‘Quem
sabe. Talvez seja para isso que servem as histórias?
Para
nos ajudarem a viver.’
In
Les couloirs aériens
Yvan
tem 50 anos. Em pouco tempo perdeu a mãe, o pai e o emprego. E a
esposa foi trabalhar para o estrangeiro. E
os filhos vivem longe.
Só,
sem ocupações, instalado na cabana isolada de um amigo, no
meio do nada (do Jura), coberto de neve, tem
apenas as histórias do passado e a antevisão de um futuro… sem
futuro.
Uma
dessas histórias - que o marcou, bem como aos amigos, aconteceu na
festa de aniversário de um conhecido de amigos, que festejava os 50
anos. Quando
Yvan
e os amigos tinham só 20, a
ignorância, os preconceitos e a sobranceria dessa idade, todo
o desprezo pelos mais velhos, a convicção de que tinham o mundo
para conquistar, que seriam diferentes em tudo.
A
noite, gozada ao máximo, marcaria os dias seguintes e também as
suas vidas - de formas diferentes, caso a caso.
(Naturalmente)
cerca
de 20 anos depois de Alguns dias com um mentiroso
- um dos livros da minha vida - que explorava os sonhos - realizados
ou não - e as decepções - concretizadas - de um grupo de
companheiros
trintões, Davodeau - com dois amigos, Joub, parceiro de longa data,
e Hermenier, grafista e fotógrafo, aborda a chegada aos 50 anos - à
(falsa) meia-idade.
Fá-lo
com o realismo habitual, com o seu traço eficaz, dinâmico,
expressivo e extremamente legível e narrativo. E fá-lo, sobretudo,
com a sua superior capacidade de escrever diálogos coerentes,
credíveis, reais, daqueles que transformam as personagens de papel
em gente que conhecemos, com quem nos cruzamos, com quem
possivelmente até nem sequer nunca falamos, mas que reconhecemos - e
reencontramos - nas páginas deste livro.
Um
livro que marca o regresso do autor à ficção - de que estava
ausente desde (o também muito aconselhável) Lulu,femme nue
(há alguma obra dele que porventura
não o seja…?) - retomando o vaivém entre a ficção, a reportagem
e o documentário - desenhados - que
tem marcado a sua carreira.
Fá-lo,
de novo, com (evidentes) apontamentos autobiográficos - embora
esteja desta vez ausente no papel - misturando as suas experiências
e as dos seus amigos, com a história de Yvan que nos está a contar.
Uma
história cujo tom acompanha os estados de alma do protagonista,
entre a depressão, a euforia pontual, o refúgio nas memórias ou o
reencontro (passageiro…?) com a felicidade, com pequenos momentos
de felicidade… que todos temos, mas nem sempre queremos admitir ou
prolongar, preferindo- tantas vezes! - cair na
flagelação própria e na auto-comiseração.
História(s)
de encontros
e desencontros
- principalmente com o passado, as memórias, as histórias - Les
couloirs aériens,
na
linha do trabalho anterior do autor, mais do que dar respostas - que
ninguém tem - prefere apontar caminhos, criar hipóteses, aflorar
sugestões. Em suma, sem lições de moral nem paternalismos, reflecte sobre a vida, sobre a nossa vida, sobre
as vidas de tantos, mas sem deixar nunca de afirmar - convictamente -
que o fim só chega (cedo) quando nós deixamos e que há sempre
caminhos alternativos - os amigos, as
ligações que criámos, os
recomeços, as paixões e os sonhos que vivemos ou abafamos - que
podemos percorrer.
Enquanto
quisermos viver.
Les
couloirs aériens
Étienne
Davodeau, Joub e Christophe Hermenier (argumento)
Étienne
Davodeau (desenho)
Christophe
Hermenier (fotografias)
Futuropolis
França,
23 de Outubro de 2019
220
x 300 mm, 112 p., cor, capa dura
19,00
€
(imagens
disponibilizadas pela editora Futoropolis; clicar nelas para as
desfrutar em toda a sua extensão)
Muito bem Pedro, muito bem analisado, e bem visto o paralelo com Alguns dias com um mentiroso.
ResponderEliminarObrigado RC!
EliminarBoas leituras!