A casa é um relato
sereno e serenamente emotivo, em que o autor, Paco Roca, evoca o pai, através
das suas memórias e das memórias dos irmãos.
Leiam a obra antes deste texto se não quiserem saber
(de)mais sobre o livro…
O relato começa com a morte do pai. É uma prancha muda – e são
muitos os silêncios que Roca nos propõe ao longo do livro, numa hábil gestão do
tempo – mas extremamente tocante, embora o seu significado só nos chegue mais
tarde, em que a quebra da rotina quotidiana, na décima de 12 vinhetas
similares, assinala (pela ausência) o desaparecimento do seu progenitor.
Depois, inicia-se propriamente o relato, com a chegada de
Paco Roca (José) e da companheira à antiga casa paterna, desabitada desde o falecimento,
cerca de um ano antes. O propósito – que lá congregará também os seus irmãos, Vicente,
mais velho, e Carla, mais nova – é fazer os arranjos necessários para colocar à
venda a casa, atingida pelo tempo e o abandono.
O reencontro com o local que o pai construiu e onde encontrava
sempre reparações e melhorias para fazer – e em que eles, mais ou menos voluntariamente
e dotados, colaboraram – o reencontro com o local onde passaram muitas das suas
férias, fará que as memórias fluam. Memórias boas e más, ou talvez só menos
boas, porque amenizadas (?) pela passagem do tempo e pela saudade do pai…
Se o reencontro dos três, afastados pela vida, e a convivência
(de algum modo) forçada, num local que inegavelmente os marcou, por um lado
desperta tensões e críticas que o distanciamento foi calando, a presença –
omnipresença - do pai consegue relegá-las para segundo plano. E se essa
abordagem do choque e do confronto poderia ter dado uma orientação
completamente diversa – e não obrigatoriamente menos interessante – Paco Roca -
relator fiel, acredito eu – optou por uma abordagem de uma grande serenidade,
calmante até, devido à capacidade (comum) de todos reviverem as (melhores)
memórias que guardaram do pai.
O reencontro com pequenos gestos, a tentativa de tratar,
arranjar, recuperar tal como o pai fazia e sempre tentou ensiná-los, vai
levá-los a olhar para a velha casa – tantas vezes mal-amada – de forma
diferente, com um enorme sentimento de saudade e a, dessa forma, celebrarem o
pai que tantas vezes não compreenderam, que no fim da vida – cansado dela, da
solidão e do vazio que a morte da mãe provocou - até os desiludiu.
Misturando passado e presente, subvertendo aqui e ali as
habituais regras de leituras de quadradinhos para aproveitar melhor o formato
italiano do livro, Paco Roca imprime um ritmo lento e compassado que, em
conjunto com os tons amenos – outonais… - que prevalecem ao longo da obra,
fazem dela o tal relato ‘sereno e serenamente emotivo’ que nos obriga a uma
introspecção e a repensarmos as nossa relações.
A casa
Paco Roca
Levoir/Público
Portugal, 21 de Outubro de 2016
245 x 175 mm, 136 p., cor, capa dura
14,90 €
Acabei de ler "A casa" ontem e realmente o Paco Roca tem uma forma de escrever e desenhar que o coloca no topo do que tenho lido nos últimos anos. O facto de escrever e desenhar as suas obras, para mim, não é de somenos importância porque texto e desenho casam na perfeição no que se refere à sensibilidade com que a história é contada. O Rugas foi um livro que já me tinha tocado, também por ter tido um avô que sofreu de Alzheimer, e este, à semelhança do Diário do meu pai (e em menor medida ao "Arte de Voar"), foi também directo ao coração (desculpem a "lamechice" mas não encontro maneira melhor de descrever). Toda esta história pode ressoar à vida de qualquer um de nós da geração do Pablo (40's), na vivência com o avós e pais na "terra" nos trabalhos em conjunto na horta e na casa sendo que as dificuldades, tristezas e alegrias das relações familiares são intemporais e maravilhosamente retratadas. Um livro excelente para quem gosta, e para quem não gosta, de banda desenhada :-).
ResponderEliminarAbraço
Subscrevo, MECO.
EliminarObrigado pela partilha
(Outras) boas leituras!