23/11/2017

Fernando Relvas (1954-2017)






Fernando Relvas faleceu ontem no Hospital Amadora-Sintra. A banda desenhada portuguesa perde um dos seus maiores criadores das décadas finais do século XX e uma das suas grandes referências.

Nascido Fernando Carlos Nunes de Melo Relvas, em Lisboa, a 20 de Setembro de 1954, publicou as primeiras bandas desenhadas pouco depois dos vinte anos, nas revistas “Chico” e "Fungagá”, mas seria a estreia na revista “Tintin”, em 1978, que lhe começaria a dar visibilidade. Começou com “O Espião Acácio”, uma crónica bem-humorada da Primeira Guerra Mundial, que aos poucos evoluiu para uma mistura anárquica de géneros e conceitos, com extraterrestres, Hitler e outros mais a passarem por lá, no que seria uma das imagens de marca de um autor que viveu sempre no limite. “Viagem ao centro da Terra, uma adaptação da obra de Jules Verne, “Rosa Delta Sem Saída”, “Cevadilha Speed” e “L123” foram as obras seguintes na mesma publicação. Com o seu fim, Relvas saltou para o semanário “Se7e”, de que se tornou uma das figuras mais visíveis.
Amante da noite lisboeta, retratou-a como ninguém nas suas bandas desenhada, que espelhavam uma certa marginalidade, a irreverência, o experimentalismo e a sede de liberdade que se viveram nos anos 80 em Portugal. Num preto e branco contrastante ou com cores vivas, dominando as mais variadas técnicas, da tradicional tinta da Cina a pincel aos lápis de cor, do carvão ou até às lâminas de barba, foi criando obras marcantes com títulos chamativos como “Concerto para Oito Infantes e um Bastardo”, “Niuiork”,”Sabina”, “O Diabo à Beira da Piscina”, “Nunca Beijes a Sombra do Teu Destino”, “Karlos Starkiller” ou “O Atraente estranho”.
O fim do “Se7e”, em 1988, levou-o a publicar de forma dispersa em diversos jornais, revistas e fanzines, e a levar para a sua obra a sua outra paixão, a História de Portugal. Não aquela que se aprende nas escolas, mas a vivida pelos protagonistas anónimos que a permitiram e para ela trabalharam – e em tantos casos morreram, revelada em “O rei dos Búzios”, “Em Desgraça” ou “Çufo”.
Já neste século, desiludido com o seu país e com as dificuldades de publicação, viveu alguns anos no estrangeiro, nomeadamente na Croácia, onde criou diversos webcomics, como “Palmyra”, “Costa” 1 e 2, “Li Moonface” ou “Nau negra”.
Ao longo da vida, o seu trabalho foi objecto de várias exposições antológicas, a começar pela proposta pelo Salão Internacional de BD do Porto, em 1995, até à mais recente, no Amadora BD 2017.
A justa apreciação das suas obras é dificultada por muitas delas estarem inéditas em álbum e haver outras tantas espalhadas por diversas pequenas editoras (ASIBDP, BaleiAzul, Livros Horizonte, Polvo, El Pep, pedranocharco…), em edições difíceis de encontrar. Seria uma boa altura para alguém pensar numa edição antológica que reunisse uma selecção representativa do seu legado.
Por isso, neste momento, torna-se mais difícil homenagear Relvas da forma que ele merecia: (re)lendo a sua obra, entre copos, como ele certamente faria, de forma impulsiva, repentista, anárquica, como ela foi criada.


 

  
(versão revista e aumentada do texto publicado no Obituário do Jornal de Notícias de 22 de Novembro de 2017; pranchas das diversas obras retiradas do blog Hard Line, do próprio Relvas, onde algumas delas podem ser lidas integralmente, clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

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