Por causa...
Quantas
vezes a leitura - ou a
continuação
dela… - depende (especialmente?) de um pormenor - pormaior,
dizia alguém… - seja ele uma capa, uma ideia, o desenho, uma
história…
Ficam
três
- de muitos - exemplos, já a seguir.
...da forma de narrar
Uma história, mais do que de uma boa ideia, depende da forma como ela é contada. The Promised Neverland, combina de forma invulgarmente bem conseguida o aspecto ‘fofinho’ das personagens com uma narrativa de puro terror, assente num orfanato aparentemente ideal, onde na verdade as crianças são ‘criadas’ para servirem de alimento a monstros.
O seu principal trunfo é, no entanto, a forma como o relato está construído, por um lado com cada resposta obtida a levantar mais questões, por outro com o autor a partilhar com os leitores o pensamento das personagens - os seus medos e motivações, mas também os raciocínios em que se baseiam para agir. Desta forma, na prática, torna os leitores (quase) cúmplices e participantes na acção de uma das séries mais interessantes em publicação em Portugal actualmente.
The
Promised Neverland #7
Kaiu
Shirai (argumento)
Posuka
Demizu (desenho)
Devir
Portugal,
Maio de 2021
126
x 190 mm, 190 p., pb, capa cartão
9,99
€
...da capa
Sei que não são consensuais - longe disso - e compreendo algumas das críticas - nomeadamente a partição das palavras, mas a verdade é que gosto bastante das capas da colecção Clássicos da Literatura em BD que a Levoir está a editar com a RTP.
E, nesse particular, acho a deste volume excepcionalmente forte. A imagem foi muito bem escolhida, apresenta proporções generosas na mancha da capa e, principalmente, espelha um grande contraste entre a beleza e a sensualidade da rapariga sem sentidos e a bestialidade chocante do ser que a segura. O vestido da bela, de cor vermelho vivo, acentua a ideia e atrai de imediato o olhar do potencial leitor, a quem de seguida não escapará a parca cobertura que ele proporciona ao corpo claro liso (e macio…?), em oposição à pelagem (quase) animal do ser disforme em fundo, coberto de farrapos sujos, que a imagem da rapariga ofusca.
Conhecendo a história, poderemos levar um pouco mais além a interpretação mas, quem conhecer apenas a versão Disney, terá uma grande surpresa com a leitura deste volume que, como nenhum até agora, revela alguma ousadia na exploração da sexualidade que está inerente ao ‘quadrado’ amoroso que é a base do romance de Victor Hugo.
Notre-Dame
de Paris
Segundo
o romance original de Victor Hugo
Claude
Carré (argumento)
Jean-Marie
Michaud (desenho)
Levoir/RTP
Portugal,
Maio 2021
210
x 285 mm, 64 p., cor, capa dura
10,90
€
…das mulheres de Pratt
As mulheres, sempre tão importantes na obra do pai de Corto, aqui são mote e motivo, protagonistas e motores da acção, reduzindo a simples títeres os homens que, quais borboletas em torno de uma luz, esvoaçam à sua volta, às suas ordens, escravos do desejo - e dos seus desejos.
Em pano de fundo há uma guerra - esta também é uma série sobre o absurdo da guerra… -, há traições e opções difíceis de tomar, há sentimentos contraditórios, alianças efémeras e associações inesperadas, mas são elas, sempre elas, que movem os cordelinhos, que provocam as acções, que revelam o melhor e o pior do restante da humanidade, os homens, claro.
...e mesmo quando o desenho - deste terceiro volume da série que completa a edição integral da obra - deixa a desejar - pela urgência de narrar, pelo cansaço por parte de Pratt ou por outros motivos que se tornam secundários - a sua presença (a presença delas) - tantas vezes mais, a sua ausência… - faz-se sentir e notar. E desejar.
Os
Escorpiões do Deserto
Obra
Integral - volume 3
Hugo
Pratt
Ala
dos Livros
Portugal,
Abril
2021
235 x 310 mm, 160 p., cor, capa dura
27,50
€
(imagens disponibilizadas, respectivamente, pela Devir, Levoir e Ala dos Livros; clicar no nome das editoras para ver mais pranchas ou nas imagens aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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