Em nome do(s) filho(s)
‘Não é esse o mundo que quero deixar pro meu filho’
In Legado
Apreciador confesso - mas não compulsivo - de western, fui lendo, cada vez mais seduzido, os comentários sobre a Trilogia Gatilho, dos brasileiros Carlos Estefan e Pedro Mauro. A leitura desta obra de tom crepuscular e desencantado, permitiu-me descobrir uma saga de contornos familiares, em que a habilidade com o colt é mais uma maldição do que uma bênção que passa de geração em geração.
Começo pela bela edição da Pipoca & Nanquim - que com esta obra se estreia aqui no blog... - em capa dura, formato generoso, bom papel e boa impressão, que compila os três relatos - Gatilho, Legado e Redenção - que compõem esta trilogia, mas a história curta final incluída nos extras - a única a preto e branco - deixou-me a pensar se não teria preferido a toda edição assim. Mas compreendo a necessidade (comercial) da cor, como atractivo extra para quem foi comprando os livros originais a preto e branco.
Não que globalmente haja problemas com a cor aplicada por Carlos Estefan - que além de argumentista também fez a legendagem - apesar de combinar pranchas com belos efeitos cromáticos com outras próximas do colorido padrão Bonelli, mas a verdade é que o preto e branco cheio de contrastes de Pedro Mauro, com conseguidos jogos de luz e sombra e ângulos ousados, acentua o seu estilo mais agreste e duro e torna o conjunto mais selvagem e violento, em sintonia com o tom geral.
Tudo começa quando um cavaleiro solitário chega a uma cidade há muito abandonada. Está na pista de um bando que irá defrontar mais à frente, revivendo assim, uma e outra vez, cenas trágicas passadas, evocando os fantasmas que o acompanham - e que só contribuem para agravar a sua solidão.
A história assim iniciada, ir-se-à compondo aos poucos, avançando no presente mas com saltos regulares ao passado, que explicam acções, contextualizam premissas e tornam imperioso o trilho justiceiro assumido.
Longe dos westerns mais tradicionais - e até de Tex, a quem muitos o comparam, talvez (também) por o desenhador ter trabalhado para a Sergio Bonelli Editore - os protagonistas da trilogia - vários elementos masculinos de uma mesma família - surgem como pistoleiros a soldo por obrigação, por ironia (trágica) do destino, nunca por opção. Um dos aspectos mais conseguidos, aliás, é a forma como - sucessivamente - tentam afastar do mesmo trilho os seus descendentes, embora os deuses - zombeteiros e cínicos - tenham claramente outros planos para eles.
Assim, empurrados pelas circunstâncias, com as vidas destruídas, com a perda dos seres amados, cada um dos ‘pistoleiros sem nome’ vai cumprir o seu propósito de anjo - ou demónio? - vingador.
E se cada um dos relatos pode ser lido isoladamente - e foi assim que foram surgindo - a leitura conjunta que esta edição compilatória privilegia, permite uma visão mais ampla e a compreensão de algumas pontas soltas que só o conjunto (finalmente) ata e explica.
Com inspiração bebida nos westerns spaghetti, de grandes espaços selvagens, protagonistas duros, solitários e de destino trágico, e tom crepuscular e desencantado, que acentua a descrença nos homens e nos seus destinos, esta Trilogia Gatilho merece sem dúvida uma leitura atenta.
…e não só por ‘fãs confessos de western’!
Trilogia
Gatilho
Carlos
Estefan (argumento e cor)
Pedro
Mauro (desenho)
Pipoca
& Nanquim
Brasil,
2021
212
x 278 mm, 260 p., cor, capa dura
ISBN:
978-6586672480
R$
79,90
(imagens disponibilizadas pela Pipoca & Nanquim; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Me sinto feliz pelo feedback. Bela resenha, Pedro. Meu grande abraço!:-)
ResponderEliminarMuito obrigado, Pedro Mauro.
EliminarGrande abraço!