Mostrar mensagens com a etiqueta BD e literatura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta BD e literatura. Mostrar todas as mensagens

10/03/2015

Hiper #26












Retomo a ideia da “história que vale uma edição”, que há pouco tempo desenvolvi a propósito do livro Batman: Detective.
Desta vez, talvez com mais propriedade até, como poderão verificar na leitura que fiz desta Hiper #26.

25/09/2012

Piége Nuptial

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Christian de Metter
Casterman (França, Agosto de 2012)
185 x 260 mm, 128 p., cor, brochado com badanas
18,00 €
 
 
 
Resumo
Nick, um jornalista freelancer norte-americano, em viagem pela Austrália, entre duas reportagens, descura três aspectos fundamentais para sobreviver nas suas imensas planícies:
1)      Não conduzir de noite com os faróis acesos, pois pode-se atropelar um canguru:
2)     Ao recorrer a uma garagem para reparar a viatura, não dar boleia à primeira mulher bonita que aparece e, menos ainda, não ceder aos seus encantos;
3)     Pensar bem, antes de responder a uma pergunta feita durante a noite.
 
 
Desenvolvimento
Por coincidência, os dois livros já apresentados esta semana aqui, em As Leituras do Pedro, são adaptações de obras literárias. Mais, adaptações de obras literárias contemporâneas, fugindo, assim, à habitual apetência pelos clássicos.
Depois de George R. R. Martin, ontem, hoje é a vez de Douglas Kennedy, um norte-americano nascido em 1955, autor de alguns best-sellers, entre os quais “The Dead Heart” (1988), que esteve na origem do presente livro.
Na base da trama, está o facto de Nick ter falhado os três pontos acima enumerados e, em consequência, quando procurava a liberdade e os grandes espaços, dá por si privado da sua autonomia, da sua independência e da possibilidade de circular, sozinho em Wollanup, uma pequena comunidade isolada de estrutura patriarcal e praticamente desconhecida do mundo, para onde a sua “conquista” o arrastou com o propósito de com ele casar – casar com a vítima da sua “armadilha nupcial” de que fala o título francês.
Colocado nesta situação limite e de pesadelo, após uma descida aos infernos em que quase se destruiu, Nick terá primeiro de recuperar a sua autoconfiança, depois encontrar forma de sobreviver no meio de uma comunidade hostil dominada pela força e a violência e, finalmente, agir, contando com uma inesperada ajuda.
Sem adiantar mais, para não estragar o prazer da descoberta, posso adiantar que este é um thriller psicológico que, depois de um arranque que parece banal, facilmente cativa o leitor e o arrasta para a incómoda identificação com Nick.
E que – tal como o relato de ontem – conseguiu encontrar a forma de respirar num suporte narrativo diferente. Só que enquanto “O Cavaleirode Westeros” vivia das cenas de acção e do suporte dos textos de apoio, “Piége Nuptial” assenta em diálogos curtos mas incisivos, em sequências mudas e na transmissão de emoções como o desespero e o abandono e da enorme tensão psicológica que constitui a base da segunda parte da história.
Graficamente, De Metter, tem um excelente trabalho a aguarela, com uma paleta de cores impressionante, com a qual (nos) retrata quer os vastos desertos australianos, imensos, soalheiros, quentes e poeirentos em que nos apetece embrenhar-nos, quer a penumbra dos espaços em que Nick se vê confinado, quer as muitas cenas nocturnas. Tudo com um traço algo impreciso e enquadramentos fechados em que abundam os médios e grandes planos, que reforçam o clima de tensão e de intimidação e a violência psicológica a que Nick está sujeito, sustentado longamente o suspense quanto ao seu desfecho.
 
A reter
- A ideia original de “Piége Nuptial”
- A forma conseguida como De Metter transpôs para a BD este romance de Douglas Kennedy, conseguindo transmitir a tensão e a violência física e psicológica que se avolumam na segunda parte do relato até ao desfecho, de certa forma, libertador.
- O soberbo trabalho gráfico do autor.
 
Menos conseguido
- A página final, pois a visualização da cena de imediato desfaz o efeito pretendido.
 
 

24/09/2012

O Cavaleiro de Westeros

 
 
 


 
 
 
 
Ben Avery (argumento)
Mike S. Miller (desenho)
Mike Crowell (cor)
Saída de Emergência (Portugal, Setembro de 2012)
165 x 240 mm, 196 p., cor, brochada
16,50 €
 
 
Resumo
Baseado no universo de Westeros, onde se desenrolam as Crónicas de Gelo e Fogo, escritas por George R.R. Martin, este livro aborda um período anterior em cerca de 100 anos ao do inicio do primeiro livro das crónicas, no tempo do rei Daeron, com o reino em paz e a dinastia Targaryen no auge do seu poder.
Iniciado com a morte de Sor Arlan, narra a demanda do seu escudeiro Dunk, Sor Duncan, o Alto, para se impor como cavaleiro andante.
 
Desenvolvimento
Esta é uma bela história em ambiente medieval – a sua localização em Westeros, no universo criado por George R. R. Martin não é especialmente determinante para o desenrolar da história contada, pelo menos no que a este primeiro tomo diz respeito – bem construída, e explanada e competentemente recriada no seu novo suporte narrativo, onde apresenta vida própria.
Narrada em ritmo moderado, de certo modo imposto pelo recurso recorrente a texto em off, vai introduzindo ao leitor as questões pertinentes sobre os diversos reinos e dinastias de Westeros, sem que ele quase dê por isso, enquanto aprende a conhecer o protagonista Dunk, aliás Sor Duncan, o Alto, o seu escudeiro Egg e a bela bonecreira Tanselle.
A base da história é simples: um ex-escudeiro, agora cavaleiro andante, procura a honra e a glória (e também a riqueza) nos torneios que frequentemente têm lugar.
Cavaleiro andante, reforce-se a ideia, cuja diferença fundamental, para além de combater apeado, é servir apenas causas justas e estar ao lado dos fracos e oprimidos.
Só que, naquela época, no mundo de Westeros, como nos dias de hoje, no nosso mundo, a honra, a justiça, a verdade e a lealdade nem sempre (raramente?) são os valores mais praticados, como Dunk irá descobrir à sua custa, embora também encontre as virtudes que costumam estar no lado oposto da balança: a amizade, dedicação, entrega e mesmo o amor.
Desenvolvido num crescendo, que culmina numa justa entre dois grupos de sete cavaleiros, cujo resultado determinará o futuro do jovem, falta a essa cena fulcral mais arrojo gráfico – deveria ser mais visual e menos descritiva, possivelmente – para fazer dela um momento mais marcante.
Apesar disso, no geral o traço realista e detalhado de Mike Miller (com várias passagens por alguns dos principais super-heróis da Marvel) mostra-se ajustado ao registo narrativo, não sendo difícil encontrar belos pormenores, a par de uma planificação dinâmica e diversificada que utiliza com frequência planos arrojados que ajudam a ritmar as cenas.
E se é verdade que o final (provisório) é previsível, contem os leitores com diversos desenvolvimentos surpreendentes e alguns volte-faces até ele se concretizar.
 
A reter
- A aposta inteligente da Saída de Emergência numa boa adaptação aos quadradinhos de uma obra de um dos seus autores de referência, que poderá fazer a ponte entre dois universos de leitores: os de George Martin e os de BD.
- Uma boa edição, a que talvez só faltem umas badanas na capa e contracapa para lhe dar um pouco mais de consistência.
- A curiosa inclusão de uma “pré-visualização” do tomo seguinte, “A espada ajuramentada”, em que prossegue a saga de Sor Duncan e de Egg, sinal de que a editora pretende continuar a editar BD.
 
 

13/03/2012

L'île au Trésor









D'après le roman de Robert Louis Stevenson
Sylvain Venayre (argumento)
Jean-Philippe Stassen (sesenho)
Futuropolis (França, 9 de Fevereiro de 2012)
215 x 290 mm, 96 p., cor, cartonado
17,00 €



Resumo
A procura de uma fortuna em dinheiro, no estaleiro de uma obra parada, é o mote desta história actual, decalcada de “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson.

Desenvolvimento
Um dos mais célebres romances de aventuras, “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson, ao longo dos anos foi por diversas vezes objecto de adaptações aos quadradinhos, incluindo – pelo menos uma – em português, pelo mestre Fernando Bento.
Mais ou menos fiéis, mais ou menos possuídas do espírito original da obra, todas elas – acredito eu – se ativeram às personagens, à localização e à época que Stevenson definiu no original.
Até agora. Porque esta L'île au Trésor transporta para a actualidade a trama base do romancista, embora mantendo os nomes dos intervenientes bem como o seu objectivo: encontrar um tesouro. Só que enquanto aquele era um “tesouro” tradicional – arcas cheias de ouro e jóias, esquecidas numa qualquer ilha (mais ou menos) deserta – agora trata-se de malas cheias de dinheiro que deveria ser utilizado para pagamento de luvas e financiamento ilegal de partidos, esquecidas num imóvel que deveria já ter sido destruído para dar lugar a outro, mas cujas obras foram suspensas.
Tudo começa quando um estranho viajante chega a um pequeno café-restaurante onde aluga um quarto e pede para o avisarem se aparecer alguém a perguntar por si. Só que o acaso gosta de frustrar as convenções humanas e o (re)encontro com os seus perseguidores acaba por se dar, conduzindo à sua morte mas também ao desaparecimento do seu segredo nas mãos da pequena Jacquot, filha do dono do café, recém-órfã de mãe e pai.
Na continuação, tal como uma ilha no meio de um bairro suburbano, aquele estaleiro vai ser alvo do confronto entre dois grupos, um ligado à sociedade que quer recuperar o seu dinheiro, outro formado por habitantes locais que querem com ele refazer as suas vidas. Mesmo que isso possa não passar de uma ilusão ou ter um preço – em memórias e vidas humanas – demasiado alto a pagar.
Entre estes últimos está a pequena Jacquot, que vai descobrir como a vida pode ser dura e negra. Tão negra como a sua pele. Tão negra como os tons escuros e sombrios que Stassen escolheu para tratar a trama que Venayre lhe confiou, tornando mais duro e agreste o traço linha clara que é a sua imagem de marca, mas que aqui surge (quase) despojado das cores quentes e vivas que noutras obras o têm tornado mais agradável. Mas revelando-se igualmente eficaz na condução do leitor ao longo da história, durante a qual vai descobrindo – com surpresa – os paralelos entre a trama original e a que agora desfruta, sem o deixar esquecer que, apesar deles, esta é uma história – dura, violenta - nova, bem ancorada no nosso tempo.

A reter
- A interessante transposição da obra de Stevenson – das suas personagens, da sua estrutura original – para os nossos dias, colando-a a uma temática bem actual.
- O trabalho gráfico de Stassen, de planificação simples e tradicional, mas de uma elevada eficácia e legibilidade.

10/01/2012

Auto da Barca do Inferno






Gil Vicente (texto original)
Laudo Ferreira (desenho)
Omar Viñole (cor)
Colecção Clássicos em HQ
Editora Peirópolis (Brasil, Agosto de 2011)
200 x 270 mm, 56 p., cor, brochado com badanas
R$ 35,00


1.       Confesso que não sou fã da utilização do texto integral de uma obra original numa adaptação em banda desenhada.
2.      Ou em qualquer outro meio, refira-se.
3.      Porque literatura, teatro, cinema ou banda desenhada são géneros narrativos díspares, com regras e códigos próprios – apesar de alguns pontos de contacto.
4.      Por isso, a transposição do texto integral de uma obra em qualquer daqueles géneros para outro, implica sempre a quebras das tais regras e códigos, provocando – no mínimo – estranheza e prejudicando a sua legibilidade.
5.      No caso do álbum presente, a situação agrava-se pois estamos a falar de um texto – magnífico! - com cerca de 5o0 anos, com todas as diferenças de significado e de grafia que facilmente se imaginam.
6.      Não quero com isto dizer que não entendo o conceito – que até pode ser louvável – que preside a esta opção: chamar a atenção dos leitores actuais para obras clássicas.
7.      Mas, mesmo tendo isso em conta, não me parece que a opção tomada seja a mais indicada. Passo a explicar porquê:
8.     Primeiro, porque o esforço a que obriga a leitura do português antigo, facilmente desencorajará o leitor de hoje. O ganho seria evidente, se a linguagem fosse actualizada e adaptada ao género narrativo escolhido, respeitando o espírito e os princípios do magnífico original de Gil Vcente.
9.      Depois, porque se um leitor comum tiver o desejo de descobrir o original videntino, dificilmente o procurará numa edição aos quadradinhos.
10.  Feito este preâmbulo, que já vai demasiado longo, passemos então à obra em si, a meu ver demasiado penalizada pela opção editorial de base, uma vez que, graficamente, Laudo Ferreira desenvolveu um trabalho que (quase) só merece elogios.
11.   Desde logo pela dinâmica e pela cadência de leitura impostas que – a espaços – conseguem contrariar as limitações de ritmo provocadas pelo português arcaico.
12.  Assente na expressividade física e gráfica das personagens, na planificação diversificada e no bom trabalho de cor de Omar Viñole.
13.  Também - e muito - porque o seu estilo caricatural se adequa às mil maravilhas ao tom mordaz e crítico do original de Gil Vicente, acentuando as características, qualidades e defeitos de cada uma das personagens-tipo – fidalgo, onzeneiro, parvo, sapateiro, padre, Brísida Vaz, judeu, etc. - falecidas que buscam a barca que as conduzirá ao paraíso (ou, na maior parte dos casos) ao inferno.
14.  Na verdade, vale a pena perder – ganhar, sem dúvida – algum tempo a apreciar com mais pormenor cada uma das personagens, com especial destaque para o barqueiro diabólico.
15.   Veja-se o seu olhar trocista e malévolo, o ar com que contesta as razões daqueles que recusam entrar na sua barca, a sua figura imponente, distinta e enganadoramente acolhedora, o ar triunfal após cada embarque no seu navio…
16.  O que no seu conjunto faz dele – bem como de muitos dos outros - uma personagem extremamente conseguida e que encarna na perfeição – acredito eu – o que o mestre português tinha em mente quando escreveu a sua peça teatral.
17.   E esse é outro trunfo desta adaptação, a forma como Laudo Ferreira conseguiu “encenar” no palco que são os quadradinhos da sua história, o texto teatral vicentino…
18.  … conferindo à BD um invulgar mas estimulante tom teatral – no excesso dos gestos, na pose declamatória tantas vezes assumida, na importância dada às expressões, na sua divisão em “actos”...
19.  Por isso, apesar do texto integral original, confesso que foi um prazer recordar desta forma o “Auto da Barca do Inferno”, embora reste a sensação de que, tendo sido outra a opção, esta adaptação poderia ter-se tornado uma obra de referência…
20.  Por isso, acredito que o aplauso à obra expresso por Gil Vicente, no final da “peça encenada” a que assiste ao lado de Laudo Ferreira, tem toda a justificação e teria certamente lugar se ele a tivesse podido ler, assim existissem já histórias aos quadradinhos quando escreveu a sua peça.
21.  A finalizar, fica a estranheza pelo facto de, num tempo em que (supostamente) existe um Acordo Ortográfico que (supostamente) serve para uniformizar a escrita entre os países lusófonos, uma obra baseada num clássico da literatura portuguesa, apoiada pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas portuguesa e pelo Ministério da Cultura português, não esteja disponível em Portugal…
22. (A exemplo do que acontece, a outro nível, com outros contornos, com  a ausência, no Brasil, das edições portuguesas de BD (da ASA) do grupo Leya, e na ausência, em Portugal, das edições de BD da filial brasileira da Leya…)


06/07/2011

Fernando Pessoa e outros Pessoas

Davi Fazzolari (argumento)
Eloar Guazzelli (desenho)
Editora Saraiva (Brasil, Abril de 2011)
180 x 270 mm, 80 p., cor, brochada
R$ 34,90

Este álbum, publicado há poucas semanas no Brasil, adapta em banda desenhada alguns poemas do mais famoso poeta português e dos seus heterónimos, tendo o intuito de “conduzir o jovem leitor à obra intrincada e complexa desse escritor maior da língua portuguesa”. Por isso, o livro é apresentado como um pretexto para “novas viagens para novos viajantes ou para velhos marinheiros saudosos dos atracadouros do Tejo, sedentos por revisitar Lisboa”.
Por isso, também, ao longo das 80 páginas da edição e das bandas desenhadas que as preenchem – Interlúdio Lisboeta I, A Tabacaria Fora de Mim, Interlúdio Lisboeta II, O Desassossego de Bernardo, Interlúdio Lisboeta III, O Pastor de Almas, Interlúdio Lisboeta IV - é a capital portuguesa que surge como personagem principal da obra, dotada da sua luminosidade própria, enquanto a sua marginal, as suas avenidas, ruas e becos são percorridos em tom de passeio e descoberta, ao “som” dos versos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Bernardo Soares.
Aliás, apesar de os versos originais serem integralmente transcritos, as pranchas são leves, o traço respira à vontade, o próprio texto escrito é, nalguns casos, apenas mais um elemento gráfico que contribui para a leitura e a fruição do todo. Guazzelli tem neste aspecto uma responsabilidade decisiva graças ao seu traço depurado, servido por cores luminosas, lisas e claras – apenas cinzentos quando a narrativa assim o pede – que recriam e reproduzem o ambiente, a atmosfera e a luz lisboeta.
Este álbum, da responsabilidade da Editora Saraiva, é o primeiro de uma nova colecção, dedicada a adaptações aos quadradinhos de obras literárias, um género muito em voga actualmente no Brasil, com muitos destes títulos a serem incluídos na listagem governamental de incentivo à leitura junto das gerações mais jovens.
Os seus autores são Davi Fazzolari, professor de língua portuguesa e mestre em Literatura pela Universidade de São Paulo, responsável pelo argumento, e o desenhador Eloar Guazzelli, que anteriormente já adaptara obras como “O pagador de promessas”, de Dias Gomes, “A Escrava Isaura”, de Bernardo Guimarães, e “Demônios em quadrinhos”, de Aluísio Azevedo.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 1 de Maio de 2011)

01/03/2010

A Relíquia de Eça de Queiroz

A Relíquia de Eça de Queiroz
Marcatti (argumento e desenho)
Conrad Editora (Brasil, 2007)
160 x 226 mm, 224 p., pb, brochado com badanas

Lançada em 2007 no Brasil, "A Relíquia" (Conrad Editora) é um bom exemplo de uma adaptação bem conseguida de um romance para quadradinhos. O que à partida podia ser posto em causa, dado o tom escatológico da maior parte das obras anteriores de Marcatti, aliás Francisco A. Marcatti Jr., autor underground brasileiro, nascido em São Paulo, a 16 de Junho de 1962.
Só que Marcatti fez o que deve ser feito numa adaptação: interiorizou o espírito do romance de Eça e o seu peculiar sentido de humor, na sua crítica exacerbada à Igreja Católica, aos seus fiéis fanáticos e às suas crenças e credulidades, tarnspondo-os depois para a (sua) nova linguagem. A opção de manter "a estrutura da história original" ajudou à consistência do livro, bem como a utilização, nos textos, de "uma mistura de coloquialidade e erudição para facilitar a leitura sem perder o tom clássico da obra", sem que isso o tornasse demasiado denso ou pesado. Com eles, e apesar do seu traço caricatural, conseguiu recriou em "quadrinhos" o clima tenso e opressivo que Eça deu à sua narrativa, e transmitir o estado de prostração e impotência que Raposão, o boémio sobrinho da beata Titi, sente face à rédea curtíssima com que ela o mantém e, posteriormnte, após cair em desgraça.
Paradoxalmente, é o seu traço caricatural, caracterizado por personagens de olhos vivos e grandes narizes e corpos de inusitada mobilidade, o outro trunfo incontornável do livro, pois a sua vivacidade e dinamismo opoõem-seao tom mais pausado dos textos, ao mesmo tempo que o cmplementam e aprofundam o tom da obra.

E é com ele que Marcatti marca o ritmo da narrativa e expressa à saciedade os diversos estados de espírito (veja-se a transformação de Titi em apenas 3 vinhetas na página 172), mostrando sentir-se como peixe na água na representação das cenas mais picantes, divertidas caricaturas que surgem como oásis na vida de Raposão e como aliviadoras da tensão na leitura do livro, muito bem recebida pela crítica brasileira, que Marcatti faz questão de apresentar como "a sua Relíquia".

(Versão revista e aumentada do texto publicado no BDJornal #20, de Agosto/Setembro de 2007)

21/01/2010

BD e Literatura - L’Obéissance

Frank Bourgeron
(argumento e desenho, a partir do romance de François Sureau)
Futuropolis (Novembro de 2009)
217 x 296 mm, 80 p., cor, cartonado

Resumo
Em plena Primeira Guerra Mundial, o governo belga solicita ao seu homónimo francês o empréstimo de uma guilhotina e de um carrasco para executar um condenado à morte, Préfaille, preso numa zona ocupada pelos alemães. A razão do pedido ? Há mais de 80 anos que não há execuções na Bélgica, pelo que também não existem profissionais – carrascos – habilitados para o efeito...
A França aceita o pedido e envia Deibler, o executor, com a sua preciosa máquina de matar devidamente desmontada e encaixotada, sob a escolta de um pequeno grupo comandado pelo tenente Verbruge, após conseguir os necessários salvo-condutos da parte dos diversos exércitos envolvidos (francês, belga, alemão, inglês).

Desenvolvimento
Embora soe a anedota de mau gosto, esta adaptação do romance homónimo de François Sureau (Gallimard, 2006), tem por base uma história verídica, que mostra como os governos envolvidos numa guerra fratricida, embora incapazes de chegar a um consenso para promover a paz, conseguem facilmente acordos para ceifarem uma vida a mais (mesmo que isso coloque em risco diversas outros seres humanos).
De qualquer forma, o cerne da história gira em torno da obediência cega que o exército impõe – e que tantos dos seus homens cultivam – de tal forma que Verbruge, que perdeu um braço na guerra, ao receber as suas ordens, nem sequer questiona porque foi condenado à morte Préfaille. E, dias depois não admite sequer questionar se elas se mantêm, quando alterações profundas na frente de batalha o aconselhavam.
O seu grupo, composto por voluntários, é heterogéneo e singular e é pena que não tenham sido aprofundadas as suas diferenças e motivações: Deibler, que só sai de Paris obrigado e que passa os dias a relatar ao pormenor em pequenos cadernos as suas execuções; o seu ajudante, Desfourneaux, que ama a lâmina da guilhotina mais do que a própria vida; o interesseiro Faucon, que não hesita em seduzir e possuir a esposa do carrasco mesmo antes da partida… Um grupo cujos pensamentos – que servem de fio condutor à narrativa - vamos conhecendo, embora por vezes seja complicado compreender quem “pensa” naquele momento, o que retira fluidez à banda desenhada que também é afectada por algum excesso de texto.
Juntos, mas não unânimes, com algumas tensões latentes mas contidas pela necessidade de obedecer, embrenham-se no campo de batalha, sofrem bombardeamentos – de oponentes e aliados - por duas vezes, cruzam as linhas inimigas e acabam por chegar a Fresnes, onde Préfaille, que denota algum atraso mental, aguarda numa cela, acusado de um crime (relativamente) menor e inexplicável e cuja única vontade é pôr rapidamente um fim aquela situação.
Este relato que seria burlesco, se não fosse tão trágico e pesado, é feito por Bourgeron com um traço grosso, não rude como aparenta mas elegante, que no entanto se revela pouco indicado para o tratamento da figura humana, em especial ao nível dos rostos que, por vezes, se torna difícil distinguir. Mas que se torna bem mais interessante quando aplicado de forma depurada aos cenários – urbanos ou não – como nas páginas 37, 38 ou 45, em que é realçado pela ausência de texto.
A utilização exclusiva de tons – escuros - verdes e cinzentos e a opção pela pintura das personagens com uma só cor, acentua o tom sombrio desta história interessante mas cujas limitações apontadas não deixam entusiasmar, sobre uma missão absurda criada para satisfazer caprichos de políticos que tomam decisões sentados nos seus gabinetes, longe da realidade.

A reter
- A elegância do traço de Bourgeron.
- O travo amargo que o absurdo da ideia base deixa.
- A forma subtil como o relato expõe temas incómodos, sempre recorrentes, como a obediência cega, a pena de morte ou o patriotismo.

Menos conseguido
- A dificuldade de distinguir as personagens e os seus pensamentos.
- A forma como isso obriga a parar e a voltar atrás na leitura, comprometendo a fluidez da leitura.

17/12/2009

Apresentação – O Romance da Raposa

Fernanda Freitas e Pedro Leitão, apresentadores dos programas Sociedade Civil e ZIG ZAG respectivamente, recordam no próximo sábado, dia 19 de Dezembro, a sua própria infância na apresentação de O Romance da Raposa, a (muito recomendável) adaptação desenhada feita por Artur Correia a partir da obra homónima de Aquilino Ribeiro.
A sessão está agendada para as 17h00, na FNAC do Colombo, em Lisboa.

04/12/2009

BD e Literatura - L’Hôte

Jacques Ferrandez (argumento e desenho)
Galimard (França, Novembro de 2009)
235 x 315 mm, 62 p., cor, cartonado


Resumo

Este álbum baseia-se num conto de Albert Camus, retirado de “L’Exil et le Royaume”.
É a história de um preso acusado de ter morto um familiar, que é entregue a um professor para este o levar até à prisão. Por pano de fundo tem a (sombra da) guerra (de libertação) da Argélia.

Desenvolvimento
Aliás, pode bem dizer-se que a Argélia protagoniza esta (estranha) história, de tal forma ela é omnipresente, quer nos grandiosos cenários com que Ferrandez enche as páginas em que a acção se desenrola, quer como contexto sociopolítico de fundo, quer como matriz cultural das (poucas) personagens envolvidas. E, principalmente, na forma como a narrativa, pausada, quase muda, respira (e transpira) o país.
Algo quase inevitável em Camus – argelino de naturalidade e de vocação – como salienta Boualem Sansal na introdução em que defende a necessidade de releitura das obras do autor longe dessa sombra, para as valorizar mais.
O local central de “L’Hôte”, é uma pequena escola, perdida numa inóspita região montanhosa, onde um professor – branco, mas argelino – lecciona – e ajuda, e alimenta, e compartilha o que tem com – os poucos alunos que se recusa a abandonar, mesmo sob a ameaça do confronto civil.
A sua paz, é quebrada pela chegada de um polícia, com quem tem um laço familiar e afectivo forte, que o vem requisitar para ir entregar o preso – um indígena, se assim se me permite escrever - que o acompanha numa prisão a um dia de distância – a pé – porque a situação de tensão social o impede de o fazer pessoalmente. Apesar da recusa passiva do professor, o preso é-lhe entregue.
O resto da trama – o final desse dia, a noite e algumas poucas horas do dia seguinte – decorre numa situação de tensão latente entre duas formas de viver e pensar diferentes, embora com mais pontos de contacto do que inicialmente se suporia. Tentando tratar o preso com humanidade - como igual, algo impensável então – deixando-o livre e a dormir no mesmo quarto, o professor não deixa de temer pela sua vida. O preso, receoso do que o espera, não compreendendo a atitude de quem agora o escolta, também surge algo perdido numa situação que não buscou.
Após o pequeno-almoço, partem para o destino – a prisão anunciada. Aparentemente, porque o propósito do professor é diferente, como o demonstra ao chegarem a um local onde deixa ao detido escolher o destino: a cidade onde está a prisão ou a liberdade junto das tribos nómadas
Não vou revelar a escolha, nem as consequências (eventuais) dela para o professor – e são estas que marcam sem dúvida o tom do relato, que é antes de mais uma ode à liberdade, ao direito ao livre arbítrio e ao desejo de conviver com a diferença. Apesar do tom pessimista desse mesmo final, sem dúvida uma das marcas fortes da escrita de Camus.
Jacques Ferrandez, também argelino, com uma planificação em que utiliza muitas vezes pranchas (ou pelo menos grandes vinhetas) duplas, traçadas com belas aguarelas, em que enquadra (outr)as vinhetas em que decorre a acção, consegue dar o protagonismo ao país, à agreste paisagem, quase lunar, conseguindo belos efeitos e retardar a leitura, pausando-a e reforçando sensações de silêncio, solidão, impotência…
As excepções são os dois diálogos – do polícia com o professor e deste com o detido – aparentemente simples e directos, mas com inúmeras implicações de vária ordem, que obrigam a uma e outra releitura para interiorizar completamente o peso das palavras e, mais ainda, dos incómodos silêncios que as permeiam.

A reter
- A forma como a Argélia – a sua paisagem, o seu espírito(?) – se impõe na planificação e está interiorizada na narrativa de Ferrandez.
- O final, forte, inesperado, imprevisível, que reforça a sensação de solidão e impotência que são permanentes ao longo do conto.

Menos conseguido
- A forma menos feliz como estão desenhados os protagonistas, algo rígidos e pouco expressivos.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...