A
História
das grandes séries de banda desenhada muitas vezes faz-se à
margem
da vontade dos detentores
dos
direitos ou por falta dela.
Em
Portugal,onde pela primeira vez foi publicado fora
do mercado francófono e pela primeira vez a
cores,
Tintin teve
um percurso singular que,
se era normal e até inovador na época,
hoje -
naturalmente... - seria
considerado um
atentado à obra original de Hergé.
O que não invalida que esses factos sejam verdadeiros,
façam parte da tal História
do "repórter que nunca escreveu uma linha" e mereçam
ser conhecidos.
O Papagaio, primeira publicação a publicar Tintin for do mercado francófono e a primeira publicação a publicá-lo a cores em todo o mundo, surgiu há 80 anos, a 18 de Abril de 1935, quando foi colocado à venda o seu número inicial.
Foi há 75 anos, em “O Papagaio”, que Tintin foi publicado pela primeira vez em Portugal. A par dessa estreia, uma outra, a nível mundial, bem mais marcante: a publicação, a cores, do repórter dos quadradinhos criado por Hergé, na altura rebaptizado “Tim-Tim”. Isso aconteceu no número 53 daquela revista infantil, datado de 16 de Abril de 1936, mas os leitores já vinham a ser preparados desde o número 49. Nele, era anunciado que Tim-Tim, “enviado especial à América do Norte”, iria correr “sérios riscos”, pois aquele país “civilizadíssimo, donde nos chegam as maiores invenções e belas afirmações de espírito artístico”, era também um “território onde o banditismo impera, no qual indivíduos da pior espécie e de todas as nacionalidades estabeleceram há muito arraiais”. E continuava: “acompanhado pela fidelíssima cadela Pom-Pom, o moço e ilustre jornalista partiu há dias para Nova Iorque, a bordo do Vulcãnia”. O seu destino era no entanto Chicago, “a capital do crime, o principal antro dos bandidos que vai desmascarar e vencer”. E explicava: “o facto de se fazer acompanhar da cadelinha não é (…) de somenos importância. O inteligente animal é o melhor companheiro do famoso repórter a quem já por mais duma vez salvou a vida. Curiosamente, dois números passados, já protagonizava a capa e, em novo anúncio, Milu afinal chamava-se Rom-Rom, mas continuava “cadelinha”, e Tim-Tim, medindo “apenas 1,45 metros” tinha “a coragem de um gigante”. A primeira aventura publicada foi rebaptizada como “Tim-Tim na América do Norte” e prolongar-se-ia até ao número 110, recheada de atropelos ao original hoje inimagináveis: remontagem de pranchas, supressão ou ampliação de vinhetas e de texto, alterações do conteúdo…
Exemplo deste último aspecto, é a substituição de uma greve de operários (algo ilegal na época em Portugal) por uma pausa para almoço... Alterações que desagradaram a Hergé que, em contrapartida, apreciou as cores feitas em Portugal. Estas e outras curiosidades – como o facto de parte dos direitos de Tintin, durante a Segunda Guerra Mundial, terem sido pagos por Simões Müller, director da revista, a Hergé em géneros alimentícios enviados para a Alemanha, onde um irmão do autor estava preso – são referidos por José Azevedo e Menezes em “O Papagaio – Um estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa” (edição do autor).O sucesso de Tim-Tim – e dos seus companheiros Rom-Rom, Capitão Rosa (Haddock), Professor Pintadinho (Tournesol) – foi tão grande que protagonizaria diversas capas (criadas por autores portugueses) da revista, números hoje bem pagos por coleccionadores nacionais e estrangeiros que também valorizam aqueles em que Tintin é publicado.
“O Papagaio” viria a apresentar mais oito histórias, transitando depois o herói, sucessivamente, para o “Diabrete”, “Cavaleiro Andante”, “Foguetão” e “Zorro” até chegar à revista com o seu nome, em 1968. Curiosamente, se Portugal foi pioneiro na publicação colorida das histórias aos quadradinhos de Tintin, teve que esperar até meados da década de 1990 para assistir á sua edição em álbum, pela Verbo.Actualmente, o herói faz parte do catálogo da ASA, que tem programada a conclusão da edição integral das suas aventuras, em formato reduzido e com nova tradução, até final do corrente ano, bem como uma edição fac-similada do original a preto e branco de “Tintin na América”, em Junho. Mas se há banda desenhada de Tintin que merecia ser reeditada tal e qual como foi publicada pela primeira vez, ela é sem dúvida o “Tim-Tim na América do Norte” tal e qual apareceu em “O Papagaio”.
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 16 de Abril de 2011)
Se a publicação de Tintin, a criação máxima de Hergé, ficou como o grande feito de O Papagaio, os seus leitores tiveram que esperar quase um ano, até ao nº 49, de 19 de Março de 1936, para o herói ser anunciado na revista, como seu repórter na “América do Norte, país civilizadíssimo, donde nos chegam as maiores invenções e belas afirmações de espírito artístico” mas que é também “infelizmente, um território onde o banditismo impera, no qual indivíduos da pior espécie e de todas as nacionalidades estabeleceram de há muito arraiais”. A Milu, seu companheiro de sempre, a revista trocava o nome e o sexo, anunciando-o(a) como “a cadelinha Pom-Pom” porque, explica José Azevedo e Menezes em “O Papagaio – Um estudo do que foi uma grande revista infantil portuguesa” (2ª edição, do autor, 2007), citando Dias de Deus: “nO Papagaio já havia uma Milu, Maria de Lurdes Norberto, que recitava e cantava aos microfones das emissões infantis; Simões Müller entendeu que não ficaria bem dar o nome de uma menina conhecida a uma cadela”… Dois números depois, em novo anúncio, já na capa, o seu nome passava a Rom-Rom mas o sexo trocado manter-se-ia até ao fim da revista. Também o Capitão Haddock e o professor Tournesol foram rebaptizados, passando, respectivamente, a Capitão Rosa e Professor Pintadinho… Finalmente, no nº 53, logo na capa, com cores vivas (e hoje exageradas) começavam as “Aventuras de Tim-Tim na América do Norte”, pela primeira vez em policromia em todo o mundo. Sinal de outros tempos, o respeito pelos originais de Hergé era pouco ou mesmo nenhum, sendo normal as pranchas serem retalhadas e remontadas, em função do espaço disponível ou a ocupar. Artur Correia, autor português de BD, ainda em actividade, numa entrevista publicada no Mundo de Aventuras 248 (5ª série, de 1978) lembra que nO Papagaio “alargava juntamente com um talentoso moço chamado Soares, os desenhos das histórias do Tim-Tim para virem publicados na página central. Nós é que fazíamos os acrescentos para transformar uma página única numa dupla”... Modificações que também se faziam sentir ao nível dos textos, a começar logo com “Tim-Tim na América”: na fase final da história, os operários ausentes da fábrica onde o herói sofre um atentado, em greve (proibida no nosso país) no original, tinham saído para almoço… Seguir-se-ia “Tim-Tim no Oriente” (Os Charutos do Faraó, publicado do #115 ao #161), no qual o vendedor de banha da cobra Oliveira de Figueira, o único figurante luso de relevo criado por Hergé, era apresentado como… espanhol! Depois, viriam as “Novas Aventuras de Tim-Tim” (“O Lótus Azul”, #166-#205) e a aventura africana do “repórter que nunca escreveu uma linha”, que o levou a pisar solo (colonial) português em “Tim-Tim em Angola” (“Tintin no Congo”, #209-#244). Já em “O Mistério da Orelha Quebrada” (#247-#298), o general Alcazar é rebaptizado de Manduca, para não ser associado ao episódio, então recente, do cerco do Alcazar de Toledo durante a Guerra Civil espanhola. No episódio seguinte, “A Ilha Negra” (#301-#359), o adversário do herói deixou de ser o Dr. Müller (para não ser entendido como piada ao então já ex-director da revista), transformando-se num banal Dr. Silva, e em “Tim-Tim no deserto” (“O caranguejo das tenazes de ouro”, #366-#426), Haddock, que no original se sentia mal depois de beber um copo de água (por não ser de uísque) nas páginas de O Papagaio, sente-se mal mas melhora depois de beber a água! A aventura seguinte (“A Estrela Misteriosa”, #435-#540) é publicada sem título e a presença de Tintin na revista portuguesa terminaria com “O Segredo da Licorne” (#617-#679). Para além disso, Tintin surgiu em muitas capas de O Papagaio (cujas revistas correspondentes são hoje avidamente disputadas pelos coleccionadores), em desenhos originais ou feitos por autores portugueses, como boneco articulado de montar e mesmo noutras histórias, como é o caso da primeira aventura do “Boneco Rebelde”, de Sérgio Luiz e Guy Manuel, em que contracena com o protagonista nas páginas iniciais, e como despoletador da acção em “Na pista de Tim-Tim”, de Diniz de Oliveira e Rodrigues Neves. Pelo meio, ficaram também as tentativas goradas de Simões Müller de o levar consigo para o “Diabrete” (o que só conseguiu após o fim de O Papagaio), onde teve de se contentar com “Trovão e Relâmpago” (aliás “Quick et Flupke”), inicialmente publicados sem conhecimento de Hergé, e o facto de parte dos direitos de Tintin terem sido pagos em géneros, mais exactamente em latas de sardinhas, enviados para a Alemanha onde estava preso o irmão do desenhador belga.
(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Lisboeta, nascido a 18 de Agosto de 1909 – o centenário passou de forma discreta há menos de um ano… - Adolfo Simões Müller, depois de ter frequentado o curso de medicina, foi jornalista, pedagogo, dramaturgo, produtor de programas radiofónicos e director do gabinete de estudos da Emissora Nacional. E também tradutor, adaptador, poeta e prosador, autor de mais de sete dezenas de obras infanto-juvenis (como Caixinha de Brinquedos e O Feiticeiro da Cabana Azul, galardoadas com o Prémio Nacional de Literatura Infantil em 1937 e 1942, respectivamente), folhetins radiofónicos, inúmeras adaptações de clássicos da literatura, romanceador de biografias de figuras de referência da nossa História, assim como de vultos da Humanidade. Para além disso, foi também argumentista de BD, colaborando com muitos dos autores que passaram pelas revistas que dirigiu, merecendo lugar de destaque as suas parcerias com Fernando Bento. Também por isso, é um dos nomes fundamentais do jornalismo infanto-juvenil em Portugal das décadas de 1930 a 1970, onde deixou marcas profundas como director de O Papagaio (1935), onde estreou Tintin, Diabrete (1941), Cavaleiro Andante (1952), Falcão (1958), Foguetão (1961), onde publicou Tintin au Tibet na versão original francesa, com a tradução em rodapé (!) e apresentou Astérix pela primeira vez (a preto e branco) aos leitores portugueses, ou Zorro (1962). Recebeu o Grande Prémio da Literatura Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian pelo conjunto da sua obra, em 1982 e viria a falecer a 17 de Abril de 1989 tendo, um ano depois, a Editorial Verbo instituído um prémio com o seu nome, para homenagear a sua memória e estimular a revelação de novos autores.
(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
No passado domingo, passaram 75 anos sobre o lançamento de O Papagaio, revista que, juntamente com o Mosquito, Mundo de Aventuras, Diabrete, ou Cavaleiro Andante, formou e fez sonhar muitas gerações portuguesas ao longo de décadas. Foi a 18 de Abril de 1935 que O Papagaio abriu pela primeira vez, se não as suas asas, pelo menos as suas páginas às mãos e olhos ávidos dos miúdos a quem a revista se destinava, como se lia por baixo do seu cabeçalho, ao lado do qual também estava o preço – elevado para a época - de 1$00. No interior desse número inaugural – como durante o resto da sua vida, onde nunca ocupou mais de um terço das páginas - a banda desenhada – então chamada histórias aos quadradinhos pois o francesismo só entraria em uso décadas depois – era pouca, limitada a uma prancha de Tom (Thomaz de Melo, um dos responsáveis pela capa e pelo grafismo atraente da novel publicação), intitulada “Sabichão em calças pardas”, e meia prancha de Stuart Carvalhais, com os seus Quim e Manecas. Nas suas páginas, a preto e branco, uma ou várias cores, a prioridade era dada a contos, curiosidades, passatempos e concursos, tudo com um forte pendor didáctico e formativo, algo perfeitamente normal na época. Publicação católica, semanal, com saída às quintas-feiras, propriedade da Renascença, tinha como director um dos maiores nomes que o jornalismo infanto-juvenil português conheceu, Adolfo Simões Müller. A revista viria a durar 722 números, com altos e baixos, como é incontornável, e dela ficou como principal imagem de marca ter servido de modelo a muitos dos títulos infanto-juvenis lançados nos anos seguintes e o ter publicado – como estreia fora da francofonia e pela primeira vez a cores em todo o mundo – as aventuras de um certo Tintin. Hergé, o seu autor, no entanto, seria um dos poucos autores estrangeiros publicados em O Papagaio, juntamente com Jacobsson, Urátegui, Gordillo, Walter Booth e poucos mais, uma vez que a aposta principal de Müller foi sempre para os autores nacionais, alguns dos quais começaram ainda adolescentes nas suas páginas. Foi o caso de José Ruy, hoje um veterano, especialista em temas históricos, e o autor português com mais álbuns editados, que lá publicou as suas primeiras histórias aos quadradinhos quando contava apenas 14 anos, curiosamente todas no domínio da ficção. Outros nomes nacionais que desempenharam um papel significativo no sucesso de O Papagaio, para além do já citado Tom, foram José de Lemos (responsável por toda a parte gráfica, após a saída daquele), Arcindo Moreira, Meco ou Rodrigues Neves. Mas, afirmam João Paiva Boléo e Carlos Bandeiras Pinheiro em “A Banda Desenhada Portuguesa 1914-1945” (Fundação Calouste Gulbenkian, 1997), deve-se aos irmãos Sérgio Luiz e Guy Manuel, precocemente desaparecidos, “a mais imorredoira criação de O Papagaio”, o Boneco Rebelde, protagonista de quatro aventuras. Como casos peculiares há que citar ainda José Viana, o actor e humorista, autor de diversas bandas desenhadas de crítica de costumes, e Júlio Resende, hoje pintor de renome, então animador das festas e das emissões radiofónicas e criador do “emblemático Fagundes Arrepiado” que, escrevem Boléo e Pinheiro, revelava “um humor subtil e desconcertante, inteligente e invulgar, com uma originalidade que lhe vem de uma ironia natural”, e que também engrossaram, com engenho e mérito, o número de colaboradores da publicação. Por ela passariam ainda, embora de forma breve, nomes depois consagrados da 9ª arte nacional como Artur Correia, Vítor Péon ou José Garcês. Com o modelo consolidado, apoiado também em separatas com banda desenhada ou construções de armar, concursos variados, no incentivo à correspondência por parte dos leitores e num programa radiofónico que alcançou grande sucesso, Simões Müller sairia no número 302, para dirigir o novo “concorrente” Diabrete, sendo o cargo de director assumido sucessivamente por Artur Bivar, José Rosa Ferreira e Laurinda Borges Magalhães. Se, consensualmente, os primeiros cinco anos foram os melhores, os últimos foram de natural declínio, provocado também pelo aparecimento de novas propostas de uma concorrência forte (Mosquito e Diabrete), tendo O Papagaio, enquanto publicação autónoma, calado a sua voz a 10 de Fevereiro de 1949, 14 anos mais tarde, no nº 722. Teria ainda uma segunda vida, como secção da revista Flama, durante 96 números, até 9 de Fevereiro de 1951, mas já sem grande relevância. “No período final”, escreve António Dias de Deus em “Os Comics em Portugal – uma história da banda desenhada” (Livros Cotovia, 1997) O Papagaio “era um semanário que (…) chegava pontualmente a casa dos paizinhos assinantes, que pretendiam uma sólida formação moral para os seus rebentos. Às escondidas os miúdos iam ler “O Mosquito” emprestado…” Eram sinais d(e nov)os tempos que O Papagaio tinha ajudado a preparar.
(Texto publicado no dia 17 de Abril de 2010 na revista NS, distribuída ao sábado com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)
Se em Portugal não há edições que atinjam o milhão e meio de dólares pagos há dias pela Action Comics #1 onde nasceu o Super-Homem, colecções de títulos marcantes como o Papagaio, o Mosquito, ou o Cavaleiro Andante podem render alguns milhares de euros. Para fazer uma estimativa desses valores, o Jornal de Notícias contactou alguns dos principais livreiros do sector, que desde logo salvaguardam as devidas (e enormes) distâncias existentes entre o meio nacional e o norte-americano, a todos os níveis. O que não quer dizer que alguns títulos não façam alguns perder a cabeça em negócios que podem chegar às dezenas de milhares de euros. Por isso um coleccionador, para além de ter sempre disponíveis “uns trocos no bolso”, o que é complicado em tempos de crise, tem de ser dotado de grande paciência num negócio em que não há cotações fixas, pois estão dependentes do estado de conservação das peças, da oferta e da procura. Assim, por exemplo, uma colecção completa do Papagaio (722 números), bastante difícil de se encontrar, pode valer uns 5 mil euros, revelou José Manuel Vilela, da Livraria do Duque, em Lisboa. No entanto, como esta revista, dirigida por Adolfo Simões Müller, foi a primeira a publicar em todo o mundo as aventuras de Tintin a cores, os números em que o repórter aparece na capa, muitas vezes desenhado por autores nacionais, ou com o colorido criado em Portugal e nunca mais utilizado, têm grande procura por parte de belgas e franceses de Hergé (uma procura potenciada por uma referência feita à revista por Durão Barroso numa entrevista a uma estação de televisão belga), podendo ser transaccionados por 20 ou 30 euros cada um, acrescenta Alberto Gonçalves da Timtimportimtim, no Porto. Nos últimos anos, são também bastante valorizados, por pessoas que vêm de fora da BD, de áreas como o design ou a pintura, as revistas que incluem histórias aos quadradinhos criadas por artistas agora conceituados como Júlio Resende, Stuart Carvalhais ou Júlio Gil. Aliás, geralmente, vendem-se mais números soltos para completar colecções ou substituir edições em pior estado, do que colecções completas, cada vez mais difíceis de aparecer, como refere a livraria Chaminé da Mota, no Porto, tornando mais difícil satisfazer as listas de pedidos em espera dos seus clientes. Por isso um coleccionador, para alem de ter “uns trocos no bolso”, o que é mais complicado em tempos de crise, tem de ser dotado de grande paciência. E, claro está, neste tipo de negócio não há cotações fixas, pois estão dependentes do estado de conservação das peças, da oferta e da procura. Outras revistas das décadas de 30, 40 e 50 do século passado, a Época de Ouro das publicações infanto-juvenis em Portugal, atingem também valores considerados interessantes: é o caso do Diabrete (887 números) e do Cavaleiro Andante (556), transaccionados por cerca de 3000 €, ou do Camarada (194) por metade daquele valor. O Mundo de Aventuras, espalhado por quase quatro décadas, cinco séries e mais de 2 mil números é, por isso, difícil de cotar. Mais valorizada, é a mítica revista Mosquito (1412 edições), que fez as delícias dos miúdos nas décadas de 30 e 40, cujas cerca de 50 colecções existentes no país, na estimativa de José Vilela, podem valer até 7500 euros. Mas, segundo José Oliveira, do site BDPortugal, que tem listados cerca de metade dos 60 mil títulos de BD editados desde sempre no nosso país, estas colecções têm vindo a perder valor. Isto acontece porque grande parte dos coleccionadores procura os títulos que leu na sua infância e juventude e a geração do Mosquito, por exemplo, tem hoje para cima de 70 anos… Por isso, compreende-se quando a livraria Paraíso dos Livros revela que as colecções mais procuradas actualmente são as do Tintin (728 números, cujo valor pode chegar aos 1500 €) e do Jornal do Cuto (174 números, 500 €), datadas dos anos 70; ou seja, correspondentes à geração que conta hoje 40 anos. Claro que, quando se fala de colecções que por vezes duraram mais de uma dezena de anos e atingiram centenas de números, há exemplares mais raros do que outros, normalmente, os primeiros números, mais antigos, e os últimos, correspondentes à fase de declínio, de tiragem menor. Mas há excepções como, por exemplo, o número de Natal de 1938 do Papagaio, devido à separata com uma BD completa de Júlio Resende, os Mundos de Aventuras #1 a #44, da 1ª série, devido ao seu formato tablóide de difícil conservação, ou o quinto volume da Colecção Audácia que, por razões desconhecidas, triplica os 500 € dos quatro tomos iniciais. Mas para além destes, há dois casos paradigmáticos citados por todos. O mais antigo corresponde às edições #73 e #74 do Gafanhoto, dos anos 40, que foram impressos mas não distribuídos, por terem sido alvos de um auto de apreensão (cujas causas são desconhecidas) executado pela Polícia Judiciária e de que se conhecem pouquíssimos exemplares que, por esse motivo, não têm cotação. Outro exemplo é o da Fagulha #391, que deveria ter seguido para os quiosques logo após o dia 25 de Abril de 1974. Como era uma publicação da Mocidade Portuguesa, foi destruída juntamente com muitas outras edições, existindo apenas os exemplares que já tinham seguido por correio para os assinantes. Desta forma, se os números #1 a 390# são cotados em cerca de 1000 €, a colecção completa já foi vendida por 1500 euros. Valores semelhantes a estes podem ser encontrados na Internet, quer em sites especializados, quer nos de leilões, onde com alguma regularidade surgem números soltos destas e de outras revistas. Numa época em que as revistas praticamente desapareceram, os valores atingidos pelos álbuns hoje tão em voga estão longe de ser tão atractivos. Mesmo assim, há alguns da Meribérica (Blueberry, Valérian), dos anos 80, que já ultrapassam os 100 euros, e as poucas edições do Camarada (anos 60) estão cotadas próximas dos 300 euros, pertencendo a uma desses álbuns – Clorofila e os Quebra Ossos – o recorde de venda de um livro de BD em Portugal: 575 euros.
(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Abril de 2010)