Shazam! & A Sociedade dos Monstros

Reatar relações

A leitura deste livro - que vinha bem referenciado - permitiu-me reatar duas relações de - até agora - momentos únicos: Jeff Smith e o Capitão Marvel.

De Jeff Smith, conhecia a monumental e fabulosa saga de Bone, de leitura começada nos volumes compilatórios e terminada mais tarde no ‘tijolo’ integral - e algumas das sequelas no mesmo universo.

Quanto ao Capitão Marvel - ou Shazam!...? -, descobri-o há muitos anos, num par de edições brasileiras encontradas na casa da minha avó, cuja capa nunca conheci [Uma delas, descobri agora após alguma pesquisa, foi a Shazam! #12, editada pela Globo em 1949]. Da sua leitura, algumas vezes repetida, recordo especialmente um tom desarmante e ingénuo, próprio de uma época e de uma outra forma de narrar e encarar a BD de super-heróis.

E a verdade é que agora reencontrei ambos - e também o melhor que deles guardei.

Em Shazam! & A Sociedade dos Monstros, em pouco mais de 200 páginas, Jeff Smith consegue, por um lado, recontar a origem do super-herói, ou seja como o pequeno Billy Watson, órfão e abandonado, após perseguir um desconhecido no metro, chega à caverna do mago Shazam que, depois de comprovar a sua pureza de coração, lhe entrega a capacidade de se transformar no poderoso Capitão Marvel. Por outro, narra-nos igualmente como a sua irmã se torna Mary Marvel, ainda introduz o Malhado - homem e tigre! - personagem que eu desconhecia e coloca em jogo um dos grandes inimigos do super-herói.

A par deste recriar da mitologia, bebendo - e muito - nas origens das personagens, consegue igualmente dar-lhe um tom heróico, de querer e superação, ao mesmo tempo que introduz alguns aspectos fantásticos - lineares e sem questões existencialistas! - proporcionados pela combinação de universos, os seres gigantes, a transformação de humanos em animais - e monstros! - e a manipulação de formigas e baratas - que em mim evocaram o Ted de Bone.

E Smith faz tudo isto, demonstrando mais uma vez a sua enorme capacidade narrativa e a habilidade de combinar um traço cartoonesco, muito agradável, dinâmico e ‘fofo’, com o tom aventureiro e misterioso, pincelando o todo, aqui e ali, de forma marginal e discreta mas bem intencional, com apontamentos mais adultos e profundos - da questão dos sem-abrigo ao espectro do terrorismo, passando pelo abandono e violência infantil ou pela corrupção e a desmedida ambição políticas, com alguns pormenores esconsos pelo meio.

E, acima de tudo - como de certa forma na fase inicial de Bone - assumindo um tom ingénuo e quase infantil - mas não tanto quanto isso, pelo que acabei de apontar - que me fez reencontrar o Capitão Marvel que a minha memória guardou - e de quem, curiosamente, nunca mais tinha lido nada.

Com estes elementos, proporciona uma obra de leitura corrida, simples e directa, despretensiosa, divertida e de tom (não demasiadamente) heróico, num equilíbrio saudável entre o uso dos super-poderes e as limitações humanas, ideal para leitores pré-adolescentes, sim, mas com outras camadas de leitura que farão as delícias dos leitores mais exigentes… e/ou dos que continuam jovens.

Shazam! & A sociedade dos monstros
Inclui Shazam! The Monster Society of Evil #1-#4 (EUA)
Jeff Smith
Panini
Brasil, 2019
170 x 260 mm, 208 p., cor, capa dura
R$ 59,00

(capa disponibilizada pela Panini; pranchas disponibilizadas pela DC Comics; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)