10/12/2019

O Pesadelo de Obi

Para lá da propaganda







Bem servido por uma campanha que o mediatizou para além do expectável, este O Pesadelo de Obi revela-se mais interessante do que se esperaria de uma obra que tem como objectivo a denúncia e o ataque ao regime do presidente da Guiné Equatorial, protagonista involuntário da obra.
Essa surpresa que a leitura revelou não se deve ao seu grafismo, com limitações, quer no traço caricatural utilizado, pouco expressivo, com desequilíbrios no tratamento da figura humana e a que parece ter faltado tempo para ser devidamente finalizado, quer na definição dos cenários, (quase) sempre demasiado vazios.
O principal foco de interesse desta obra - que teve as primeiras edições em Espanha e nos EUA e depois foi distribuída clandestinamente naquele país africano, como nos é contado no (interessante) prefácio que narra a sua génese - é a forma como está construída, bebendo de alguma forma inspiração no célebre Conto de Natal, de Dickens, embora nele o presidente Obiang não seja visitado por fantasmas.
[Atenção, porque a partir daqui, as revelações que este texto faz sobre a obra poderão prejudicar a sua leitura.]
O Pesadelo de Obi, pode ser dividido em duas partes. Na primeira, o protagonista é retratado como um ditador (quase) analfabeto, com tendência para o assédio sexual e para aproveitar o poder e as relações que ele lhe proporciona em benefício próprio.
Na segunda metade, reencontramos o protagonista após uma noite de sono, quando desperta do ‘lado negro’ da realidade do seu país, como morador de um dos inúmeros casebres dos muitos bairros de lata da capital, onde (lhe) falta tudo o que é básico para uma vida com um mínimo de dignidade: água, alimento, saneamento básico… Na sua nova situação, mantém consciência da sua situação anterior, o que faz com que todos o tomem por louco.
Este choque de realidades, é depois complementado com uma descida ao inferno (dos ditadores) e, finalmente, uma subida ao céu, servindo todo este conjunto para que Obiang - mais receoso do mal próprio do que arrependido do mal alheio - tome consciência da sua verdadeira situação e da verdadeira situação do seu povo.
De forma feliz, o livro termina antes que ele acorde, deixando ao critério do leitor intuir em que local o fará e, havendo essa possibilidade, qual a decisão que tomará o ditador, antevendo a felicidade da mudança ou o desalento da continuidade...

O pesadelo de Obi
Chino (argumento)
Tenso Tenso (diálogos)
Ramón Esono Ebalé (desenho)
Rodrigo (cor)
Tigre de Papel
Portugal, Novembro de 2019
17,75 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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