É
o sonho de muitos autores: ter uma personagem - nalguns casos, um
herói - que permita contar todo o tipo de histórias, independentemente do género ou da época.
Pepe
Malone, criação de Leopoldo Sánchez, enquanto
elemento unificador, serve de alguma forma esse
desígnio nas duas narrativas
deste álbum que, na verdade, tanto podem ser encaradas sob esse
prisma como sendo dois extremos de uma (extensa?) linha temporal.
Comecemos
pela segunda, Una casa de
reposo em las afueras,
em que encontramos um jovem Malone, recém-formado e sofrendo a perda
recente do pai, a
viver
ainda em casa da mãe (que
se quer ver livre dele…) e
se entrega à preguiça e à depressão. Como único prazer - e
imagem de marca que já imagino alguns a repudiar, entre benzeduras
ou activismo ecológico exacerbado - tem o vício
do tabaco.
Convencido
pela mãe a passar algum tempo numa casa de repouso, com o fito de se
(re)encontrar e recuperar o gosto pela vida, conforme vai conhecendo
os outros hóspedes - Picasso, Bonaparte, Churchill… - descobre que
se encontra num verdadeiro manicómio, que, a alguns - menos malucos!
- serve de cobertura para negócios ilegais e falsificação de obras
de arte.
Relato
policial, com retoques de humor negro e crónica social, apesar
de vir em segundo lugar, esta narrativa serve
- serve? - para apresentar
de forma mais completa Malone
aos
seus leitores, como
alguém
incapaz de se afirmar, um
eterno perdedor, mesmo quando tudo aponta - parece
apontar… - para
o seu sucesso.
O
traço de Sánchez - que
alguns recordarão dos anos 80, do
seu Bogey
ou das histórias publicadas na
Cimos
ou na
K.O. Comics -
‘herdado’ dos clássicos de terror dos anos 1950, um estilo
semi-caricatural, servido por um preto e branco constrastado, com
predomínio dos negros, e o recurso abundante a tracejados para
definir volumes e sombras,
ajuda a transmitir o tom adequado
à narrativa.
E
fá-lo de forma ainda mais eficaz na outra história do livro, a que
o abre, na realidade, Apocalipsis,
uma pequena obra-prima de humor negro - que alguns dos já citados
acima acharão horrorosamente ofensiva! - que parte da descrição
bíblica para imaginar a ressurreição dos mortos para o grande
julgamento final nos nossos dias. Entre o excesso de população
actual, agravado pela ressurreição de muitos milhões de falecidos,
nos mais diversos estados, desde aqueles que ainda estão nos caixões
aos que recobram vida em avançado estado de decomposição, a
incapacidade de anjos e querubins de
os conduzirem e manterem
a ordem, a febre mediática na cobertura de mais um ‘evento’, com
recurso abundante às imbecis reportagens de rua, a divulgação do
apocalipse nas redes sociais e o aproveitamento dos ajuntamentos
pelos vendedores de pipocas, cachorros-quentes e flores, Sánchez
traça
um retrato tão verídico como assustador dos nossos dias.
E
Pepe Malone nisto tudo? - perguntarão os leitores. Bem, também
ressuscitado, anda por lá, desesperado por um cigarrinho!
Nota
final
Se
o selo Evolution Comics,
da Panini espanhola, tem tido o mérito inegável na
recuperação de alguns
clássicos e na
apresentação de obras
contemporâneas do país vizinho, tem faltado em (quase?) todas as
edições um - pequeno… - texto que situe a obra e/ou o autor
e sirva de complemento à leitura. É o que acontece mais uma vez
neste Pepe Malone.
Pepe
Malone
Apocalipsis
/Una casa de reposo em las afueras
Leopoldo
Sánchez
Panini/Evolution
Comics
Espanha,
28 de Novembro de
2019
297
x 210 mm,
80
p., pb, capa dura
15,00
€
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