27/06/2023

Urlo - Grito no escuro

O desconhecido e o incompreensível como base do terror


Representar o terror é, desde sempre, algo difícil de concretizar, talvez porque é uma das emoções mais fortes que o ser humano pode sentir e cuja origem varia de pessoa para pessoa.
Urlo - Grito no escuro, uma edição da Escorpião Azul já com um ano, que corre o risco de passar despercebida entre tantas novidades com que a BD nos tem presenteado nos últimos tempos, consegue fazê-lo assente em dois vectores principais: o desconhecido e o incompreensível.

A história começa de noite, horário ideal para todos os terrores, quando um homem é parado na estrada por alguém que pede socorro. Apanhado na armadilha, é levado para uma construção próxima, onde é mutilado para alimentar uma estranha criatura. Melhor, para lhe abrir o apetite, porque o verdadeiro pesadelo ainda está para começar.

Sem qualquer explicação, sem dados para que a razão o processe, é-lhe dito que terá de correr. Correr o mais que puder, para atravessar a floresta, cruzar uma ponte e chegar ao barracão que existe do outro lado. Se atingir esse objectivo será libertado. Pormenor não displicente: a besta (que o provou), vai ser libertada no seu encalço.

Ferido, aterrorizado, desconhecendo - e nós com ele… - que animal é aquele que o persegue, ignorando porque foi escolhido para aquela provação, o protagonista sem nome, o que adensa o mistério e a curiosidade, desata a correr.

Numa história quase sem diálogos, o que potencia a essência da banda desenhada enquanto narrativa sequencial, o desenho torna-se ainda mais preponderante para transmitir as emoções. Para isso, umas vezes o leitor assume os olhos do protagonista, vendo o que ele vê, os obstáculos de que tem de se desviar; outras, afasta-se dele, para avaliar a sua postura, o constante olhar para trás, as breves paragens para retomar forças.

Felizmente, Luca Conca, que também co-assina o argumento com Gloria Ciapponi não tem um desenho de encher o olho - longe disso - e não seria, certamente, um belo grafismo o mais indicado para uma história tensa e enervante, pois haveria o risco de o leitor se perder em belos pormenores. O seu traço é até agreste e impreciso, embora legível e com o dinamismo necessário para imprimir um ritmo de cortar o fôlego e fazer subir a adrenalina. Embora, a abrir e a fechar, nas únicas páginas coloridas da edição, mostre potencialidade para outro tipo de registo, num contraste marcante, visual e narrativo, com o negrume do relato e o cinzento que impera na maioria das pranchas.

Como em todas as narrativas de terror, o final imprevisto surpreende o leitor e aumenta a sensação de inquietude que perpassa por todo o livro e parece dar voz à incómoda pergunta: e se nos acontecesse a nós?


Urlo - Grito no escuro
Gloria Ciapponi (argumento)
Luca Conca (argumento e desenho)
Escorpião Azul
Portugal, Março de 2022
104 p., 16,00 €

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online a 16 de Junho de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Escorpião Azul; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre o tema destacado)

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