinny… - são os exemplos mais (mediáticos e) evidentes. E Alix era outro. Até ler este Alix Senator.'


Resumo

A acção decorre em Roma, no ano 12 d.C.. Alix já não é o adolescente/jovem imberbe que conhecemos, é agora um senador romano, maduro e respeitado.

Mas em Roma - em todo o império - as intrigas e as traições perpetuam-se e a aclamação de Augusto como César é só mais um pretexto para elas.


Desenvolvimento

Tudo começa com a morte de Agripa, genro de Augusto, por águias assassinas. Tito e Khephren, filhos de Alix e Enak, respectivamente, foram testemunhas do acontecimento e isso vai mergulhá-los - a par do protagonista que dá nome à série - numa investigação para perceber se se tratou de um acaso da natureza ou de um crime surpreendentemente orquestrado.

A mudança de paradigma da série - e com ela um ritmo mais pausado que aumenta a introspecção - permite um olhar mais adulto sobre o império romano - as suas maravilhas e também os seus podres - na senda de séries como Murena ou As Águias de Roma, embora sem chegar aos seus extremos de violência e sexo - embora estes ingredientes estejam igualmente presentes nesta versão do herói que Jacques Martin criou em 1946 (!) para o número inaugural da revista Tintin. A par de um toque de fantástico, consubstanciado nas sucessivas aparições do áugure cego.

É verdade que o co-protagonismo dado aos dois jovens citados mantém latente um pouco do tom juvenil original, que acaba por contrastar com a visão mais adulta, crua e realista que Valérie Mangin escolheu para esta sua revisão do ‘mito’ de Alix. Uma (re)visão mais credível, mais estruturada e mais desafiadora - pelo menos para leitores mais maduros - que mantém a base histórica de fundo do original e que tem tudo para agradar tanto a quem leu Alix na juventude, como a quem o descobre agora.

Se é verdade que se nota neste álbum de estreia de Alix Senator algumas hesitações, como que algum ‘apalpar’ do caminho a tomar, num episódio que evoca momentos passados da série - e da História - o amadurecimento do agora senador, o tom narrativo com um toque de policial e de fantástico e o fascínio de Roma são motivos mais do que suficientes para justificar a sua leitura e ansiar pelo crescimento sustentado que a crítica tem apontado aos álbuns seguintes, com o todo suportado por um traço realista com bom domínio do corpo humano e da sua dinâmica, bem servido pelo trabalho de cor.


A reter

- A retoma de um herói juvenil, em idade madura, de forma credível e coerente, com um tom mais adulto;

- Que passa pela referência a um acontecimento trágico que ajuda a reforçar e dar consistência a esse mesmo tom;

- O conhecimento prévio dos acontecimentos que os leitores quase sempre têm em relação a Alix, o que os coloca um passo à frente do protagonista, por isso mais capazes de apreciar as suas acções e iniciativas;

- O traço realista de Thierry Démarez, que sustenta o retrato de época exigido e se vai tornando mais seguro ao longo das páginas;

- A aposta da Gradiva numa série que pisca o olho a um clássico, numa via completamente diferente e mais estimulante.


Menos conseguido

- O protagonismo (apesar de tudo) excessivo dos filhos de Alix e Enak, embora se compreenda a intenção de piscar o olho aos fãs do tom mais juvenil original;

- Algumas hesitações no retrato do agora senador que, no desejo de o identificar fisicamente com o jovem original, torna pontualmente incongruente o conjunto cabeça/corpo.


Alix Senator #1 - As águias de sangue
Baseado na obra de Jacques Martin
Valérie Mangin (argumento)
Thierry Démarez (desenho e cor)
Gradiva
Portugal, 1 de Junho de 2021
233 x 313 mm, 56 p., cor, capa dura
EAN : 9789897850639
16,50 €

(imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar neste link para apreciar outras ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Muito bom, uma série bem vinda e em falta no nosso panorama editorial nacional.

    Esperemos que não tardem em editar os 10 albums restantes.

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