12/10/2010

John Cullen Murphy’s Big Ben Bolt Dailies Volume One – Feb 20, 1950 to May 24, 1952

Elliot Caplin (argumento)
John Cullen Murphy (desenho)
Classic Comics Press (EUA, Agosto de 2010)
280 x 215 mm, 250 p., pb, brochado

Resumo
Assinalando os 60 anos da criação de Big Ben Bolt, este álbum compila as primeiras 708 tiras diárias do pugilista, correspondentes a pouco mais de dois anos de publicação.
Nele vamos conhecer o jovem Bolt que nasceu “num país cujo nome não é importante – basta dizer que não são os Estados Unidos da América. Num país de onde gostaria de escapar qualquer homem com um forte amor pela democracia e pelas suas instituições livres”, como se lê logo na primeira vinheta!
Depois, aos poucos, conhece-remos também Spider Haines, antigo pugilista e futuro manager de Bolt; Charity, a mulher por quem se vai apaixonar; os seus tios que o acolherão na América com que ele tanto sonha… E os diversos adversários que vai enfrentar – dentro e fora do ringue.

Desenvolvimento
Conheci Big Ben Bolt – na altura ainda era o “campeão português” Luís Euripo e Spider Haines dava pelo nome de Zé Gomes (!) – nas páginas do Mundo de Aventuras, mas confesso que então esta não era uma série que me enchesse as medidas.
(Re)descobri-la agora, na (longa) (re)leitura sistemática das tiras diárias publicadas ao longo de dois anos foi para mim uma agradável surpresa.
Por um lado, porque sendo o boxe o meio no qual Ben Bolt se move, as histórias vão muito para além dos simples combates em si. De uma maneira geral – a excepção é o entreacto (inacabado, pois o seu final é algo inconclusivo?) no qual Bolt conhece Eve e o seu protector - são histórias bem escritas, construídas e desenvolvidas. Os seus intervenientes são bem humanos, com os seus defeitos e qualidades, raramente correspondendo aos habituais estereótipos de “bons” ou “maus”. O próprio herói tem dúvidas, erra por vezes, hesita nas decisões s tomar. A par do boxe, Bolt tem que “enfrentar” os seus amigos, os seus sentimentos, aqueles com quem se cruza e que de uma forma ou de outra se querem aproveitar dele, seja um manager que quer controlar a sua carreira, uma corista em busca de publicidade, um gansgter em busca de vingança ou uma mulher mimada. Tanto é assim, que os diversos episódios apresentados – alguns deles bem à margem dos combates – não têm repetições nem grandes pontos em comum. Cada história é uma nova história que serve para Bolt, Spider e Charity estreitarem os seus laços e crescerem enquanto personagens credíveis e humanas.
Por outro lado, se são vários os combates mostrados neste primeiro tomo, não há dois que decorram da mesma forma, nem dois que terminem da mesma maneira. É verdade que Bolt vence (quase) todos, mas a forma como o consegue, as motivações que o movem e o levam à vitória são diversos, como diversas são as reacções dos derrotados. Por isso, também, este é um belo retrato do mundo do boxe nos EUA na década de cinquenta do século passado, com todas as suas virtudes e os seus podres. E também um belo retrato de uma época e de um tempo que hoje nos parece estranho em muitos aspectos.
Finalmente, se nunca fui adepto do boxe e me custa a compreender como é considerado um desporto, confesso que vibrei com alguns dos combates, tanto pela forma como estão (d)escritos, quer (especialmente) pela forma como Cullen Murphy os encena com uma plasticidade, uma beleza e uma elegância assinaláveis, transformando-os em algo que é ao mesmo tempo duro e violento, mas também suave e delicado, agradável de ver na graciosidade dos dois combatentes, conseguindo fazer com que cada combate durasse semanas (ou aqui páginas) sem que isso canse ou desmotive o leitor.

A reter
- Mais um “integral” para a minha biblioteca, hoje em dia, sem dúvida, a melhor forma de (re)ler os grandes clássicos da BD. Sejam eles franco-belga ou norte-americanos. Ou de outra qualquer nacionalidade, como demonstrarei em breve aqui.
- A qualidade literária das histórias.
- O magnífico traço de John Cullen Murphy, em especial na composição dos combates de boxe.
- O bom preço de $24,95, que garante várias horas de (muito) boa leitura.

Menos conseguido
- Eu sei que nem todos são como Manuel Caldas e se dedicam de alma e coração à restauração dos originais e que por vezes é difícil encontrar originais/prints/cópias de qualidade para reproduzir, mas a qualidade da impressão das tiras até 30 de Dezembro de 1950 (ou seja até à página 101 da corrente edição) é bastante fraca. Depois – milagre! – volta-se a página e o traço fino e detalhado de Murphy surge em todo o seu esplendor em praticamente todas as restantes páginas da edição.
- A falta de uma capa cartonada que valorizaria muito a edição. Mas que faria o seu preço subir dos actuais $24,95 para valores menos interessantes…
- A existência de 7 (sete) páginas em branco no final do volume que, no mínimo poderiam ter servido para publicitar melhor o próximo tomo ou as outras edições similares da Classic Comics Press: Mary Perkins on Stag e The Heart of Juliet Jones.

Curiosidades
- Eliot Caplin, o argumentista, seria também co-criador de The Heart of Juliet Jones e do Dr. Kildare, duas séries que fizeram sucesso nos jornais portugueses, respectivamente em O Primeiro de Janeiro e no Jornal de Notícias.
- John Cullen Murphy desenhou Big Ben Bolt até 1977, deixando-o para substituir Harold Foster em Prince Valiant.
- As próximas edições previstas pela Classic Comics Press são as compilação das tiras diárias de Rusty Riley, de Frank Godwin, e de outro herói que fez as delícias dos leitores portugueses, o cowboy romântico Cisco Kid, do argentino José Luís Salinas. Os respectivos volumes iniciais, correspondentes aproximadamente aos dois primeiros anos de cada série, estão previstos para o final de 2010 e a Primavera de 2011.

11/10/2010

As aventuras de Spirou e Fantásio #51 – A invasão dos Zorcons

Vehlmann (argumento)
Yoann (desenho)
Hubert (cor)
ASA (Portugal, Setembro de 2010)
218 x 300 mm, 56 p., cor, cartonado


Resumo

De regresso de um festival onde foram representar a revista que publica as suas aventuras (!), Spirou e Fantásio recebem uma chamada urgente do Conde de Champignac, informando que a sua propriedade está cheia de monstros. Dirigem-se de imediato para lá, descobrindo que a pacata localidade foi considerada zona de guerra e está transformada numa floresta com fauna e flora muito estranhas, como se a natureza tivesse de repente endoidecido.

Desenvolvimento
Novos “detentores” da série Spirou, Vehlmann e Yoann tinham uma difícil missão: recuperar os amantes das versões de Franquin e de Tome e Janry e agradar também aos novos leitores, geralmente mais vocaccionados para o manga. Ou seja, ter êxito onde Morvan e Munuera falharam (comercialmente), apesar do sucesso obtido junto de alguma crítica.
Para agradar aos primeiros, foram buscar diversos elementos que fazem parte da “memória Spirou”: o Conde de Champignac e as suas extraordinárias invenções, um ou outro habitante da pacata localidade, o (nem sempre) pérfido Zorglub com o zorglumóvel, a zorgonda e a fixação pela Lua…
Aos outros, os novos, é oferecida uma história com diálogos divertidos e ritmo acelerado, que se adivinha bebido na dinâmica típica do manga, com um traço menos “abonecado”, mais próximo do semi-realista, muito expressivo mas também mais duro e agreste (também devido aos rons mais sombrios que predominam), mas com muitas vinhetas demasiado preenchidas e, por isso, menos legíveis.
Leitor fiel de banda desenhada franco-belga há muitos anos, sempre considerei Spirou um caso à parte num campo em que impera a BD de autor. Porque o eterno paquete de hotel desde tempos (quase) imemoriais (!) foi passando de mão em mão, em minha opinião perdendo qualidades desde o período de Franquin, pese embora um ou outro álbum esporádico bem conseguido. Por isso, e sabendo daqueles pressupostos iniciais, abordei o álbum com algum receio, mas também embalado por algumas críticas positivas que entretanto lera. E confesso que cheguei ao fim da leitura dividido. Entre uma interessante aventura de acção e humor e um Spirou demasiado atípico (se ainda é possível escrever isto).
Por um lado, desiludido por uma intriga demasiado linear, e algumas opções – o uso de uma armadura por Zorglub, o esquema final que resolve o problema do bombardeamento – pouco credíveis, simplistas ou pura e simplesmente irrelevantes. Por outro, tendo gostado bastante do espírito da história e do cenário pré-histórico/pós-apocalíptico em que a maior parte da acção decorre, extrordinariamente bem delineado num número reduzido de pranchas, bem como do ritmo de leitura imposto.
Suficiente para o recomendar a outros? Sim, pela curiosidade de que o álbum se reveste. E porque penso que cada leitor de Spirou é “um” leitor, caberá a cada um formar a sua própria opinião.

A reter
- O piscar de olhos gráfico às soberbas “Ideias Negras”, de Franquin.
- A ironia da utilização por Fantásio e Spirou de um ridículo boneco insuflável gigante com a imagem deste último.
- Os cenários, conforme já descrito atrás.
- Os diálogos bem conseguidos.

Menos conseguido
- A história, demasiado despida de contornos e pormenores que a enriqueçam.
- As duas suecas (!) que acompanham o conde. A sua presença e o seu papel na história são completamente irrelevantes e desnecessários.
- Se as edições com capa especial da FNAC têm sido uma mais valia (têm pelo menos todo o potencial para o serem), Yoann revelou muito pouco inspiração (ou vontade de trabalhar), criando uma capa alternativa que pouca diferença faz da original.

08/10/2010

Maurício de Sousa candidato à Academia Paulista de Letras

Maurício de Sousa, o criador da Turma da Mônica é um dos mais fortes candidatos ao lugar vago existente na Academia Paulista de Letras, devido ao falecimento do poeta e jurista Geraldo Vidigal no final de Agosto. A candidatura foi apresentada pelo pai da Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali no início deste mês, cujas obras são actualmente publicadas em 30 países.
A iniciativa está a dividir opiniões. A favor estão aqueles que reconhecem a Maurício, hoje com 75 anos de idade e meio século de carreira nas “histórias aos quadrinhos” brasileiras, o mérito de ter dado um contributo fundamental para a educação e para o desenvolvimento da leitura no Brasil, através da influência que as suas criações tiveram – e continuam a ter - ao longo de várias gerações, e também pelo apoio que tem prestado a campanhas educativas e sociais, para a Unicef, a Unesco e diversas outras organizações.
Contra, têm-se mani-festado os que não reconhecem valor literário à banda desenhada ou consideram que a obra do desenhador e argumentista tem principalmente intuitos comerciais.
A decisão só será conhecida no próximo dia 2 de Dezembro, quando terá lugar a eleição do novo ocupante da cadeira 24 da Academia, sendo de esperar que a polémica continue até essa data.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Outubro de 2010)

07/10/2010

Dragon Ball #1 – Son Goku e Dragon Ball #2 – O fim da busca


Akira Toriyama (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Outubro de 2010)
120 x 180 mm, 192 p., pb, brochado


Resumo

Continuando a apostar na edição de manga, a ASA, depois do excelente Astroboy, aposta naquele que foi um dos títulos mais importantes para o estabelecimento da relação entre o manga (e o anime) e os seus seguidores ocidentais: Dragon Ball.
Na sua origem (correspondente aos dois tomos que agora ficam disponíveis) está a busca de 7 bolas – as Dragon Balls ou Bolas do Dragão – que uma vez reunidas permitem ao seu possuidor ver realizado um desejo.
Nessa busca, mais ou menos voluntariamente, mais ou menos juntos, vão encontrar-se Son Goku, Bulma, Oolong, Yamcha e Puar.

Desenvolvimento
Criada nos anos 80 por Akira Toriyama, Dragon Ball é, na sua origem, bastante diferente da série animada que tanta polémica e contestação causou aquando da sua exibição inicial no Ocidente, devido à associação do seu visionamento a alguns casos de violência infantil surgidos então, com legiões de educadores, pedagogos e pais a exigirem o final da sua exibição. Em causa estava a extrema violência dos combates entre os personagens, que se podiam prolongar por diversos episódios (horas, portanto) sem que deles adviessem consequências físicas para heróis e vilões o que, segundo os críticos da série, transmitia a ideia de invulnerabilidade do ser humano, mesmo perante a morte, pois alguns dos protagonistas chegavam a ressuscitar.
No entanto, desengane-se quem tem como modelo a série televisiva, pois a versão em manga é bastante mais suave e divertida, justificando plenamente (pelo menos) a satisfação da curiosidade por parte de quem a desconhece.
O protagonista é Son Goku, um miúdo semi-selvagem, com cauda de macaco, que vive sozinho na montanha, desconhecendo tudo o que diz respeito à civilização, incluindo a existência de mulheres, com as suas especificidades físicas. Este último aspecto dá origem a uma série de situações inusitadas e divertidas, a maioria dos quais envolvendo Bulma, a adolescente de 16 anos que quer reunir as 7 bolas para pedir um namorado.
Pelo meio vão surgi Oolong, um porco que consegue transformar-se no que quiser durante cinco minutos e com uma fixação em cuecas de menina, Yamcha, o lutador que fica atemorizado junta das raparigas, Puar, o seu companheiro, com poderes semelhantes aos de Oolong, e o tartaruga genial, um velho mestre de artes marciais obcecado pela anatomia feminina. Desta forma, vão sendo recorrentes alusões e piadas mais ou menos brejeiras - mas que não deixam de surpreender – embora muito suaves e contidas e há mesmo a exibição (pudica e recatada) de alguns elementos da anatomia feminina.
Durante a sua busca pelas 7 Bolas do Dragão – após cada desejo satisfeito as bolas são de novo espalhadas pelo mundo inteiro, perdendo o seu poder durante um ano – Son Goku e os seus amigos (cada um com um desejo especial em mente) vão encontrar diversos obstáculos e adversários, quase todos vencidos pelo pequeno Goku, que se revela um exímio combatente.
O traço de Toriyama, um japonês nascido em Abril de 1955, em Nagoya, semi-infantil e arredondado, é bem mais agradável do que o traço duro e agreste da série televisiva, e, como é vulgar no manga, utiliza com mestria a planificação e as linhas indicadoras de movimento para dotar de ritmo acelerado e grande dinamismo toda a narrativa, que combina elementos de ficção científica, fantástico e magia e retira alguma inspiração de contos tradicionais infantis.
A história da busca – com um final surpreendente e desconcertante, com mais do que um desejo satisfeito - como já ficou dito atrás conclui-se no final do segundo tomo, embora fique aberta a porta para novas aventuras, que se seguirão ao longo de muitas centenas de páginas, ou não estejamos em presença de um relato manga…!
Deixo um conselho: se não conhece Dragon Ball aos quadradinhos, compre (pelo menos) estes dois tomos. Atreva-se a descobri-lo, pois vai ter uma bela surpresa.

Curiosidade
- Aproveitando o êxito da exibição televisiva, em 2001 a Planeta De Agostini distribuiu em Portugal o manga Dragon Ball, no seu habitual esquema de fascículos disponíveis em quiosques, em 42 volumes semelhantes aos actuais, num formato ligeiramente mais pequeno e com papel mais fraco. Esta edição é muito difícil de encontrar hoje em dia, supostamente porque as sobras foram destruídas. A actual edição da ASA tem cerca de uma dezena de páginas a mais por volume, devido à introdução de índices e de capas e ilustrações publicadas originalmente na revista nipónica “Weekly Shonen Jum” onde Dragon Ball foi publicado pela primeira vez.
- Tal como Astroboy, esta edição de Dragon Ball tem sentido de leitura japonês, ou seja, do fim do livro para o princípio (em relação ao que é normal no Ocidente) e da direita para a esquerda. Se nunca experimentou, não se assuste; para quem está habituado a ler banda desenhada, é mais fácil do que parece!
- Uma vez completa a colecção, o conjunto das lombadas formará a imagem de um dragão.

Informação
- O tomo 1 vai ser vendido com o Diário de Notícias, no dia 9 de Outubro.
- O tomo 1 e tomo 2 começam a ser distribuídos hoje, 7 de Outubro, e deverão estar em todas as livrarias até dia 12. O tomo 3 chega às lojas em Novembro. A partir de Janeiro de 2011 será distribuído um tomo por mês.
- Está garantida a publicação de 16 tomos, correspondentes à saga Dragon Ball; no tomo 17 inicia-se o ciclo Dragon Ball Z.

06/10/2010

Local

Brian Wood (argumento)
Ryan Kelly (desenho)
Delcourt (França, Setembro de 2010)
173x264 mm, 328 p., pb, brochado com badanas


Resumo

Local é um “road-book” que conta as viagens de Megan McKeenan através dos Estados Unidos, de um extremo ao outro do continente. E que, narrando a sua história – excertos dela, pelo menos – narra também a história das personagens com quem a jovem se cruzou.

Desenvolvimento
A vida de Megan é estranha. Reflexo, com certeza, de muitas outras vidas, de muitas outras jovens norte-americanas (ou ocidentais) sozinhas em busca de um futuro e de descobrirem quem são.
Incapaz de criar raízes, de estabelecer relações – profissionais, de amizade ou com o sexo oposto – estáveis e duradouras, colecciona profissões menores e sem futuro, cursos inacabados e locais de vida, uns após outros, à medida que sente o vazio apoderar-se de si. Ou que as histórias que quis viver, começam a aproximar-se demasiado daquilo que geralmente se define como “vida normal”, com a devida dose de responsabilidade, compromisso e dedicação.
Por isso, erra pelos Estados Unidos, mostrando-nos tanto cidades grandes como pequenas, revelando num retrato breve delas os seus estereótipos (menos) e especificidades (mais), cruzando-se com gente normal e outra que nem tanto.
Entre os 20 e os 30, bonita sem deslumbrar, envelhecendo e amadurecendo ao longo do relato, Megan junta, sem dúvida, histórias suficientes. Algumas bem bizarras, para um dia contar aos seus netos. Ou não, porque não parece ser esse um dos seus objectivos de vida e algumas estão longe de ser apropriadas para crianças.
Ela - como nós – parece desconhecer o que procura. Ou aquilo de que foge… Descobri-lo-á, ao mesmo tempo que o leitor – após um longo périplo que a trará de novo ao ponto de partida. Menos jovem, mais madura, com mais certezas e muitas recordações. Boas e más, experiências de vida, umas procuradas outras surgidas do acaso. “Instantâneos de vidas, fragmentos”, define alguém quase no final do relato, que uma vez “organizados sequencialmente, fornecem uma história, maior do que a soma das diversas partes”. A história da vida de Megan, que fomos acompanhando mas que só faz sentido completo para ela.
Através de Megan, da(s) sua(s) história(s), publicadas originalmente ao longo de três anos, o argumentista Brian Wood traça um retrato aleatório de uma certa América e, em especial, da sua juventude. Uma juventude sem regras nem princípios, perdida em busca de orientação e modelos que a sociedade cada vez menos consegue fornecer. Um retrato contido e sensível, mesmo terno pode dizer-se, onde existe realismo e violência (mais psicológica que física, embora nas duas vertentes), amor e sexo, mas tudo de forma contida, sem gratuitidade nem o objectivo de chocar ou de vender, apenas elementos de vida(s) que ajudam a construir e consolidar a narrativa.
Nela, cada episódio, cada momento, se bem que alguns numa primeira leitura possam parecer “anormais” ou pouco credíveis, têm um propósito, um objectivo, fazem parte de um todo, falam de coisas importantes (do quotidiano, das relações e dos sentimentos dos seres humanos), sobre as quais importa reflectir. Sem afirmar que sabe tudo ou que detém verdades incontestáveis, antes de forma humilde e humana.
Falta falar do desenho de Ryan Kelly, contido, pormeno-rizado e agradável, feito não para deslumbrar mas posto ao serviço da extensa narrativa, pela qual nos leva – nos embala – sem quase darmos por isso.
Até aos episódios finais – que coincidem com o final da busca de si própria por Megan – magníficos, fortes e de grande impacto, notáveis na forma como aplicam no lugar todas as peças do puzzle que foram sendo fornecidas, congregando e moldando tudo o que ficou para trás, fornecendo o justo final para a tal “história de vida”.
Que aconselho vivamente a descobrir.

05/10/2010

Os Meninos Kin-Der

Lyonel Feininger (argumento e desenho)
Libri Impressi (Portugal, Maio de 2010)
330 x 440 mm, 40 p., cor, brochada


Resumo
Os meninos Kin-Der (o letrado Daniel Webster, o comilão insaciável Bocadetorta e o forte Teddy Enérgico), na companhia do seu bassset Sherlock Bones e do autómato Japansky, partem em viagem a bordo de uma banheira (sic). No seu encalço, utilizando um aeróstato, seguem a Tia Jim-Jam e o Primo Gussie, com o objectivo de lhes darem a dose diária de óleo de rícino.

Desenvolvimento
Num mundo ideal não seria preciso dizer que esta é uma obra datada de 1906 - não, não é gralha” – e que o seu autor, Lyonel Feininger, é um célebre artista ligado ao Cubismo e à Bauhaus, de que alguns elementos já podem ser encontrados nesta sua curta (muito curta, para quem gosta de BD…) incursão pelas histórias aos quadradinhos. Todos o saberiam.
Num mundo ideal, não seria necessário falar da história simples e ingénua, ao ritmo de um episódio por pranchas semanal, nem dos episódios de uma simplicidade desarmante, embora com um interessante e conseguido sentido de humor e um ritmo narrativo muito assinalável. Todos os conheceriam.
Num mundo ideal, faria parte do senso comum que o deslumbramento provocado por “Os meninos Kin-Der” se deve essencialmente à sua componente gráfica. Por isso, seria desnecessário referir que cada prancha, embora encaixada na necessária sequência narrativa, funciona como um todo. Ou que a sua planificação varia de semana para semana, entre pranchas de imensa vinheta única aquelas multi-divididas, com vinhetas horizontais e/ou verticais.
Num mundo ideal, seriam por todos reconhecidas pranchas mais experimentais, como a da página 27 em que a acção decorre a dois tempos, no telhado da casa e no seu interior, funcionando a janela do edifício como uma segunda (mini-) prancha integrada no conjunto maior das vinhetas típicas, com formas regulares (quadrados, rectângulos). Ou a divisão da terceira tira (e da respectiva acção) da página 32 em duas vinhetas para prolongar o tempo em que decorre.
Num mundo ideal, o experimen-talismo, a liberdade gráfica, o sentido de composição da prancha de Feininger seriam atributos desta banda desenhada que alimentariam as conversas de todos.

A reter (tanto neste mundo como no ideal)
- A originalidade e modernidade da obra que hoje, mais de um século após a sua criação, se lê com o mesmo prazer e sentimento de descoberta.
- A magnífica restauração dos originais levada a cabo por Manuel Caldas.
- O imponente tamanho da edição e a gramagem do seu papel.
- A excelente e completa introdução de Rubén Varillas que dificultou sobremaneira a escrita deste texto.
- A reprodução de uma prancha em tamanho original incluída na edição para quem a encomendar directamente ao editor, o que aconselho vivamente.

Menos conseguido
- Num mundo ideal, este texto já teria sido escrita e publicada aqui há mais tempo. As minhas desculpas, ao Manuel Caldas e aos leitores de As Leituras do Pedro, em especial àqueles que só após a lerem vão comprar o livro.
- Num mundo ideal, Lyonel Feininger não teria alimentado esta série durante uns poucos meses apenas, mas teria feito dela – e de outras que se lhe seguiriam – o trabalho de toda a sua vida. - Num mundo ideal, a edição incluiria também o integral de Wee Willie Winkie’s World, outra série de Feininger, e teria uma bela capa cartonada em vez de ser uma edição agrafada.
- Num mundo ideal, os jornais norte-americanos (e os dos outros países também…) teriam continuado a publicar bandas desenhadas estimulantes e graficamente arrojadas como esta, neste mesmo imenso formato.
- Num mundo ideal, uma edição como esta não seria uma excepção mas sim a regra nas livrarias portuguesas.
- Num mundo ideal, os exemplares desta edição não seriam apenas umas poucas centenas; ela seria um autêntico “best-seller”. Como não estamos num mundo ideal, longe disso, mas num país chamado Portugal, a única hipótese que temos de nos aproximarmos daquele é comprar e desfrutar desta soberba edição. Futuras edições ideais, como esta, também dependerão disso.
- Num mundo ideal, haveria muitas edições como esta e, por isso, também estantes à sua medida. No nosso mundo real, este é um livro bem difícil de arrumar!

Curiosidade
- Apesar dos seus 33 x 44 cm, maior do que o A3 (!), esta edição reproduz as pranchas apenas a 68 % do seu tamanho original.

04/10/2010

Gambuzine #2

Wittek, Anna Bas Backer, Lucas Weidinger, Catarina Henriques, Fruzzie, António Vitorino, Vasco Câmara Pestana, Steffan Neville, Johanna Lonka, Pedro Rocha Nogueira, Adreas Alt, Plu!, Sónia Oliveira, Birgit Wheyhe, Titus Ackerman, Schmiko, Rautie, Matjaz Bertoncelj, Teresa Câmara Pestana, Axel Blotevogel, Álvaro e Sven Tauke (argumento e/ou desenho)
Teresa Câmara Pestana (Portugal, Julho de 2010)
210 x 297 mm, 100 p., pb, brochado, agrafado


Sou do tempo em que a edição de fanzines tinha muito de militante e em que não havia as facilidades gráficas e informáticas que hoje existem. Os textos eram batidos em máquina de escrever, os parágrafos recortados e montados em mesa de luz e as edições vendidas pelas ruas e cafés, em filas de cantinas universitárias ou nos festivais e salões.
Hoje, com os meios informáticos e a internet, muitos destes factores parecem obsoletos (e são-no com certeza) e até o aspecto militante quase desapareceu.
Quase porque, “na pequena vila da Lousã, Teresa Câmara Pestana resiste ainda e sempre às invasões” e se “a sua vida editorial não é nada fácil” continua a editar quem gosta, como gosta e ninguém tem nada com isso! Ou melhor, tem, porque há 500 exemplares para vender, para que uma nova edição possa conhecer a luz do dia.
Segundo número da nova vida do Gambuzine, este tomo – de capa rugosa, pesado, papel brilhante e negros bem impressos – se por um lado segue a linha editorial definida pela (também) autora, assente em obras pessoais e/ou experimentais, de autores marginais provenientes de vários pontos do mundo – com boas quotas de portugueses e de criadoras femininas - por outro surpreende face às duas linhas condutoras que aglutinam (quase) todas as bandas desenhadas publicadas.
Por um lado, este número consegue surpreender pelo humor patente em muitas das criações, alternativo e sujo, sim, mas mesmo assim humor – algo pouco usual nas publicações da TCP e mesmo neste tipo de registos – o que mais uma vez vem provar que os limites da criatividade – a qualquer nível – são os dos próprios autores.
Por outro lado, em consonância com a (triste) actualidade (que teima em manter-se actual) também a crise (ou os seus efeitos sobre pessoas comuns e/ou criadores) está presente em muitas das obras, com um sem número de registos e estilos, experiências e opções estéticas, que tornam o todo estimulante e convidam à descoberta.
Uma referência final para o destaque que tem neste número o alemão Wittek, com direito a entrevista e à publicação de várias bandas desenhadas.
Pode soar a nostalgia, mas a verdade é que (mais) edições assim fazem falta à BD nacional.

Contactos
Teresa Pestana
Apartado 67
3200-909 LOUSÃ
PORTUGAL
http://www.blogger.com/gambuzine@hotmail.com
http://www.gambuzine.com/

03/10/2010

As Aparições de Nossa Senhora aos Pastorinhos

Rui Guedes (produção)
Pedro Aires (ilustração)
Padre Luciano Cristino (Coordenação científica)
Santuário de Fátima (Portugal, Maio de 2010)
210 x 297 mm, 32 p., cor, brochado

O meu amigo Geraldes Lino chamar-lhe-ia um “Álbum imprevisível e difícil de obter” e, tendo uma edição limitada e sem distribuição comercial é-o com certeza. É, também, mais um exemplo – curioso, sem dúvida - de como a banda desenhada vai sendo usada para fins pedagógicos ou panfletários (no bom sentido do termo).
Surgindo no décimo aniversário da beatificação dos videntes Francisco e Jacinta Marto, dirige-se a um público essencialmente infantil, tem desenho pouco mais do que incipiente (que poderia funcionar melhor num formato mais reduzido), e usa como base textos (demasiado extensos) retirados das “Memórias da Irmã Lúcia”, o que retira ritmo e fluência à narrativa, que de forma descontínua narra todas as aparições narradas pelos chamados pastorinhos de Fátima.
Fica o registo, a título de curiosidade.

02/10/2010

The Peanuts: Retrato de gente adulta








De estatura reduzida e grandes cabeças estiveram para se chamar “Li’l Folks” (gente pequena), mas foi como “Peanuts” (amendoins) que surgiram ao público e atingiram um sucesso ímpar dentro e fora dos quadradinhos.
A primeira publicação foi há 60 anos, em menos de uma dezena de jornais norte-americanos, numa tira com quatro vinhetas e desenho ainda algo incipiente, no qual o futuro (anti-)protagonista principal, Charlie Brown, aparecia de passagem apenas nos primeiros dois, sem dizer qualquer palavra. Estas, estariam a cargo de outro rapazinho que na última vinheta disparava: “Não posso com ele!”. Nem Charles Schulz, o seu autor, possivelmente o saberia ainda, mas esta frase definia já o carácter futuro da personagem, que só reapareceria seis tiras mais tarde: anti-herói, depressivo, sem auto-confiança, sonhador mas eterno falhado (no amor como no desporto, nas brincadeiras como nos relacionamentos)… Era a base de um retrato sério e profundo de gente adulta (nunca presente nos quadradinhos) feita a partir de gente pequena, com todos os defeitos (e algumas qualidades) dos grandes.
Porque a Charlie Brown, ao longo dos tempos, juntar-se-iam a refilona e prepotente Lucy, o inseguro Linus sempre a arrastar o cobertor pelo chão, Schroeder o pianista obcecado pela sua arte, a sonhadora e marginal Peppermint Patty, Sally Brown, a maior crítica do irmão, Marcie, a tímida e míope boa aluna… E, claro, o extrovertido Snoopy que, surgido como cão vulgar na tira do dia 4, dois anos depois “pensava alto” pela primeira vez, acabando por assumir pose antropomórfica e tornar-se a estrela da série, fazendo um contraponto entre a vida real dos outros e o seu mundo de fantasia, funcio-nando quer como consciência crítica do grupo, quer como principal fonte de nonsense, através dos seus diversos heterónimos: escritor famoso, ás da aviação da Primeira Guerra Mundial, chefe de escuteiros, o relaxado Joe Cool, advogado, hoquista, patinador olímpico…
Com eles, baseado num traço simples, quase sem cenários nem pormenores, mas extremamente expressivo e, acima de tudo, eficaz e legível, Schulz, que sempre elaborou a tira sozinho, analisou de forma lúcida e mordaz – por vezes cruel até – meio século da vida da América, inspirado na sua própria experiência.
Considerada a mais bem escrita e influente tira de imprensa, os Peanuts, que chegaram a ser publicados em mais de 2600 jornais em todo o mundo, foram capa das mais influentes revistas e valeram inúmeros galardões ao seu autor, acabaram por saltar do papel que os viu nascer para outros suportes: primeiro o merchan-dising, nas suas mais diversas formas, depois a televisão (onde o sucesso foi ainda maior, sem que as suas qualidades intrínsecas fossem afectadas), um musical na Brodway, a literatura, onde foram base de teses diversas e tema de livros filosóficos, sociais e religiosos…
E foi assim, com mais altos do que baixos, até 13 de Fevereiro de 2000, quando foi publicada a última prancha dominical original, na qual o autor se despedia, afirmando: “Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy… nunca os poderei esquecer…”. Curiosamente, um dia antes Charles Monroe Schulz deixara o mundo dos vivos devido a um cancro do cólon.
No entanto, 60 anos depois da sua criação e 10 após a publicação da última tira diária, os Peanuts continuam a ser um negócio que movimenta milhões. Em Abril deste ano, a família de Charles Schulz anunciou a venda dos direitos da série à Iconix Brand Group Inc. por 175 milhões de dólares (cerca de 131,5 milhões de euros). Do negócio resultou a criação da Peanuts Worlvide, na qual os herdeiros do autor detêm 20 % do capital. Entretanto, recentemente, esta empresa anunciou que a United Feature Syndicate, com quem Schulz trabalhou desde o início, deixará de distribuir a banda desenhada – cujas 17897 tiras ainda são (re)publicadas diariamente em cerca de 2000 jornais de todo o mundo – passando esta para o serviço Uclick da Universal.
As receitas anuais da marca Peanuts, cujas bandas desenhadas continuam a ser reimpressas diariamente em centenas de jornais de todo o planeta, rondam os 2 mil milhões de dólares e os respectivos direitos permitem um encaixe de 75 milhões de dólares por ano.
A efeméride é assinalada a diversos níveis: a Smithsonian National Portrait Gallery de Washington expõe auto-retratos de Schulz, Snoopy junta-se à Unicef para uma recolha de fundos que durará até Novembro de 2011, foi posta à venda uma figura de tiragem limitada reproduzindo o “primeiro” Charlie Brown, a Fantagraphics Books continua a soberba reedição integral da tira (de que a Afrontamento já lançou cinco volumes em português) e a Lacoste lança uma série de pólos com as criações de Schulz a interagirem com o famoso crocodilo da marca.
Mais motivos – como se eles fossem necessários – para que Charlie Brown, Snoopy, Lucy, Linus e os outros permaneçam vivos nas nossas memórias.

(versão integral do texto publicado no Jornal de Notícias de 2 de Outubro de 2010)

01/10/2010

The Flintstones: Meio século na Idade da Pedra


Foram apenas 166 episódios em pouco mais de 6 anos, mas a verdade é que os pré-históricos The Flintstones, que hoje comemoram 50 anos, marcaram sucessivas gerações de telespectadores.
Oficialmente, tudo começou a 30 de Setembro de 1960, quando, pela primeira vez, o canal ABC mostrou um homem forte e encorpado, vestido com uma pele de animal, laranja e negra, sentado num dinossauro que movimentava pedras com a cabeça. De súbito, um pássaro de aspecto rude emite um som semelhante a uma sirene de uma fábrica; acto contínuo, o homem solta um sonoro “yabadabadoo”, escorrega pelo rabo do animal pré-histórico saltando directamente para o interior de uma viatura construída com troncos e pedras, que acciona com o movimento dos seus próprios pés! Chegado a casa (igualmente uma rude construção de pedras), recebe a companhia da mulher, filha e animais domésticos (dinossauro e tigre dentes-de-sabre) e dos vizinhos, dirigindo-se todos para um cinema ao ar livre.
Esta é uma descrição do genérico de The Flintstones, que viria a ser a primeira série de animação a ocupar o horário nobre da televisão norte-americana e durante muitos anos, a de mais longa exibição. Igualmente a primeira série animada a mostrar casais na cama, satirizava de forma leve situações quotidianas que certamente muitos portugueses recordarão dobradas em brasileiro (um dos 22 idiomas para que foi adaptada nos 80 países em que foi transmitida), pois foi assim que a RTP a exibiu nos anos 70, não permitindo conhecer as vozes originais de Alan Reed e Mel Blanc, entre outros.
Se desde o genérico, os anacro-nismos impera-vam, eles foram sem dúvida um dos trunfos que ajudaram a série a impor-se. Porque, se a cidade de Bedrock vive na Idade da Pedra, mais concretamente em 1 040 000 a. C., nela encontra-se tudo o que nos anos 60 havia de mais moderno, embora construído de forma rudimentar e com materiais grosseiros: meios de transporte, com propulsão humana ou de dinossauro, semáforos, jornais (de pedra), escrita (com pedra e cinzel), rádio e televisão, gira-discos accionado por um macaco e um pássaro de bico longo e fino, elevadores movidos por brontossauros, corta-relvas (herbívoros com rodas), aspiradores (mini-mamutes), hiper-grelhadores à medida de coxas ou bifes de tiranossauro Rex, electrodomésticos diversos, bancas e banheiras cujas torneiras eram trombas de mamutes…
Como protago-nistas, duas famílias: os Flintstones e os Rubbles. Na primeira, tínhamos Fred, ocioso, machista q.b., desastrado, facilmente irritável e apreciador de Brontoburgue e Cactus-Cola, a sua bela e inteligente mas gastadora esposa, Wilma, e Pedrita (Peebles), a filha. Os Rubbles contavam o baixinho Barney, o melhor (e muito inocente) amigo de Fred, a feminista Betty e o pequeno mas muito forte Bambam. Juntamente com alguns estereótipos sociais, como a sogra e o patrão de Fred, e “clones” de celebridades por vezes dobrados pelos próprios, viveram um sem número de peripécias, quase sempre provocadas pela inépcia de Fred, um eterno perdedor, apesar de ser no fundo marido e pai extremoso. Com eles, Joseph Barbera e William Hanna, que produziam aqui a sua primeira série animada, criaram as bases para um império televisivo que ainda hoje permanece.
Várias vezes reposta ao longo dos anos, a série conheceria uma versão adolescente, “The Peebles and Bamm-Bamm Show” (1971), outra infantil “The Flintstones Kids” (1986), e duas adaptações cinematográficas: “The Flintstones” (1994), com John Goodman e Rick Moranis e o genérico cantado pelos B’52s, e “Viva Rock Vegas” (2000), com Mark Addy, Stephen Baldwin e Kristen Johnston. Versões teatrais, musicais e em banda desenhada e dois parques temáticos atestam igualmente a sua popularidade.
É verdade que só passaram 50 anos sobre a estreia dos Flintstones, mas a verdade é que hoje esses tempos nos parecem… pré-históricos. O sucesso da série foi tal, que de imediato se multipli-caram os produtos derivados: a Hanna-Barbera licenciou cerca de 3000 produtos entre brinquedos, alimentos, vitaminas ou vestuário, e a utilização dos protagonistas em campanhas publicitárias, algumas das quais bem recentes.
Uma delas, hoje impensável, fez dos cigarros Winston patrocinador das duas primeiras temporadas, até surgir a gravidez de Wilma. Aproveitando diversas cenas divertidas recorrentes na série, em torno da ociosidade dos homens e das tarefas caseiras entregues às mulheres, foram mesmo criados uma série de filmes curtos em que Fred, Wilma, Barney e Betty apregoavam as virtudes daqueles cigarros, os “mais vendidos, longos e saborosos da América”, surgindo os maços como único pormenor em imagem real nas animações, que facilmente se encontram na internet.
Nada que nos deva espantar, pois na Idade da Pedra, eram mesmo rudes e mal conheciam os malefícios do tabaco… e os Flintstones eram considerados uma animação para adultos!
Mas hoje, como então, como imagem final, em cenário nocturno, fica Fred Flintstone a martelar com os punhos a porta da sua casa (apesar da janela ao lado não ter vidros…) e a berrar pela mulher, depois de ter sido posto na rua pelo seu tigre dentes-de-sabre…

(Versão integral do texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Setembro de 2010)

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