19/04/2010

Quadradinhos que valem milhares

Se em Portugal não há edições que atinjam o milhão e meio de dólares pagos há dias pela Action Comics #1 onde nasceu o Super-Homem, colecções de títulos marcantes como o Papagaio, o Mosquito, ou o Cavaleiro Andante podem render alguns milhares de euros.
Para fazer uma estimativa desses valores, o Jornal de Notícias contactou alguns dos principais livreiros do sector, que desde logo salvaguardam as devidas (e enormes) distâncias existentes entre o meio nacional e o norte-americano, a todos os níveis. O que não quer dizer que alguns títulos não façam alguns perder a cabeça em negócios que podem chegar às dezenas de milhares de euros. Por isso um coleccionador, para além de ter sempre disponíveis “uns trocos no bolso”, o que é complicado em tempos de crise, tem de ser dotado de grande paciência num negócio em que não há cotações fixas, pois estão dependentes do estado de conservação das peças, da oferta e da procura.
Assim, por exemplo, uma colecção completa do Papagaio (722 números), bastante difícil de se encontrar, pode valer uns 5 mil euros, revelou José Manuel Vilela, da Livraria do Duque, em Lisboa. No entanto, como esta revista, dirigida por Adolfo Simões Müller, foi a primeira a publicar em todo o mundo as aventuras de Tintin a cores, os números em que o repórter aparece na capa, muitas vezes desenhado por autores nacionais, ou com o colorido criado em Portugal e nunca mais utilizado, têm grande procura por parte de belgas e franceses de Hergé (uma procura potenciada por uma referência feita à revista por Durão Barroso numa entrevista a uma estação de televisão belga), podendo ser transaccionados por 20 ou 30 euros cada um, acrescenta Alberto Gonçalves da Timtimportimtim, no Porto. Nos últimos anos, são também bastante valorizados, por pessoas que vêm de fora da BD, de áreas como o design ou a pintura, as revistas que incluem histórias aos quadradinhos criadas por artistas agora conceituados como Júlio Resende, Stuart Carvalhais ou Júlio Gil. Aliás, geralmente, vendem-se mais números soltos para completar colecções ou substituir edições em pior estado, do que colecções completas, cada vez mais difíceis de aparecer, como refere a livraria Chaminé da Mota, no Porto, tornando mais difícil satisfazer as listas de pedidos em espera dos seus clientes. Por isso um coleccionador, para alem de ter “uns trocos no bolso”, o que é mais complicado em tempos de crise, tem de ser dotado de grande paciência. E, claro está, neste tipo de negócio não há cotações fixas, pois estão dependentes do estado de conservação das peças, da oferta e da procura.
Outras revistas das décadas de 30, 40 e 50 do século passado, a Época de Ouro das publicações infanto-juvenis em Portugal, atingem também valores considerados interessantes: é o caso do Diabrete (887 números) e do Cavaleiro Andante (556), transaccionados por cerca de 3000 €, ou do Camarada (194) por metade daquele valor. O Mundo de Aventuras, espalhado por quase quatro décadas, cinco séries e mais de 2 mil números é, por isso, difícil de cotar. Mais valorizada, é a mítica revista Mosquito (1412 edições), que fez as delícias dos miúdos nas décadas de 30 e 40, cujas cerca de 50 colecções existentes no país, na estimativa de José Vilela, podem valer até 7500 euros. Mas, segundo José Oliveira, do site BDPortugal, que tem listados cerca de metade dos 60 mil títulos de BD editados desde sempre no nosso país, estas colecções têm vindo a perder valor. Isto acontece porque grande parte dos coleccionadores procura os títulos que leu na sua infância e juventude e a geração do Mosquito, por exemplo, tem hoje para cima de 70 anos…
Por isso, compreende-se quando a livraria Paraíso dos Livros revela que as colecções mais procuradas actualmente são as do Tintin (728 números, cujo valor pode chegar aos 1500 €) e do Jornal do Cuto (174 números, 500 €), datadas dos anos 70; ou seja, correspondentes à geração que conta hoje 40 anos.
Claro que, quando se fala de colecções que por vezes duraram mais de uma dezena de anos e atingiram centenas de números, há exemplares mais raros do que outros, normalmente, os primeiros números, mais antigos, e os últimos, correspondentes à fase de declínio, de tiragem menor.
Mas há excepções como, por exemplo, o número de Natal de 1938 do Papagaio, devido à separata com uma BD completa de Júlio Resende, os Mundos de Aventuras #1 a #44, da 1ª série, devido ao seu formato tablóide de difícil conservação, ou o quinto volume da Colecção Audácia que, por razões desconhecidas, triplica os 500 € dos quatro tomos iniciais.
Mas para além destes, há dois casos paradigmáticos citados por todos. O mais antigo corresponde às edições #73 e #74 do Gafanhoto, dos anos 40, que foram impressos mas não distribuídos, por terem sido alvos de um auto de apreensão (cujas causas são desconhecidas) executado pela Polícia Judiciária e de que se conhecem pouquíssimos exemplares que, por esse motivo, não têm cotação. Outro exemplo é o da Fagulha #391, que deveria ter seguido para os quiosques logo após o dia 25 de Abril de 1974. Como era uma publicação da Mocidade Portuguesa, foi destruída juntamente com muitas outras edições, existindo apenas os exemplares que já tinham seguido por correio para os assinantes. Desta forma, se os números #1 a 390# são cotados em cerca de 1000 €, a colecção completa já foi vendida por 1500 euros. Valores semelhantes a estes podem ser encontrados na Internet, quer em sites especializados, quer nos de leilões, onde com alguma regularidade surgem números soltos destas e de outras revistas.
Numa época em que as revistas praticamente desapareceram, os valores atingidos pelos álbuns hoje tão em voga estão longe de ser tão atractivos. Mesmo assim, há alguns da Meribérica (Blueberry, Valérian), dos anos 80, que já ultrapassam os 100 euros, e as poucas edições do Camarada (anos 60) estão cotadas próximas dos 300 euros, pertencendo a uma desses álbuns – Clorofila e os Quebra Ossos – o recorde de venda de um livro de BD em Portugal: 575 euros.

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 14 de Abril de 2010)

16/04/2010

Lendas de Portugal em BD

Teresa Cardia (argumento e cor)
Rui Alves (desenho de cenários e cor)
Sara Coelho (desenho de personagens e cor)
Deu-La-Deu Martins
Sopa de Letras + Câmara Municipal de Monção (Portugal, Abril de 2009)
A Lenda do Rio Lima
Sopa de Letras + Câmara Municipal de Ponte de Lima (Portugal, Dezembro de 2009)
197 x 278 mm, 8 p., cor, sem capa


Projecto de três autores portugueses, com formação académica em áreas distintas que vão desde o ensino e a educação ao design, passando pela arquitectura, visa criar uma colecção de lendas portuguesas em banda desenhada, essencialmente vocacionada para o público infanto-juvenil.
Editadas pela Sopa de Letras, uma chancela da Principia Editora, têm o formato de cadernos de 8 páginas, e para cada lenda é procurado o apoio da edilidade do concelho a que a narrativa diz respeito, estando já concretizados dois títulos: Deu-La-Deu Martins e A Lenda do Rio Lima.
O projecto prevê a reunião em livro de conjuntos de dez lendas, assim os autores encontrem os apoios necessários para as concretizar.
O princípio narrativo é comum: a equipa de filmagens Papafilmes chega à cidade onde teve lugar a acção da lenda a contar, para fazer uma versão cinematográfica dela. Desta forma, conseguem reduzir a quantidade de texto, sem prejudicar a compreensão das lendas, transmitidas assim de forma leve e descontraída.
Para isso contribuem também alguns apontamentos de humor, a utilização de um traço semi-humorístico, servido por cores agradáveis, e uma planificação variada, com alternância de enquadramentos e planos, que tornam o projecto sem dúvida adequado para o segmento a que se destina.

15/04/2010

Ric Hochet #77 – Ici 77!












André-Paul Duchateu (argumento) Tibet (desenho) Éditions du Lombard (Bélgica, Março de 2010) 222 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado

Nota Introdutória Apesar de ter sido leitor fiel do Mundo de Aventuras – o que diversificou e tornou mais heterogénea a minha formação aos quadradinhos – li também o Tintin quase todo, em revistas emprestadas. E entre os seus heróis, um houve que marcou a minha infância e adolescência, Ric Hochet, o jornalista/detective, que inspirou muitas das minhas brincadeiras. 

14/04/2010

BD e religião

Criada à imagem e semelhança dos autores que nela trabalham e do meio em que estão inseridos, a banda desenhada, naturalmente, tem abordado de forma recorrente questões religiosas.
Essas abordagens têm sido feitas sob os mais variados prismas, da pura ficção à narrativa de episódios históricos, narrando biografias ou ilustrando a própria Bíblia.
Neste último exemplo encaixa-se The Book of Genesis Illustrated (W.W. Norton & Company), de Robert Crumb, pai da BD underground e autor provocador, lançado no final de 2009, que prometia polémica mas que se revelou apenas uma leitura fiel do primeiro livro da Bíblia, tendo por base o texto integral, ilustrado de forma clássica e com muita mestria. Na mesma linha e na mesma época, surgiu “Yeshuah – Assim em cima, assim em baixo” (Devir Livraria), dos brasileiros Laudo Ferreira e Omar Viñole, primeiro tomo de uma trilogia sobre a vida de Cristo.
São dois exemplos recentes de uma linhagem já com algumas décadas, que inclui versões clássicas, próximas do texto original, como a “História do Povo de Deus - Bíblia em Banda Desenhada em 8 Volumes” (Edições Salesianas), de Thivolier e Charpentier, ou “La Bible” (Delcourt), de Camus, Dufranne e Zitko.

Mas também existem versões em manga (banda desenhada japonesa), como “The Manga Bible” (Hodder and Stoughton), uma versão condensada criada pelo britânico Siku em 2007, que tomou como ponto principal “mostrar a humanidade de Cristo", ou "The Manga Bible Story-japanese: Comic Book Style Bible", do japonês Masakazu Higuchi.
A outro nível, a Bíblia serviu de inspiração a Charles Schulz o criador dos "Peanuts", um luterano convicto, que muitas vezes utilizou versículos citados por Charlie Brown ou Snoopy (o que esteve na origem do livro "The Gospel According to Peanuts" (1965) do pastor presbiteriano Robert L. Short), ou a Maurício de Sousa, que ilustrou um álbum intitulado "Passagens Bíblicas com a Turma da Mônica".
Num contexto histórico encontram-se biografias ou relatos como “Don Bosco” (Dupuis), feita em 1949 por Jijé, futuro criador de Spirou e Jerry Spring, “Fátima”, do mestre português Eduardo Teixeira Coelho, ou “Avec Jean-Paul II” (Éditions du Triomphe), por Dominique Bar, Louis-Bernard Koch e Guy Lehideux, este últim editado pouco antes da sua morte. Este papa aliás, esteve no centro de uma outra BD, polémica, do artista plástico colombiano Rodolfo Leon, “El Increible HomoPater”, que o mostrava como super-herói, regressado dos mortos, treinado por Batman e Super-Homem…
Outros papas inspiraram autores de BD, em registos ficcionados. É o caso, para referir edições disponíveis em português, de “Bórgia” (ASA), um retrato virulento e licencioso do ministério papal de Alexandro VI, aliás Rodrigo de Bórgia, no século XV, traçado em função dos seus actos violentos, das suas intrigas e da sua prepotência, ou a série “Escorpião”, que conta as aventuras de um caçador de relíquias sagradas, em busca da verdadeira cruz onde o apóstolo Pedro foi crucificado para, desmascarar o novo papa Trebaldi, ou o mais clássico "Vasco", de Chailet, sobre as lutas pelo poder - ecular e religioso - na Itália do século XIV.

As teorias da conspiração, na sequência do êxito do Código Da Vinci, de Dan Brown tem inspirado muitos autores franco-belgas – embora algumas delas lhe sejam anteriores –, destacando-se, por exemplo “Le Triangle Secret”, escrito por Didier Convard, que já teve diversas sequelas, que tem por base o pressuposto que Jesus teria um irmão gémeo que ocupou o seu lugar após a crucificação, segredo que uma poderosa organização tentou a todo o custo manter até aos nosso dias.
A mesma base preside a “Revelações” (BDMania), de Paul Jenkins e Humberto Ramos, um policial que decorre em pleno Vaticano, onde se confrontam fé e razão. Na mesma linha está “O terceiro Testamento” (Witloof), de Dorison e Alice, que narra uma longa investigação de um inquisidor caído em desgraça.
Bem original é “Dieu en personne” (Delcourt), um verdadeiro ensaio em BD sobre a divindade da autoria de Marc-Antoine Mathieu que tem como ponto de partida o regresso de Deus à Terra que criou, para ver o seu estado, combater a solidão que sente e aprender a faculdade de rir, terminando tudo num mega-processo conta Ele.
Para finalizar esta relação, obrigatoriamente curta e subjectiva, em "Pourquoi j’ai tué Pierre" (Delcourt), embora datado de 2006, Oliver Ka, com o desenhador Alfred, aborda de forma pudica e sensível, num registo autobiográfico que serviu para exorcizar os seus fantasmas, um tema que infelizmente faz a actualidade: a pedofilia na Igreja Católica.
Mas não só do cristianismo se alimenta a banda desenhada. “Mágico Vento”, um western Bonelli, criado por Gianfranco Manfredi, que chega mensalmente aos nossos quiosques na edição brasileira da Mythos, é protagonizado por um branco que é também um xamã sioux, abordando muitos temas relacionados com as crenças dos índios norte-americanos e com o sobrenatural. Sobrenatural, também, é o Hellboy de Mike Mignola, de que a G-Floy Studios acaba de lançar entre nós “Terras Estranhas”, um demónio evocado pelos nazis mas que se torna no seu maior adversário, combatendo também outros seres fantásticos e demoníacos.
Adéle Blanc-Sec, a invulgar heroína de Tardi, cujas aventuras extraordinárias foram parcialmente editadas pela Bertrand e pela Witloof, e cuja adaptação cinematográfica da responsabilidade de Luc Besson chegará em breve aos cinemas, combate uma seita de adoradores do demónio assírio Pazuzu que exigia sacifícios humanos, tal como o culto de Moloch-Baal com que se viu a braços em “O Túmulo Etrusco” (Edições 70) Alix, o jovem herói da antiguidade clássica a que Jacques Martin deu vida
E foi sobre crendices e superstições, cuja fronteira com a religião é muitas vezes ténue, que Goscinny e Uderzo se debruçaram no irresistível “Astérix e o Adivinho” (ASA).

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Abril de 2010)

13/04/2010

O Corvo

Edgar Allan Poe (poema)
Gustave Doré (ilustrações)
Fernado Pessoa e Juan António Pérez Bonalde (traduções)
Libri Impressi (Portugal, 2010)


Não é BD, é verdade, mas nem só de banda desenhada se fazem as minhas leituras.
Mas é (mais) uma bela edição, com a marca de Manuel Caldas, que desta forma nos faz descobrir mais um belo tesouro, no caso a (improvável) reunião num só livro, de quatro génios de nacionalidade diferente e existências curtas e atribuladas: Poe (1809-1849), norte-americano, o autor do mais famoso poema da literatura americana, alvo de muitas adaptações; Doré (1832-1883), francês, autor das magníficas e expressivas gravuras deste livro, que constituíram o seu último trabalho; Pessoa (1888-1935), português, responsável pela tradução portuguesa; Juan António Pérez Bonalde (1846-1892), poeta venezuelano, tradutor da versão castelhana (pois trata-se de uma mais edição bilingue da Libri Impressi, pois o mercado castelhano é indispensável para garantir a viabilidade destas edições).
A base é o poema de Poe, O Corvo (The Raven), um dos mais conhecidos, traduzidos e adaptados textos da literatura norte-americana (e mundial…), aqui superiormente ilustrado por Doré, com um traço hiper-realista…
Já disponível nas livrarias (ou não, os mistérios da distribuição em Portugal continuam a ser muitos), pode também (deve…) ser encomendado directamente ao editor.

08/04/2010

Aqui há gato #6 – Formação desordenada

Darby Conley (argumento e desenho)
Bizâncio (Portugal, Fevereiro de 2010)
212 x 222 mm, 130 p., pb, brochado com badanas


O “desordenada” do título é um dos adjectivos aplicáveis a esta tira, ou melhor, aos seus protagonistas: Satchel, o cão, pacato, preguiçoso, comilão e estúpido até dizer chega – “chego onde?” -; Bucky, o gato, cruel, violento, sádico e abusador, perito em esgotar cartões de crédito; Rob, o ser humano, supostamente dono deles – mas na prática seu criado (não há tantos assim hoje em dia…?) – e vítima principal da relação de amor (de Satchel) /ódio (de Bucky).
Com eles, de forma sustentada, Darby Conley, constrói um micro-cosmos pontualmente alargado com o pai, um amigo ou uma eventual namorada de Rob, os companheiros felinos e caninos dos dois animais ou o furão, inimigo jurado de Bucky, no qual aborda temas globais como o desporto (basquetebol, râguebi, basebol ou o seio de fora de Janet Jackson na final da Superbowl, ou não fosse esta uma tira diária de imprensa norte-americana), a guerra do Iraque, a religião, o turismo, as espécies em vias de extinção, a alimentação ou até tiras concorrentes, como Garfield. E nos dá, com justificação de sobra, todas as razões para abominarmos animais em vias de se tornarem como Satchel e Bucky!
Tudo de uma forma irónica e divertida – mesmo quando levanta questões sérias - , com um traço muito expressivo, especialmente ao nível das fisionomias, bem mais trabalhado, pormenorizado e conseguido do que é costume neste tipo de banda desenhada.

(Texto publicado originalmente a 3 de Abril de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

07/04/2010

As Aventuras de Zé Leitão e Maria Cavalinho #5 – Os artistas da Almofadinha verde

Pedro Leitão (texto e desenho)
Gailivro (Portugal, Fevereiro de 2010)
226 x 300 mm, 48 p., cor, cartonado


Este é um caso raro na banda desenhada portuguesa: uma série com continuidade, que vai sendo desenvolvida – de forma coerente e sustentada – álbum após álbum. E este já é o quinto.
Mérito do autor, que tem apresentado trabalho, mérito da editora, que tem apostado nele, e mérito dos leitores - que foram conquistados - e garantem as (indispensáveis) vendas para sustentar o projecto.
De cariz infanto-juvenil, área tão importante, pela sua característica formativa – tout-court e de leitores de BD – e tão pouco (e mal) explorada nos tempos que correm no nosso país, no que aos quadradinhos diz respeito, este álbum narra mais uma aventura da família composta pelo porco Zé Leitão, a égua Maria Cavalinho, e o seu filho (porco, também) Filipe Cavalinho Leitão. Como tema de fundo, explorado de forma breve e livre, surgem a pintura e as exposições de arte, que no contexto contribuem para o aprofundar dos laços dos protagonistas. Simples, mas importante (e tão esquecido nos dias que correm…)
Ancoradas sempre na realidade, estas histórias surpreendem especialmente pela forma como, no seu desenvolvimento, o autor consegue interligar o real com o imaginário (infantil), de uma forma tão inesperada quanto natural, de forma que a acção continua a decorrer como se nada de espectacular tivesse acontecido. Veja-se, neste livro, como uma viagem de carro tão depressa se transforma num passeio aéreo a bordo de uma prancha de surf, sem que ninguém se pareça aperceber quão invulgar é tal facto!
Para essa boa interligação, contribui também o desenho, simples como o público-alvo obriga, de cores não muito vivas mas agradáveis, e suficientemente dinâmico e expressivo para complementar a narrativa e dotá-la dos ritmos certos.

(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 27 de Março de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

06/04/2010

Tex Edição Histórica #77 – Mescaleros!

Giovanni Luigi Bonelli (argumento)
Guglielmo Letteri (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Julho de 2009)
135 x 178 mm, 324 p., pb, brochado


Resumo
Um bando de índios mescaleros, liderados por um tal Lucero, espalha o terror e a morte nos ranchos e povoados próximos da fronteira entre os Estados Unidos e o México, aparentemente desaparecendo neste último território após cada assalto. Nomeados e, depois, retirados do caso pelo governo, para não criarem problemas com o governo mexicano, Tex Willer, Kit Carson, Jack Tigre e Kit Willer, decidem assumir o caso a título pessoal.

Desenvolvimento
Esta é mais uma história bem escrita e desenvolvida a bom ritmo por Giovanni Luigi Bonelli que, em relação a outros relatos do ranger, tem algumas particularidades que justificam esta chamada de atenção.
Desde logo o esquema engenhoso e bem montado que permite aos mescaleros desapa-recer sem deixar rastos após cada massacre, o que faz com que, durante grande parte do relato, Tex e os seus companheiros andam positivamente às cegas, sem conseguirem antecipar os movimentos dos bandidos, para os impedir, nem encetarem com êxito uma perseguição, para os capturar. Algo que não é muito habitual em histórias protagonizadas por Tex Willer. A boa cobertura de que Lucero dispõe, sob outra identidade, tem também um peso significativo para que as coisas se desenrolem desta forma.
Depois, pese embora os métodos utilizados, a verdade é que o fim a que o chefe dos mescaleros se propõe – a recuperação dos territórios de que o seu povo foi espoliado – noutra conjuntura seria um motivo para o ranger se colocar ao seu lado, como aconteceu em tantas outras das suas aventuras. O que mostra Tex sob a óptica de uma inesperada dualidade de critérios… O que o torna mais humano?
Finalmente – e este é, para mim, a razão principal – o facto de Tex nunca estar face a face com o chefe do bando de mescaleros ao longo de todo o relato, encontrando-o apenas depois de morto e enterrado, nunca conseguindo consumar – pessoalmente – os desejos de justiça (e vingança…) que o movem, confere ao relato – e em Lucero em particular - uma aura especial.
Graficamente, confesso que o desenho de Letteri, possivelmente pressionado pelos prazos de entrega, algo (quase) inevitável em publicações que têm que chegar às bancas periodicamente, não me seduziu com a maioria dos rostos demasiado parecidos, algumas posturas demasiado rígidas e desequilíbrios no tratamento dos fundos das vinhetas.
Para finalizar, a título de curiosidade, pelo invulgar da imagem no contexto do universo do ranger, deixo uma referência para as duas últimas vinhetas da página 310, em que Lucero surge – literalmente – ameaçado pela imagem da morte.

A reter
- Os aspectos originais da historia desenvolvidos atrás.

Menos conseguido
- Os desequilíbrios do desenho. Noutros contextos editoriais ou no meio cinematográfico, não seria descabido que um argumento destes fosse redesenhado ou filmado de novo.

Curiosidades
- Na vinheta aqui reproduzida, Tex faz uma “promessa” que fica por cumprir… outro facto raro na sua carreira.
- Esta história foi original-mente publicada em Itália entre Maio e Agosto de 1973, nos números 151 a 154 do Tex italiano, e no Brasil surgiu na revista Tex, números 62 a 64, e também na Tex Colecção, entre os números 203 e 205.


(Texto publicado originalmente a 26 de Março de 2010 no Tex Willer Blog)

05/04/2010

80 Jours

Olivier Guéret (argumento)
Nicolas Vadot (argumento e desenho)
Casterman (França, Agosto de 2006)
240 x 320 mm, 72 p., cor, cartonado


Uma boa ideia por si só faz um bom livro (um bom filme, uma boa peça teatral…)? Não. Mas ajuda. Muito.
Quantas vezes lemos/ouvimos aquela ideia de que alguém, nos últimos momentos de vida, "reviveu toda a sua vida, como que num filme…"? Muitas, com certeza. E de certa forma é este princípio que preside a "80 jours", mas transformado na tal boa ideia.
Porque o protagonista, um octogenário, não revê a sua vida no leito de morte, tem antes a hipótese de a reviver - ou viver de novo - ao ritmo de um ano por dia, pois, por razão inexplicável (e inexplicada) acorda cada manhã um ano mais novo. Recuperando progressivamente a sua saúde, as suas capacidades físicas, as suas capacidades intelectuais, o seu vigor. Sem saber porquê, mas também sem se preocupar muito com isso. E rapidamente desiste de pensar no que fazer de uma vida que se esvai com data marcada enquanto se renova dia-a-dia.
Edmond, assim se chama o protagonista criado por Vadot e Guéret, aproveita para gozar a vida (renovada) que lhe foi concedida, sem falsos moralismos nem tentativas de corrigir o que quer que seja, dando-se até ao luxo de cometer novos excessos: volta a fumar, comete um assassínio… - qual o problema se só vai viver umas quantas semanas mais? Isto enquanto reavalia à luz da nova realidade, as tensões relacionadas com cada nova etapa da vida do ser humano (a velhice, a meia-idade, a juventude, a adolescência…).
Ao mesmo tempo que vê crescer um desejo latente, até se tornar quase em obsessão: conquistar Juliette, a jovem e sedutora enfermeira que o assistia na sua doença e que é testemunha incrédula da transformação que se vai desenrolando perante os seus olhos.
O que falha então em "80 jours"? Por um lado, fica a sensação de que faltaram páginas aos autores para explanarem completamente as ideias que estiveram na base do projecto. Depois, o desenho de Vadot, que apesar de ser inspirado nalgumas sequências, noutras é francamente desinteressante, e, finalmente, a conclusão - que não revelo porque apesar disso a leitura recomenda-se - porque demasiado previsível.

(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #15 de Outubro/Novembro de 2006)

01/04/2010

As Melhores Leituras de Março

O Quim e o Manecas contra a terrível quadrilha do "Pé Fatal" (Círculo de Leitores), de Stuart Carvalhais
Aqui há gato #6 – Formação Desordenada (Bizâncio), de Darby Conley
As incríveis aventuras de Dog Mendonça e Pizza Boy (Tinta da China), de Filipe Melo (argumento), Juan Cavia (desenho) e Santiago Villa (cor)
Dans mes yeux (Casterman), de Bastien Vivés (argumento e desenho)
Hair shirt (Gallimard), de Patrick McEown (argumento e desenho)
Mundo Dos Super-heróis #15 (Editora Europa)
J. Kendall, aventuras de uma criminóloga #59 – O Xamã (Mythos Editora), de Giancarlo Berardi e Lorenzo Calza (argumento) e Cláudio Piccoli (desenho)
Jêrome K. Jêrome Bloche - L'intégrale #1 (Dupuis), de Alain Dodier, Serge Le Tendre e Makyo (argumento) e Alain Dodier (desenho)
Le Tour du monde en bande dessinée #2 (Delcourt), de Igal Sarna (argumento), Gipi, Erwann Terrier, Carlos Nine, Sonny Liew, Khamel Khelif, Vanessa Davis, Nick Abadzis, Mazen Kerbaj (argumento e desenho) e Rutu Modan (desenho)
Turma da Mônica Jovem #15 (Maurício de Sousa Produções), de Maurício de Sousa

31/03/2010

Ric Hochet, 55 anos

















Ric Hochet, o simpático jornalista parisiense com propensão para investigar crimes, criado por André-Paul Duchateau e Tibet, completou ontem 55 anos e a festa poderia ser bem maior, se o desenhador não tivesse falecido no passado dia 12 de Janeiro. Mesmo assim, a data fica marcada pelo lançamento este mês de dois novos títulos pela Lombard.

30/03/2010

Lançamento – A Fórmula da Felicidade Vol. 2

É já depois de amanhã – ou só depois de amanhã, depende do ponto de vista, a verdade é que a curiosidade sobre esta edição é grande – que é lançado o segundo e último tomo de A Fórmula da Felicidade, um dos mais interessantes livros de banda desenhada nacionais dos últimos anos.
É no dia 1 de Abril, portanto – e o editor Mário Freitas garante que não é engano - , 5ª feira, véspera de feriado, às 18h30 na Kingpin Books (Rua Quirino da Fonseca, 16-B, à Alameda D.Afonso Henriques, em Lisboa). Presentes vão estar os autores, Nuno Duarte (argumento) e Osvaldo Medina (desenho), bem como quatro dos cinco coloristas envolvidos no projecto: Ana Freitas, Patrícia Furtado, Filipe Teixeira e Gisela Martins.
A partir das 23h, no Bar Al Souk, em Santos (Rua do Mercatudo, transversal da Av. D. Carlos I), terá lugar uma After-party aberta ao público, que poderá assim conversar um pouco com os autores, ver as pranchas originais do livro, e assistir a uma actuação ao vivo dos Cubic Nonsense, a banda onde toca Mário Freitas.

29/03/2010

Dick Giordano (1932-2010)

Sábado passado, vítima de leucemia, faleceu Dick Giordano, nascido em Nova Iorque, a 20 de Julho de 1932.
Desde novo demonstrou vocação para os quadradinhos por isso, depois de estagiar no estúdio de Jerry Iger, em 1953 entrou como freelancer para a Charlton Comics, onde desenhou diversos heróis até chegar a editor administrativo e promover super-heróis como o Questão, Capitão Átomo e Besouro Azul.
No final da década de 1960, foi para a DC Comics juntamente com Jim Aparo ou o argumentista Denny O’Neil, e com este último, na década seguinte, operou uma profunda transformação em heróis como Batman, Lanterna Verde ou Arqueiro Verde, dando-lhes uma nova vida. Para além disso desenhou muitos outros heróis da DC Comics. Nos anos 80 criou o logotipo de Batman no qual as letras evocam um morcego, terminando o seu percurso na DC Comics como vice-presidente e director editorial, tendo sido um dos responsáveis pela edição de “Watchmen”, de Alan Moore e Dave Gibbons, ou “The Dark Night Returns”, de Frank Miller.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Março de 2010)
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