23/05/2012

Death Note #2

Encontro











Tsugumi Ohba (argumento)
Takeshi Obata (desenho)
Devir (Portugal, Maio de 2012)
130 x 190 mm, 200 p., pb, brochado
9,99 €



1.       Se a leitura de Death Note #1 confirmou tudo de bom que eu tinha lido a seu propósito, teve também um outro efeito...
2.      Deixar-me muito curioso quanto à sua continuação, de uma forma que há muito não me lembrava em relação a um segundo tomo de uma banda desenhada.
3.      A sua publicação pela Devir, num intervalo de tempo que se tem de considerar curto (cerca de 3 meses transcorridos entre a edição dos dois primeiros tomos de Death Note), para além de ter contribuído para a satisfação da minha curiosidade – factor menos importante no caso, claro - …
4.      … poderá (deverá?) merecer por parte dos leitores um voto de confiança em relação à editora e levar a que apostem nesta edição, para que ela possa prosseguir com esta regularidade…
5.      ... factor que me parece essencial para o seu sucesso.
6.      E a leitura deste segundo volume, mais uma vez, satisfez as expectativas que eu tinha.
7.      Desde logo porque o relato aprofunda o tom realista (e policial), passando para segundo plano o tom fantástico que, com um certo apagamento do demónio Shinigami, praticamente fica limitado ao que é inerente ao conceito – um caderno mágico que permite matar à distância todos aqueles cujo nome for nele escrito pelo dono do caderno.
8.     Depois, porque os autores continuam a explorar as (imensas) potencialidades do Death Note, através de Light Yagami que ganha assim cada vez mais protagonismo, ao demonstrar toda a sua inteligência e capacidade dedutiva pela forma como explora de forma notável os poderes do caderno, tornando cada vez mais complexos os esquemas utilizados para suprimir as suas vítimas.
9.      Ao mesmo tempo que – ou será por isso? – à medida que a malha do cerco policial se vai apertando e a polícia, encabeçada pelo misterioso L se vai aproximando cada vez mais de Light, este se vai afastando progressivamente do seu propósito inicial, que era utilizar o Death Note para matar grandes criminosos e fazer do nosso planeta um mundo melhor.
10.  Agora - egoisticamente, mas de forma bem humana, deixando-se corromper pelo poder que o Death Note lhe confere, o que reforça o (apesar de tudo falso) realismo da história - a sua prioridade é manter-se à frente de quem investiga os seus crimes – porque fazer justiça pelas próprias mãos é um crime – seja qual for o preço (em vidas humanas) que tenha de pagar.
11.   (Mesmo que tenham que sucumbir novas personagens que, aos olhos do leitor, apareciam com imensas potencialidades e capazes de proporcionar novas e interessantes vias ao relato – e quem já leu/ler este tomo facilmente perceberá de quem estou a falar).
12.  A par de tudo isto, o relato continua a ser muito bem construído e explanado, com uma trama que se adensa e ganha em complexidade sem perder o poder encantatório sobre o leitor, sempre com a tensão e a adrenalina em alta, numa notável toada de parada e resposta entre o misterioso L, que investiga os crimes, e Light, que os comete.
13.  Isto sem que, no entanto, o leitor consiga antecipar os passos de cada um deles, o que multiplica o efeito surpresa ao longo das páginas e diz bem da sua originalidade.
14.  Outra mais-valia continua a ser o traço utilizado, realista, expressivo, bem legível e dinâmico quanto baste para dotar a narrativa do ritmo adequado, propositadamente pausado, para que o leitor se possa imbuir de tudo o que lhe vai sendo apresentado.
15.   Por tudo o que até aqui escrevi, se os dois volumes já lidos corresponderam ao que deles esperava em termos de qualidade e originalidade, deixam também uma enorme vontade de ler o seguinte que, desejo, possa ser editado em breve.
16.  (Mesmo que neste momento os 3 curtos meses transcorridos entre o #1 e o #2 me pareçam demasiado longos!)

22/05/2012

Diário Rasgado






Marco Mendes
Mundo Fantasma/Associação Turbina/A Mula (Portugal, Maio de 2012)
210 x 280 mm, 84 p., pb e cor, cartonado
15,90 €



Este álbum, desde já uma das (boas) surpresas editoriais do ano - pelo conteúdo e pela bela edição - é uma recolha de bandas desenhadas, geralmente de uma única página – embora pontualmente haja sequência entre algumas delas - publicadas pela primeira vez no blog do autor com o mesmo nome e, nalguns casos, em fanzines nacionais e estrangeiros, entre os quais se conta “Tomorrow the chinese will delivery the pandas”, da responsabilidade do próprio autor, que nasceu em 1978 na Figueira da Foz e vive actualmente no Porto – reconhecível em boa parte destas pranchas -, onde foi fundador do Clube do Desenho e do colectivo artístico e editorial “A Mula”.

Verdadeiro diário gráfico, de tom assumidamente autobiográfico como entre nós raramente foi praticado, nele Marco Mendes expõe – e se expõe – apontamentos diversos do seu quotidiano, referentes aos seus amigos, à sua namorada, aos seus anseios, êxitos e (algumas) frustrações, de uma forma crua e directa que, por vezes, choca – embora não gratuitamente - pela forma como se despoja (e se expõe…) totalmente.
Pontualmente revestidos de um sentido de humor desencantado, estes apontamentos, ricos, nervosos, urgentes por vezes, outras convidando à contemplação e/ou à reflexão, pelo que revelam mas também pelo que deixam entrever, tipificam igualmente uma certa forma de vida e algumas das opções (ou da falta delas?), reveladoras de um tempo – que é o hoje, no qual esta obra surge bem ancorada.

Graficamente, é notória a evolução ao longo do período (2007-2001) que o álbum abarca e também a experimentação – de novas técnicas e materiais - que move o autor (como pode ser comprovado pelos originais patentes na galeria Mundo fantasma, no Porto, até 10 de Junho), desde as primeiras pranchas, traçadas a esferográfica, em traço directo (ou quase), de forma rude e imediata, até à belíssima capa ou às pranchas mais recentes, mais trabalhadas, com um traço apurado, fruto de múltiplas passagens em papel vegetal, sempre em busca da linha, da pose, do ponto de vista ideais, coloridas ou servidas com belo trabalho de cinzentos e sombreados, que mostram um autor muito dotado, à vontade no tratamento do corpo humano – auxiliado pela sua prática enquanto professor de desenho, ilustrador e artista plástico? - e na sua integração nos cenários, de tal forma competente que chega por vezes a transmitir a ideia – falsa – de que trabalha sobre base fotográfica.
E muito atento, também, aos pequenos gestos do quotidiano, como é detectável em pormenores – intrínsecos à obra, ao meio, aos ambientes, não artificiais ou provocados – disso reveladores, como a mão que segura um cigarro, a posição em que (se) desenha, o abraço de um casal na cama, a forma como um pé se apoia numa beira… que potenciam o realismo do traço e credibilizam a autenticidade do que M. Mendes nos vai contando.



21/05/2012

Autores portugueses mostram-se ao mundo


O que há de comum entre o Homem-Aranha, Gog Mendonça e Pizza Boy, John Carter de Marte e relatos autobiográficos? A resposta tem tanto de simples quanto de surpreendente: são desenhados por autores portugueses e estão a ser publicados no estrangeiro.
E se a publicação de autores nacionais de banda desenhada fora de portas, nomeadamente nos EUA, já não é novidade, não deixa de surpreender a simultaneidade num espaço de tempo curto de várias publicações numa mão cheia de países.

Uma delas é a nova revista “Marvel Universe: Ultimate Spider-Man”, lançada nos EUA no final de Abril e acabada de chegar às lojas especializadas portuguesas.
Baseada nas aventuras animadas do Homem-Aranha tem como um dos desenhadores o português Nuno Plati que, após diversas colaborações soltas com a Marvel, surge aqui como artista regular da revista “a desenhar uma das histórias todos os meses” tendo já 3 histórias entregues.
Plati confessa-se triplamente satisfeito porque “para além de estar a trabalhar regularmente, estou a trabalhar para um publico mais jovem, o que me agrada, porque não sou fã do chamado grim and gritty, e confesso que estar a trabalhar em algo relacionado de alguma maneira com animação, é algo que me dá bastante gozo”.
E acrescenta: “o facto de poder mostrar à minha filha daqui a um anito ou dois (ela tem 2 anos), os comics que desenho, diz-me muito. Não passam de histórias divertidas, muito light e sem o mínimo de pomposidade, e isso satisfaz me plenamente”.

Também para a Marvel trabalha Filipe Andrade, o desenhador português com maior número de obras publicadas naquela editora, cujo trabalho mais recente foi “John Carter: A Princess of Mars”, cuja edição terminou nos EUA em Março último e que serviu de introdução ao filme da Disney, baseado no universo criado por Edgar Rice Burroughs.
Andrade considera este o seu trabalho “mais importante em termos criativos, artísticos e de impacto público até hoje”, apesar de “a nível de carreira” ainda não ter tirado “grandes dividendos; veremos o que o futuro trará”.
Bem acolhido pela crítica norte-americana, os 5 tomos desta mini-série foram compilados num único volume, recentemente editado nos EUA, França e Espanha, tendo neste último país a Panini disponibilizado uma longa entrevista com o desenhador português .

Trajecto diferente é o de Dog Mendonça e PizzaBoy, personagens criadas por Filipe Melo e desenhadas pelo argentino Juan Cavia. Depois do sucesso em Portugal, onde os dois volumes com as suas aventuras editados pela Tinta-da-China já vão em 2ª edição, a Dark Horse Comics encomendou-lhes histórias curtas inéditas, “porque John Landis, o autor do nosso primeiro prefácio, enviou uma cópia do livro ao Mike Richardson, presidente da editora. Quando recebi um mail com o convite não podia acreditar e pensei sempre que algo correria mal e que não aconteceu”.
As referidas histórias curtas, inseridas nos números 4 a 7 da nova vida da revista “DHP - Dark Horse Presents” no final de 2011, tiveram boa aceitação dos leitores, o que possibilitou que no início de Junho surja nas livrarias especializadas norte-americanas “The Incredible Adventures of DogMendonça and Pizza Boy”, já “com algumas "advance reviews" que, felizmente, têm sido boas. É bom saber que estamos a ser bem recebidos e que querem mais trabalhos nossos, especialmente em tempos difíceis como estes”.
A edição brasileira correspondente, da responsabilidade da Devir Livraria, “está prevista para o fim do Verão”, devendo na mesma altura sair nos EUA "The Untold Tales of Dog Mendonça and Pizzaboy", a compilação “com as histórias escritas para a DHP”, revela Melo que adianta estar já a escrever o argumento do terceiro volume, que deverá estar pronto “para 2014”.

Finalmente, longe deste circuito mais comercial, pelo seu tom autobiográfico e intimista, apresenta-se "O Amor Infinito que tetenho e outras histórias" (da Polvo, já em 2º edição), distinguido como Melhor Álbum de 2011 pelos Troféus Central Comics e pelo Amadora BD.
Da autoria de Paulo Monteiro, que admite estar “muito feliz” e a viver “uma fase muito mágica da vida enquanto autor”, será em breve “publicado no Brasil pela Balão Editorial” e “em Fevereiro do ano que vem, no Reino Unido e na Irlanda, pela Blank Slate Books” onde Paulo Monteiro já tem “página e tudo! , caraças!!!!”
Isto, não impede que o autor, também director do Festival de BD de Beja, já esteja a “trabalhar num novo livro, que ainda não tem nome, mas será uma história com cerca de 120/130 pranchas” que pensa concluir “para o final de 2014”.

No entanto, as propostas de autores portugueses de BD para fora de portas não se esgotam nos livros apresentados.
Filipe Andrade, depois de “John Carter” e de uma paragem forçada de três meses devido a um braço partido, vai voltar “aos contactos estabelecidos em Angoulême, em Janeiro” havendo “algumas hipóteses de edição tanto em França como nos EUA”.
Jorge Coelho, que há dois anos participou em “Forgetless”, uma mini-série da Image, trabalha neste momento “para a italiana Passenger Press, em “Odisea Nera", uma BD escrita por Valentino Sergi, que será publicada em Novembro, no Festival de Lucca” e, em paralelo, desenha “a série "Suckers", a partir de um argumento de Eric Skillman”, que surgirá “primeiro em versão webcomic no site Trip City”, adiantando que “depois se verá quanto a uma versão impressa. Começará a ser publicada em Agosto e terá episódios mensais de 6/8 pranchas”.
Quanto a Ricardo Tércio, já com trabalhos publicados nos EUA e em França, dedica-se de momento “a um livro da colecção Dofus Monster, escrito por Olivier Dobbs, para a editora francesa Ankama, que deverá sair em 2013”.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 21 de Maio de 2012)

20/05/2012

Professor Pardal: 60 anos de invenções loucas














O Professor Pardal, o mais célebre inventor dos quadradinhos Disney, completa este mês seis décadas de invenções mirabolantes mas nem sempre bem sucedidas.
Apesar de não se saber a sua data de nascimento “real” - ao contrário de outras personagens Disney com quem interage – para a efeméride conta a data da primeira aparição nos quadradinhos de Giro Gearloose (o seu nome no original) em Maio de 1952, no número 140 da revista “Walt Disney's Comics and Stories”.
Esta banda desenhada de 10 páginas, escrita e desenhada pelo genial Carl Barks quase um ano antes, intitulava-se “Gladstone's terrible secret” e tinha como mote a tradicional sorte do Gastão e não a novel personagem. O próprio Barks, o mais famoso desenhador dos “patos Disney”, confessou que não pensava utilizá-lo mais, caso contrário tê-lo-ia feito mais baixo, da altura de Donald ou Patinhas, pois a elevada estatura do galináceo antropomorfizado tornava complicado “encaixá-lo” nas vinhetas a par dos patos.
Apesar disso, o inventor fez sucesso, o que justificou a criação de uma revista própria sete anos volvidos, em 1959; sucesso que perdurou até aos nossos dias, o que levou à sua inclusão na série animada DuckTales, da Disney.
Professor Pardal: a primeira aparição
Para isso, contribuiu certamente o seu génio inventivo, sempre a transbordar de ideias – embora para isso contasse com a ajuda do chapéu pensante, composto por um ninho com corvos – a par da sua lendária desorganização e distracção e dos falhanços – ou adequação errada… - dos seus inventos. Que tanto podiam ser construídos com peças novas, como com restos ou o lixo disponível, sendo utilizados quer para resolver (ou complicar?) os pequenos nada quotidianos, quer para ultrapassar os maiores e mais inesperados contratempos, ameaças e dificuldades.
Por isso, a par de foguetões, máquinas do tempo ou automóveis incríveis, também criou o oralicóptero, um engenho voador que Donald move à custa de “quacs”, a máquina de não fazer nada, minhocas que apanham peixes (literalmente) ou submarinos com pernas, bem como os mais estranhos artefactos com que heróis falidos como o Superpato (identidade secreta de Donald), o Morcego Vermelho (Peninha) ou o Morcego Verde (Zé Carioca) combatem o crime. Inventos muito apetecíveis para gente com más intenções, como o seu maior inimigo, o professor Gavião, sempre apostado em roubar as suas ideias, ou a Maga Patalógica e os Irmãos Metralha que os desejam para roubarem a moedinha nº1 ao Tio Patinhas.
Para o ajudar – e corrigir muitas das suas falhas – teve sempre ao lado o pequeno Lampadinha – Little Helper no original, rebaptizado Little Bulb nos anos 1980 – um pequeno robot com uma lâmpada a servir de cabeça, bem mais atento e equilibrado que o seu inventor, que se estreou em Setembro de 1956, na história “The Cat Box”.
Como tantas outras das assexuadas personagens Disney, Pardal, insensível aos avanços femininos, não tem filhos mas conta com um sobrinho, Pascoal (Newton no original), igualmente dotado de génio inventivo.
A sua fama extravazou os quadradinhos, inspirando pessoas no mundo real, como o norte-americano Dean Kamen, detentor de mais de 400 patentes, que se inspirou num invento do professor Pardal para criar os Segway que hoje vemos em centros comerciais e supermercados.
O professor Pardal, no entanto, não é o único – nem o primeiro - génio dos quadradinhos. Antes e depois dele, muitos outros revolucionaram os seus mundos com inventos estranhos ou apenas adiantados em relação ao seu tempo.
É o caso do foguetão do professor Tournesol que levou Tintin à lua, do rádio-relógio que Dick Tracy utilizava ou do avião supersónico criado pelo professor Mortimer.
Exemplos que ficam enquanto aguardamos pela concretização da máquina do tempo que o próprio Pardal, o Franjinha da Turma da Mônica (a par de tantos outros) imaginaram, dos fatos de moléculas instáveis desenvolvido por Reed Richards, do Quarteto Fantástico ou pela poção mágica de que só o druida Panoramix conhece o segredo…

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Maio de 2012)


19/05/2012

Diário Rasgado 2007/12 na Mundo Fantasma

Data: 19 de Maio a 10 de Junho de 2012
Local: Galeria Mundo Fantasma
loja 509/510, Centro Comercial Brasília, Avenida da Boavista, 267, Porto
Horário: de 2ª a sábado, das 10h às 20h: Domingos e feriados, das 15h às 19h


  



O álbum “Diário Rasgado”, editado com o selo Mundo Fantasma pela Associação Turbina, é apresentado hoje, no Porto, na presença do seu autor, Marco Mendes, que estará disponível para uma sessão de autógrafos.
Colectânea de bandas desenhadas curtas, a preto e branco ou a cores, originalmente publicadas no blog com o mesmo nome e em fanzines nacionais e estrangeiros, e que abarcam momentos diversos do período entre 2007 e 2011, “Diário Rasgado” compila pequenos apontamentos do quotidiano do autor, referentes aos seus relacionamentos, opções de vida, sentimentos, êxitos e frustrações.
Neste verdadeiro diário gráfico, são reconhecíveis muitos locais da cidade do Porto, onde Marco Mendes, há muito vive e exerce a sua profissão de professor de desenho e a sua arte enquanto ilustrador e artista plástico. Natural da Figueira da Foz, onde nasceu em 1978, este autor foi fundador do Clube do Desenho e faz parte do colectivo artístico e editorial “A Mula”.
O lançamento terá lugar às 17 horas, na galeria Mundo Fantasma, contígua à livraria especializada em BD, com o mesmo nome, no Centro Comercial Brasília, onde está patente, até 10 de Junho, uma exposição com alguns dos originais agora reproduzidos no livro.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 19 de Maio de 2012)


18/05/2012

Valente para sempre


  


Vitor Cafaggi
Edição de autor (Brasil, Novembro de 2011)
92 p., pb e branco e rosa
R$ 12,00



Nota Prévia
Embora exista uma edição em papel, confesso – lamentando – que o que adiante escrevo se baseia na leitura online das primeiras 64 pranchas de “Valente para sempre”, originalmente publicadas no jornal “O Globo”, disponíveis aqui.

Desenvolvimento
Com “Valente para sempre”, Vítor Cafaggi revela-se, mais uma vez, um dos mais sensíveis e interessantes novos autores brasileiros.
Depois de “As Incríveis Aventuras do Pequeno Parker”, terna e deliciosa ficção sobre a infância de Peter Parker e de muitos outros integrantes do universo Marvel (disponíveis para leitura no mesmo blog e que urge editar em livro), agora este “Valente para sempre” revisita o conturbado e assustador período da adolescência por que todos passamos, no qual surgem os primeiros amores, as primeiras ilusões – e as primeiras e catastróficas decepções – que nos fazem sentir capazes das maiores proezas ou os mais infelizes de todos os seres humanos (e no qual formamos boa parte do nosso caracter e nos preparamos (ou não) para enfrentar a vida adulta), quando os sonhos mais loucos e exaltados teimam em chocar com a dura e inevitável realidade.

E, de novo, Cafaggi retrata-o com uma poesia, um humor leve e ternurento e uma sensibilidade irresistíveis que tocam o leitor, o prendem e o obrigam a ler prancha após prancha – a visitar o blog semana após semana – para saber como (o cãozinho) Valente - com a ajuda da (macaquinha) Bu - consegue – ou não… - comunicar os seus sentimentos à bela (gatinha) Dama, primeiro, e depois – após uma trágica separação! - à doce (pandinha) Princesa.
Porque, apesar desta opção por (pequenos e fofos) animais antropomorfizados, traçados de forma simples mas muito expressiva e agradável, e preenchidos em tons de branco e cinza, no início, ou de um rosa acastanhado sujo (que faz toda a diferença), Cafaggi consegue que nos identifiquemos perfeitamente com eles, com os seus sonhos, anseios, medos e hesitações, numa prova inequívoca de que por detrás destas belas pranchas aos quadradinhos há muito de verdade.

A verdade que já experimentaram todos aqueles que se apaixonaram - na adolescência, em qualquer idade? – mudando, por isso, hábitos, rotinas, opções, gostos – sei lá que/quanto mais! – para conseguir mais uns momentos perto do alvo da nossa paixão, trocar mais algumas palavras, caminhar ao seu lado durante mais alguns metros, ter vontade de prolongar para sempre o toque dos dedos, o aperto da mão, um abraço, o roçar de uns lábios, para sentir que o dia horrível valeu a pena pelo instante em comum que conseguimos viver…
… naquela idade em que, apesar de todos os medos, inseguranças e desilusões, amanhã é sempre um novo dia que pode vir repleto de surpresas!

17/05/2012

Martha Jane Cannary

Les dernières années 1877-1903










Christian Perrissin (argumento)
Mathieu Blanchin (desenho)
Futuropolis (França, 13 de Abril de 2012)
215 x 29o mm, 112 p., branco e sépia, cartonado
22,50 €


Este álbum, último de uma trilogia, pode ser encarado de duas formas: a destruição ou a humanização de um mito.
Porque, disso não duvido, Martha Jane Cannary, aliás Calamity Jane, é uma daquelas figuras do Velho Oeste que o tempo, a tradição e as artes –a literatura, o cinema, a BD – se encarregaram de mitificar. Mesmo para aqueles que com ela puderam conviver. Um dos muitos mitos - e um dos mais fortes - que a sua época e o local (enquanto conceito alargado) em que viveu se encarregaram de desenvolver.
A intenção de Perrissin e Blanchin, no entanto, não é endeusá-la, mas sim mostrá-la na sua profunda humanidade. O que é mais evidente neste tomo da trilogia que lhe dedicaram (e que está também disponível num único tomo integral) que encerra a biografia romanceada aos quadradinhos de Martha Jane, porque corresponde aos seus anos finais, à época do seu declínio (acentuado) provocado pela solidão, o alcoolismo, a velhice e as doenças que o seu estilo de vida propiciou.
Por isso, longe da exploradora audaz e da atiradora ímpar que, possivelmente a nossa memória associava à sua imagem e que os tomos anteriores de certa forma privilegiaram, encontramos uma mulher a lutar pela sua vida – que no entanto preza pouco – como cozinheira, dona de uma lavandaria, enfermeira, artista de feira ou de circo, ou pouco mais (menos), minada pelas suas dúvidas, com saudades da filha que um dia abandonou, arrependida dessa atitude que a marcou e à qual foi incapaz de se declarar como mãe (embora por razões nobres e que vão além da sua vergonha…).
Não que não seja, mesmo assim, apesar de tudo isto, uma mulher à frente do seu tempo – com um pouco do “pêlo na venta” que Goscinny tãobem traduziu na caricatura de Calamity com que Lucky Luke se cruzou – com uma inextinguível sede de liberdade e de independência, emancipada e autónoma num mundo de homens – dos quais precisa e aos quais se entrega, aos quais se submete e com quem tem filhos que o seu abuso de álcool matou ou de quem mais cedo ou mais tarde se desligou – uma mulher de força, de vontade, de uma vivência única e marcante. Mas também uma mulher, profundamente humana, com muitas dúvidas e incertezas, em busca de reconhecimento e aceitação – em especial de si própria - minada, destruída pela vida que levou.
Combinando a narrativa directa com as cartas que escreveu à filha mas nunca enviou e com apontamentos – estranhos no tom geral do relato – do endeusamento que os escritores de folhetins então promoveram, Perrissin propõe-nos uma obra ritmada, bem documentada e credível. Para isso contribui de forma decisiva o traço semi-realista de Blanchin, com uma boa reconstrução de época, embora as personagens enquanto centro da narrativa se sobreponham aos cenários, traçada em sombrios tons de sépia, em que o realismo sobrepuja (logicamente) algumas passagens ficcionadas-
O conjunto, propicia uma leitura forte e emotiva, que assenta principalmente na dualidade – inerente a todo o ser humano – entre a realidade de cada um – e a ideia que cada um faz de si - e a impressão que provoca nos outros, aqui toldada, distorcida pela dimensão do mito face à pequenez do ser humano.


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