Bem servido por uma campanha que o mediatizou para além do expectável, este O Pesadelo de Obi revela-se mais interessante do que se esperaria de uma obra que tem como objectivo a denúncia e o ataque ao regime do presidente da Guiné Equatorial, protagonista involuntário da obra.
Essa surpresa
que a leitura revelou não se deve ao seu grafismo, com limitações, quer no traço caricatural utilizado, pouco expressivo, com desequilíbrios
no tratamento da figura humana e a que parece ter faltado tempo para
ser devidamente finalizado, quer na definição dos cenários, (quase) sempre
demasiado vazios.
O principal
foco de interesse desta obra - que teve as primeiras edições
em Espanha e nos EUA e
depois foi distribuída clandestinamente naquele país africano,
como nos é contado no (interessante) prefácio que narra a sua
génese - é a forma como está construída, bebendo de alguma forma
inspiração no célebre Conto
de Natal,
de Dickens, embora nele o presidente Obiang não seja visitado por
fantasmas.
[Atenção, porque a partir daqui, as
revelações que este texto faz sobre a obra poderão prejudicar a
sua leitura.]
O Pesadelo de Obi,
pode
ser dividido em duas partes. Na primeira,
o protagonista é retratado como um ditador (quase) analfabeto, com
tendência para o assédio
sexual e para
aproveitar o
poder e
as relações que ele lhe proporciona em
benefício próprio.
Na segunda
metade, reencontramos o protagonista após
uma noite de sono, quando
desperta
do ‘lado negro’ da realidade do seu país, como
morador de um
dos inúmeros casebres dos muitos bairros de lata da capital, onde
(lhe)
falta
tudo o que é básico para uma
vida com um mínimo de dignidade: água, alimento, saneamento básico…
Na sua nova situação, mantém consciência
da sua situação anterior, o que faz com que todos o tomem por
louco.
Este choque de
realidades, é depois complementado com uma descida ao inferno (dos
ditadores) e, finalmente, uma subida ao céu, servindo todo este
conjunto para que Obiang - mais
receoso do mal próprio do que arrependido do mal alheio -
tome consciência da sua verdadeira situação e da verdadeira
situação do seu povo.
De forma
feliz, o livro termina antes que ele acorde, deixando ao critério do
leitor intuir em que local o fará e, havendo essa possibilidade, qual a decisão que tomará o ditador, antevendo
a felicidade da mudança ou o desalento da continuidade...
O pesadelo de Obi
Chino (argumento)
Tenso Tenso (diálogos)
Ramón Esono Ebalé (desenho)
Rodrigo (cor)
Tigre de Papel
Portugal, Novembro de 2019
17,75 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar
nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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