06/12/2019

Pepe Malone

Pau para toda a obra





É o sonho de muitos autores: ter uma personagem - nalguns casos, um herói - que permita contar todo o tipo de histórias, independentemente do género ou da época.

Pepe Malone, criação de Leopoldo Sánchez, enquanto elemento unificador, serve de alguma forma esse desígnio nas duas narrativas deste álbum que, na verdade, tanto podem ser encaradas sob esse prisma como sendo dois extremos de uma (extensa?) linha temporal.
Comecemos pela segunda, Una casa de reposo em las afueras, em que encontramos um jovem Malone, recém-formado e sofrendo a perda recente do pai, a viver ainda em casa da mãe (que se quer ver livre dele…) e se entrega à preguiça e à depressão. Como único prazer - e imagem de marca que já imagino alguns a repudiar, entre benzeduras ou activismo ecológico exacerbado - tem o vício do tabaco.
Convencido pela mãe a passar algum tempo numa casa de repouso, com o fito de se (re)encontrar e recuperar o gosto pela vida, conforme vai conhecendo os outros hóspedes - Picasso, Bonaparte, Churchill… - descobre que se encontra num verdadeiro manicómio, que, a alguns - menos malucos! - serve de cobertura para negócios ilegais e falsificação de obras de arte.
Relato policial, com retoques de humor negro e crónica social, apesar de vir em segundo lugar, esta narrativa serve - serve? - para apresentar de forma mais completa Malone aos seus leitores, como alguém incapaz de se afirmar, um eterno perdedor, mesmo quando tudo aponta - parece apontar… - para o seu sucesso.
O traço de Sánchez - que alguns recordarão dos anos 80, do seu Bogey ou das histórias publicadas na Cimos ou na K.O. Comics - ‘herdado’ dos clássicos de terror dos anos 1950, um estilo semi-caricatural, servido por um preto e branco constrastado, com predomínio dos negros, e o recurso abundante a tracejados para definir volumes e sombras, ajuda a transmitir o tom adequado à narrativa.
E fá-lo de forma ainda mais eficaz na outra história do livro, a que o abre, na realidade, Apocalipsis, uma pequena obra-prima de humor negro - que alguns dos já citados acima acharão horrorosamente ofensiva! - que parte da descrição bíblica para imaginar a ressurreição dos mortos para o grande julgamento final nos nossos dias. Entre o excesso de população actual, agravado pela ressurreição de muitos milhões de falecidos, nos mais diversos estados, desde aqueles que ainda estão nos caixões aos que recobram vida em avançado estado de decomposição, a incapacidade de anjos e querubins de os conduzirem e manterem a ordem, a febre mediática na cobertura de mais um ‘evento’, com recurso abundante às imbecis reportagens de rua, a divulgação do apocalipse nas redes sociais e o aproveitamento dos ajuntamentos pelos vendedores de pipocas, cachorros-quentes e flores, Sánchez traça um retrato tão verídico como assustador dos nossos dias.
E Pepe Malone nisto tudo? - perguntarão os leitores. Bem, também ressuscitado, anda por lá, desesperado por um cigarrinho!

Nota final
Se o selo Evolution Comics, da Panini espanhola, tem tido o mérito inegável na recuperação de alguns clássicos e na apresentação de obras contemporâneas do país vizinho, tem faltado em (quase?) todas as edições um - pequeno… - texto que situe a obra e/ou o autor e sirva de complemento à leitura. É o que acontece mais uma vez neste Pepe Malone.

Pepe Malone
Apocalipsis /Una casa de reposo em las afueras
Leopoldo Sánchez
Panini/Evolution Comics
Espanha, 28 de Novembro de 2019
297 x 210 mm, 80 p., pb, capa dura
15,00

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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