05/01/2011

Jornalistas nos quadradinhos

No passado dia 2, foi publicada a derradeira tira diária de Brenda Starr. Estreada nos jornais norte-americanos a 30 de Junho de 1940, a heroína criada por Dale Messick foi uma das primeiras da extensa linhagem de jornalistas dos quadradinhos.

Curiosa-mente – ou talvez não – os heróis de papel raramente são reconhecidos pelo que fazem na sua profissão. Tintin, o mais antigo (?) e o mais famoso jornalista europeu da BD, é conhecido como “o repórter que nunca escreveu uma linha”; o que não deixa de ser falso, pois o herói criado por Hergé em 1929, produziu uma – única mas - volumosa reportagem nas páginas iniciais da sua primeira aventura “No país dos Sovietes”, embora os seus eventuais escritos sobre a estadia em África tenham sido avidamente disputados. Do outro lado do oceano, dois dos mais famosos, o repórter Clark Kent e o fotógrafo Peter Parker, usam-na apenas como fachada para esconder a sua identidade de super-herói, respectivamente, Super-Homem e Homem-Aranha. O que não impede que parte da acção das suas histórias decorra na redacção dos respectivos jornais – Daily Planet e Daily Bugle - e que, no primeiro caso, Jimmy Olsen e Lois Lane, vivam mesmo aventuras a solo. Esta última, receberia mesmo um prémio Pulitzer no filme Superman Returns (2006). Tal como aconteceu em 1992, na vida real, com “Maus”, de Art Spigelman, uma obra biográfica sobre a vida do seu pai no campo de concentração de Auschewitz. Mas esta temática – a BD reportagem, ficará para outra vez, pois levar-nos-ia para longe do tema actual.

A constatação atrás expressa só vem reforçar que a escolha da profissão de jornalista pelos autores serve, antes de tudo, como fácil mas credível justificação às constantes deslocações dos protagonistas para os locais onde tudo acontece e também para acederem à informação com maior facilidade. É o que se passa com outra personagem de topo da escola franco-belga, o jornalista-detective Ric Hochet, criado em 1955 por Duchateu e Tibet, que entre perse-guições emotivas, a descoberta de intrincados mistérios e o espatifar do seu chamativo Porsche amarelo tem ainda tempo para escrever no jornal La Rafale. Igualmente membro de uma redacção, Fantásio, alterna o seu quotidiano entre as grandes reportagens e a vida na redacção da revista que tem o nome do seu companheiro Spirou, onde sofre e se exaspera com as partidas e disparates de Gaston Lagaffe, a incontornável criação de Franquin.
Entre aqueles cuja relação com a profissão é mais forte, conta-se Ernie Pike, correspondente de guerra da autoria de Oesterheld e Hugo Pratt, em 1957, que percorreu as principais frentes da II Guerra Mundial, testemunhando de forma crua e realista os seus dramas, horrores e feitos heróicos. Muito importante, embora não seja o protagonista, é o papel do jornalista Willy Richards (vulgo Poe dada à sua semelhança física com o célebre escritor), no western Bonelli Mágico Vento (mensalmente distribuído nos quiosques nacionais), pela forma como se move nos meios governamentais onde obtém informações cruciais para as narrativas e pela contextualização histórica que o seu criador, Manfredi, assim lhes imprime.

Steve Roper, Jeff Cobb, Frank Cappa, Guy Lefranc ou Jill Bioskop são alguns outros nomes de heróis jornalistas, capazes de evocar recordações nos que estão mais familiarizados com os quadradinhos, mas a geração que leu a BD Disney nos anos 70 e 80, com certeza recorda, divertida, as muitas confusões criadas pelos repórteres Donald e Peninha do jornal A Patada. Quanto á geração jovem actual, vibra com as reportagens e peripécias de Geronimo Stilton, director do Diário dos Roedores, principal quotidiano da Ilha dos Ratos, que embora nascido em romances juvenis, também já protagoniza aventuras aos quadradinhos.
E se muitos deles têm evoluído da imprensa escrita para a online – como é o caso de Peter Parker ou Ric Hochet, em histórias mais recentes – a perda de audiência dos jornais impressos poderá ser uma das explicações para o fim da carreira de Brenda Starr, quase 70 anos após o seu primeiro quadradinho, numa altura em que se destacava por ser mulher, tal como a sua criadora, num mundo em que imperavam os homens. Aliás, foram sempre mulheres que estiveram aos comandos do destino desta jornalista de investigação, elegante, inteligente e sensual, como o seu modelo, a actriz Rita Hayworth, em casos policiais com muita acção e romance.

Se a banda desenhada portuguesa nunca foi pródiga em heróis (entenda-se o termo como referindo-se a personagens recorrentes), não surpreende que seja difícil encontrar nela protagonistas ligados à comunicação social.
Um dos casos mais curiosos é o de Maria Jornalista, heroína de uma dezena de histórias de duas pranchas que os leitores da Notícias Magazine descobriram durante 1994, mas que nunca foram compiladas em livro.
Passados em diversos locais de Portugal (Viana, Porto, Aveiro, Sintra, Lisboa, …), nalguns casos com referência a personagens reais (Rosa Mota, Jorge Sampaio, Manuela Moura Guedes), cada episódio teve um autor diferente (José Abrantes, Crisóstomo Alberto, Fernando Bento, Luís Diferr, José Garcês, Catherine Labey/Jorge Magalhães, Luís Louro, Baptista Mendes, José Ruy e Ana Costa/Augusto Trigo), que lhe imprimiu o seu próprio estilo gráfico e temático, em narrativas que variaram do humor ao policial, do turístico ao onírico, da denúncia social ao fantástico.

(Versão alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Janeiro de 2011)

04/01/2011

Tex #487 – A Grande Sede e #488 - Jogos de Poder

Manfredi (argumento)
Civitelli (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Maio e Junho de 2010)
135x175 mm, 114 p., pb, brochado, mensal
A principal nota deste Tex, é o facto de ter juntado um bom argumentista, um bom desenhador e um herói clássico. O que à partida não é – nunca foi, nunca será - garantia de uma boa BD.
Por um lado, temos o argumentista, Gianfranco Manfredi, criador da saga de Mágico Vento, que usou para esta narrativa protagonizada por Tex uma sólida base histórica, invulgar nas histórias do ranger.

Por isso, como trama central desta aventura surge a disputa da água na zona de Phoenix, entre uma companhia gerida pelo pouco escrupuloso Lansdale e os agricultores locais, brancos, índios e mexicanos (ou seja, o inevitável choque entre a tradição e o progresso fomentado pela cupidez, com algum racismo e preconceito à mistura). E, para além disso, humaniza de alguma forma o protagonista, que surge aqui mais astuto (veja-se, o estratagema final para devolver a água aos agricultores) e menos dependente dos seus punhos e da sua capacidade de atirador, tornando mais credível a história, sem no entanto descaracterizar o herói.
Por outro lado, o artista escolhido, Fabio Civitelli, sem dúvida o “grande desenhador” de Tex dos últimos anos, apresenta mais uma história trabalhada de forma superior, com o seu traço fino e detalhado, o recurso a sombras, tramas e pontilhados, uma planificação diversificada, com a utilização de diferentes pontos de vista, rostos expressivos e a soberba representação dos cavalos, o que origina algumas cenas antológicas, com destaque para a emboscada organizada por Lansdale (Tex #488, pp. 54-80).
No caso presente, no final da leitura de mais um western bem delineado e definido, se não estamos face a uma obra-prima e se ambos os autores – e também Tex – já foram mais felizes, a verdade é que o saldo é positivo e o leitor tem motivos suficientes para se sentir satisfeito. Embora seja verdade que as premissas iniciais permitiam aspirar a mais.


(Texto publicado originalmente a no Tex Willer Blog)

03/01/2011

BD Portuguesa: o que vamos poder ler em 2011

Se em anos recentes, têm sido recorrentes as notícias sobre bandas desenhadas de desenhadores nacionais publicadas no estrangeiro, que suplantam e abafam as que dizem respeito às edições em Portugal, 2011 promete uma diferença: alguns desses projectos terão uma dimensão e uma visibilidade até agora nunca atingidas, embora por motivos diferentes.

Cronologicamente, a primeira - e possivelmente a mais mediática de todas as bandas desenhadas com assinatura lusa a editar em 2011 - será “Female Force: Angelina Jolie”, a biografia da actriz desenhada por Nuno Nobre, até agora sem bibliografia aos quadradinhos. Destacando-se pelo tema, estará disponível nas livrarias especializadas em Janeiro e é mais uma edição da norte-americana Bluewater Productions especializada em biografias de personalidades da política e da cultura.
A 2 de Fevereiro será lançado o primeiro número de “Onslaught Unleashed”, a mini-série de quatro comics que Filipe Andrade está a desenhar para a Marvel a partir de um argumento de Sean McKeever. Primeiro projecto de fôlego de um português para a Casa das Ideias, narra o regresso do vilão Onslaught e como isso irá afectar o professor Xavier, líder dos X-Men, e Magneto o seu maior inimigo. As capas serão de dois “monstros” dos comics: Humberto Ramos e Rob Liefeld.
Ainda na Marvel, igualmente em Fevereiro, Nuno Plati Alves, depois de participações em Avengers Fairy Tales, X-23, Iron Man e Shanna the She Devil, desenha o seu segundo comic completo, “Marvel Girl #1”, no qual Josh Fialkov narra como a mutante Jean Grey aprendeu a controlar os seus poderes, e João Lemos, que recentemente fez o papel de argumentista numa história de Wolverine, volta ao mutante de garras retrácteis, desenhando uma história de Sarah Cross, inserida na colectânea “Wolverine: The Adamantium Diaries #1000”.
Quanto ao terceiro projecto mediático citado, verá a luz em Maio e destaca-se por estar incluído na antologia que assinala os 25 anos da editora norte-americana Dark Horse, juntamente com criadores como Frank Miller, Mike Mignola ou Dave Gibbons. Trata-se de uma BD de 24 páginas (com um arranque excelente, que tenho o privilégio de poder assegurar pessoal-mente!) que evoca o primeiro encontro de Dog Mendonça e Pizzaboy, os heróis fantásticos criados pelo pianista português Filipe Melo e pelo desenhador argentino Juan Cavia. Esta mesma dupla, que começou por salvar o mundo de uma ameaça nazi latente nas entranhas de Lisboa (que já vai na 3ª edição), deverá regressar em Março, com “Apocalipse” (Tinta-da-China), uma graphic móvel de 120 páginas, para enfrentar o fim dos tempos, tal como descrito na Bíblia.
Outros dois projectos que marcaram recentemente a BD feita em português, “BRK”, um thriller urbano com contornos políticos, de Filipe Pina e do atrás citado Filipe Andrade, e “Asteroids Fighters”, uma space-opera de Rui Lacas (distinguido no Amadora BD 2010), verão os segundos tomos editados no próximo ano pela ASA, em data a definir.
Ainda em Portugal, possivelmente após o Verão, a Kingpin Books lançará três novos livros. O primeiro, é um policial escrito por Fernando Dordio e desenhada por Osvaldo Medina, uma sequela de “C.A.O.S.” (recentemente reeditado), com as mesmas personagens da série inicial - mais velhos , mais gordos , mais carecas e mais maldispostos - envolvidos num caso policial bem sério, com rapto, assassínio e afins.
Quanto a “O baile”, diz Nuno Duarte (argumentista das Produções Fictícias e de “A Fórmula da Felicidade”) é “uma história passada em 1967 e que gira em torno de um inspector da PIDE encarregado de abafar rumores de aparições sobrenaturais numa pequena aldeia piscatória e que podem ensombrar a visita do Papa Paulo VI ao país. Entre dúvidas da carreira que escolheu e os relatos de pescadores mortos na faina que regressam para levar os vivos consigo para o mar, o Inspector deparar-se-á com uma trama de ciúmes e vingança, num ambiente funesto onde pouca coisa é o que parece”. O desenho está a cargo de Joana Afonso.
O terceiro projecto da Kingpin é “O Pequeno Deus Cego”, escrito por David Soares que o apresenta assim: “é uma história alegórica, passada na China medieval. A narrativa orbita à volta de Sem Olhos, uma personagem frágil que talvez seja mais do que aquilo que aparenta ser. Abusada pela mãe intolerante, Sem Olhos já se resignou a viver com o sofrimento, quando contacta com duas personagens misteriosas, um velhote e um panda, que lhe irão mostrar os segredos do seu passado, levando-a a um final inesperado e épico. É, em essência, uma alegoria negra, às vezes violenta, mas sempre poética e recheada de personagens fascinantes que nenhum leitor irá esquecer. O argumento e layouts são meus e o desenho é de Pedro Serpa, que me foi sugerido pelo Mário Freitas”.
Do mesmo argumentista, transita de 2010 “É de Noite Que Faço as Perguntas” (Gradiva), uma narrativa ficcional sobre a implantação da República, o mesmo acontecendo com “O Menino Triste – Punk Redux” (Qual Albatroz), de João Mascarenhas, que evoca a Londres dos anos 70, e o segundo número do colectivo “The Lisbon Studio Mag”, que será apresentado em Janeiro, no Festival de Angoulême.
Ainda e fase de definição quanto a editora, formato e data, está uma BD sobre a pesca do bacalhau, da autoria da dupla João Paulo Cotrim/Miguel Rocha, autores de “Salazar – Agora, na hora da sua morte”.
Jorge Coelho, cujo percurso em 2010 ficou marcado pela participação na mini-série “Forgetless”, da Image, não prevê editar nada em 2011 “com excepção de pequenas colaborações como a história curta de apenas 6 páginas de nome "The Wheel Turns" para a antologia Outlaw Territory Nº2, pois estarei ocupado a desenhar uma história de maior envergadura que me ocupará todo ano. Trata-se de "Submerged Mary", uma graphic novel, escrita por Eric Skillman, para a qual ainda estamos à procura de editora, portanto, no limite, pode não chegar ao prelo”.
Do lado da Zona, revela Fil, um dos seus coordenadores, para já está apenas “programada e confirmada o lançamento da Zona Monstra, no festival de animação com o mesmo nome (A Monstra), em Março. Temos algumas ideias extra, mas não sei se teremos os meios para avançar, por isso ainda não há nada de concreto”.
No seu blog, Kuentro2, Jorge Machado Dias da Pedranocharco, acrescenta a esta lista “dois BDjornal (#27 - Maio e #28 - Outubro) e mais alguma coisa que está ainda no domínio dos deuses…”

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Dezembro de 2010)

02/01/2011

Selos & Quadradinhos (15)

Stamps & Comics / Timbres & BD (15)
Tema/subject/sujet: Bruxelles, Ville Européene de la Culture de l’na 2000
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Autor/author/auteur: François Schuiten
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 2000

01/01/2011

Selos & Quadradinhos (14)

Stamps & Comics / Timbres & BD (14)

Tema/subject/sujet:
50th Anniversary of the United Nations Refugee Agency
País/country/pays: São Marino/San Marino/Saint-Marin
Autor/author/auteur: Lorenzo Mattotti
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 2001


Hoje e amanhã, de alguma forma para assinalar o novo ano, um conceito diferente dentro da temática Selos & Quadradinhos: selos desenhados por autores de BD.

Today and tomorrow, some way to mark the New Year, a different concept in the thematic Stamps & Squares: stamps designed by authors of BD.

Aujourd'hui et demain, une façon de marquer la nouvelle année, un concept différent dans la thématique Timbres & Places: timbres dessinés par les auteurs de BD.

31/12/2010

As Melhores Leituras de Dezembro

Blake e Mortimer - A maldição dos trinta denários - Tomo 2 (ASA), de Van Hamme (argumento) e Aubin e Schréder (desenho)

J. Kendall, aventuras de uma criminóloga #68, #69 e #70 (Mythos Editora), de Berardi, Calza e Mantero (argumento) e Piccoli, Zuccheri e Mantero (desenho)

L'Assassinat du Pére Noel (Glénat), de Adam e Convard (argumento) e Paul (desenho)

Margot La Folle (Glénat), de Blondeau

O amor infinito que te tenho (Polvo), de Paulo Monteiro

Sin City – Valores familiares e Copos, Gajas & Balas (Devir), de Frank Miller

Tex #487 e #488 (Mythos Editora), de Manfredi (argumento) e Civitelli (desenho)

Tintin - O Lótus Azul (ASA), de Hergé

30/12/2010

Os Sonhos do Maravilhas

Francisco Fernandes (argumento)
Roberto Macedo Alves e Valter Sousa (desenho)
Raúl Pestana (passatempos)
Club Sport Marítimo da madeira (Portugal, Outubro de 2010)
210 x 297 mm, 32 p., cor, brochado


Integrada nas comemorações do centenário do clube, que se cumpriu no dia 20 de Setembro de 1910, o Marítimo lançou um álbum de banda desenhada que conta a sua história desde a origem até aos nossos dias.
Escrita por Francisco Fernandes, Secretário da Educação e Cultura da Madeira, que aqui se estreia aos quadradinhos, e desenhada pelos também madeirenses Roberto Macedo Alves e Valter Sousa, intitula-se “Os sonhos do Maravilhas”, numa referência ao cântico dos adeptos quando o Marítimo regressou da sua primeira digressão ao estrangeiro (a Angola e Moçambique), em 1950: "Lá vêm, lá vêm, os nossos maravilhas, os endiabrados campeões das ilhas".
De forma breve e didáctica, de leitura simples, desenho dinâmico e planificação variada e legível, a obra foca os aspectos mais marcantes dos primeiros 100 anos de vida do clube, da fundação ao título de Campeão de Portugal, do ecletismo da colectividade à sua internacionalização.
Desta forma, o Marítimo junta-se a Porto, Benfica e Sporting, cujas histórias já tinham sido narradas aos quadradinhos nos anos 1990, por Manuel Dias e Artur Correia.
Como curiosidade refira-se que 13 das 32 páginas do álbum, são preenchidas com passatempos sobre o Marítimo e a sua história.

(Versão revista e alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Outubro de 2010)

29/12/2010

Novos Rumos

Rudi Miel (argumento)
Durieux, Gihef, Savoia, Vanyda (desenho)
Comissão Europeia (Luxemburgo, 2010)
175 x 245 mm, 60 p., cor, cartonado


Resumo
A banda desenhada «Novos rumos» é inspirada em histórias verídicas. A Comissão Europeia recolheu o testemunho de 54 europeus que beneficiaram dos programas financiados pelo FSE. Em frente à câmara, contam o seu percurso e como tiveram acesso às novas oportunidades em matéria de emprego e de formação. Esses testemunhos podem ser vistos aqui.

Desenvolvimento
Partindo desses testemunhos reais – e este é o ponto forte do projecto, pelos laços emotivos que pode criar pois os casos narrados são semelhantes aqueles que ouvimos diariamente nas notícias e de que todos conhecemos exemplos - foram criadas quatro histórias ficcionadas, desenhadas por quatro jovens autores, mas já com álbuns publicados, com o intuito de mostrar que é possível (embora não garantido…) dar a volta por cima, mesmo quando os inícios de vida foram menos conseguidos – devido a uma gravidez inesperada, um acidente automóvel que vitimou um dos pais, uma deficiência física, desavenças familiares ou más companhias que levaram a à prisão… - no caso presente, em termos de emprego.
Projecto institucional, com um objectivo claro, que não permitia grandes liberdades artísticas, ressente-se disso mesmo, quer narrativamente – com tudo a conduzir para o inevitável final feliz (mesmo que temporariamente, pois nada é certo nos tempos que correm…), embora seja de referir a enorme legibilidade e a fácil compreensão por leitores com referências diferentes (culturais, geográficas, …) de cada uma das quatro narrativas – quer graficamente - aspecto em que os quatro ilustradores não foram além de uma prestação profissional, mas sem brilhantismo nem rasgos de génio.

Curiosidades
- A obra encontra-se disponível para download gratuito nas 23 línguas da União Europeia.
- O livro impresso pode ser pedido gratuitamente.
- A sua tiragem inicial conjunta ultrapassa já os 100 mil exemplares e encontra-se mesmo esgotada nalgumas das línguas.

Oferta
- As Leituras do Pedro têm alguns exemplares desta obra para oferecer aos primeiros a deixar nesta mensagem um comentário em que salientem quais são, na sua opinião, os pontos A Reter e Menos Conseguidos deste blog.

28/12/2010

Les véritables Légends Urbaines T.1

Corbeyran e Guérin (argumento)
Damour, Formosa, Guérineau e Henriet (desenho)
Dargaud (França, 2007)
240 x 320 mm, 52 p., cor, cartonado

O homem desde sempre teve medo. Medo do que o rodeia. Medo do desconhecido. Medo do que o ultrapassava. Medo dos poderosos. Medo da religião - dos religiosos...
Desses (muitos) medos nasceram histórias e lendas que se perpetuaram de geração em geração e passaram a fazer parte do imaginário de cada região, de cada país. Assim nasceram (?) os vampiros, os lobisomens, as bruxas e tantas outras fontes de medo.
Esses medos, evoluem com o tempo, com o próprio homem, assumindo novas formas adaptadas às novas realidades.
"Les véritables Légends Urbaines" (Dargaud), escrito por Corbeyran e Guérin, explora histórias do nosso imaginário, num registo de terror, algumas das quais, provavelmente, já ouvimos contar como tendo acontecido "a alguém conhecido de fulano" ou algo assim. Histórias, com base verídica ou não, nascidas em rumores ou na (fértil) imaginação humana (a quem o medo dá asas…), que estas BDs exploram pelo seu lado mais negro, seja o gang que circula de luzes apagadas e abalroa todos os que lhes fazem sinais de luzes, sejam várias versões de assassinos dentro de casa, ilustradas por Guérineau (que com uma planificação diversificada, com múltiplas vinhetas, consegue imprimir um ritmo e um clima de tensão em crescendo à narrativa), Damour, Henriet e Formosa (cujo traço violentamente caricatural acentua o lado negro da história).

(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 11 de Março de 2007)

27/12/2010

J. Kendall: Requiem para uma criminóloga?

O título deste post refere-se à notícia, revelada no início de Julho, de que a revista mensal brasileira “J. Kendall – Aventuras de uma criminosa”, editada pelo Mythos Editora desde Novembro de 2004 e presença regular neste blog, podia chegar ao fim no nº 67, “devido às baixas vendas e aos altos custos redaccionais e gráficos”. A onda de pesar levantada, levou a editora a fornecer-lhe um curto balão de oxigénio garantindo a sua publicação até ao nº 71, datado de Outubro de 2010. “Era uma manhã tediosa. Daquelas invadidas por uma subtil inquietação. Uma sensação que eu sabia que ia durar o resto do dia, deixando cinzento até o meu humor. Há tempos eu já havia aprendido que basta pouco para modificar o próprio comportamento. Um acto de vontade pode impor uma lufada de optimismo capaz de iluminar o horizonte mais sombrio. Mas eu também sabia que era muito agradável deixar-se embalar por uma pitada de melancolia. É um modo para se colocar à espera. À espera que chegue alguma coisa ou alguém para movimentar a vida.” (In “Júlia #1”, Mythos Editora, Novembro de 2004, página 20. Não, não há engano no título da revista: intitulada “Julia” em Itália, esta série teve o mesmo título no Brasil, mas apenas durante os primeiros quatro números, tendo depois que ser mudado para o actual “J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga” para não ser confundida com uma outra publicação homónima, dedicada a romances cor-de-rosa.). Esta é a primeira vez que o leitor “ouve” os pensamentos de Julia – ou que os lê no seu diário, se preferirem. Acontece logo na edição de estreia, após uma longa (e dupla) sequência muda bastante violenta (um exemplo da dicotomia realidade/sonho, comum ao longo da série) e um entreacto mais ligeiro/cómico. E desta forma, numa vintena de páginas, Giancarlo Berardi lança as bases do que seria – do que é! – Julia, que apesar de estar em perigo (editorial) no Brasil, mesmo sendo muito louvada pela crítica - o anúncio do fim da revista levou à criação de uma série de iniciativas em sites e blogs para tentar obstar ao seu cancelamento e, já neste início de Outubro, a publicação foi distinguida com o Troféu HQMix (o mais importante do género no Brasil) como melhor Publicação de Aventura/Terror/Ficção publicada no Brasil no último ano. - mantém boa saúde em Itália onde neste mês de Outubro a edição original da Sergio Bonelli Editore atinge a edição #145, com a qual começa o seu 13º ano. Moradora de Garden City, uma cidade relativamente pacata nos arredores de uma grande metrópole, Julia divide o seu tempo entre as aulas de criminologia na universidade e as suas colaborações como consultora junto da procuradoria local. Julia, graficamente (bem) inspirada na bela e frágil Audrey Hepburn, é trintona - A par da série principal, desde 2005 é publicado em Itália (e desde 2006 no Brasil) um especial anual – “Almanacco del Giallo”/”Almanaque Mistério” – que narra as aventuras de Julia quando ainda era estudante da faculdade, com as contradições e hesitações próprias da idade mas já com todas as suas características futuras: a queda para se apaixonar pelo(s) homem(ns) errado(s); a insegurança, embora condimentada com mais ilusões e alguma impetuosidade, próprias da sua juventude; a inteligência e capacidade dedutiva que lhe garantirão o sucesso profissional futuro, embora atenuadas pela sua inexperiência. -, solteira e divide a moradia com a sua pachorrenta gata Toni. Órfã de pai e mãe, falecidos muito cedo, quando Julia tinha apenas três anos, foi educada pela avó, Lillian Osborne, para quem a actriz Jessica Tandy serviu de modelo gráfico, actualmente a viver num lar por opção própria, para dar espaço a Julia para viver a sua vida. Quase sempre fisicamente ausente, devido à exigente carreira de modelo profissional de sucesso (pesem alguns problemas relacionados com toxicodependência), Norma, a irmã mais nova de Julia, está muitas vezes no seu pensamento e é alvo de grande um cuidado protector por parte da criminologista. Durante o dia, Julia vê-se também a braços com Emily Jones (“clone” de Whopi Goldberg), uma espécie de governanta, negra, muito enérgica e opinativa, para quem dois princípios são sagrados: os brancos só servem para tramar os pretos e uma mulher – Julia em especial – só pode realizar-se se tiver um homem. Ela é a responsável pela maior parte dos momentos divertidos ou inesperados, geralmente utilizados para quebrar a tensão das narrativas. Casada e divorciada várias vezes, Emily tem vários filhos, um dos quais, Lutero (Spike Lee), é um hacker que por vezes auxilia Julia quando os meios legais não são suficientes ou suficientemente expeditos. Do ponto de vista profissional, da galeria de personagens fazem parte também o tenente da polícia Alan J. Webb (fisicamente inspirado no actor John Malkovich), que geralmente encabeça os casos que Julia acompanha e que com quem ela partilha uma relação de (quase) amor/ódio, não só pela atracção mútua que sentem mas também pela quase repulsa que as ideias opostas de um e outro provocam em ambos. Enquanto Julia é mais sensível, ponderada e liberal, Webb revela-se mais conservador, inflexível e repentista, o que frequentemente provoca acesas discussões entre os dois. Como mediador surge muitas vezes o “bom” sargento “Big” Ben Irving (cuja base foi o actor John Goodman), amante de boa comida, bonacheirão e bem-disposto, mas também competente na sua tarefa. Entre as personagens recorrentes, embora menores na sua importância, contam-se o médico-legista James Tait, o Capitão Carter, um afro-americano (inspirado em Morgan Freeman), conciso e equilibrado que surge apenas em casos de maior importância, e o Procurador Michael Robson. O lote completa-se com Leo Baxter, robusto detective particular que se assemelha a Nick Nolte, decidido e atlético, capaz de usar métodos menos ortodoxos quando necessário e amante de belas negras. E que de certa forma constitui com Julia e Webb os vértices de um inesperado triângulo amoroso, embora, pouco interessado numa relação duradoura, prefira considerar Julia mais como uma irmã do que uma mulher disponível. Situação que Julia, por vezes, parece desejar que fosse diferente. Série policial realista, esta banda desenhada não tem um “vilão de serviço” como acontece frequentemente a outros níveis. A única adversária recorrente de Julia (se assim a podemos classificar), é a serial killer lésbica Myrna Harrod, atraída e obcecada pela criminóloga, que, depois de protagonizar o tríptico inicial das aventuras de Julia, regressa uma vez por outra a Garden City para espalhar o terror e a morte, sem que até agora tenha havido o confronto decisivo. Estes são os protagonistas principais da série criada pelo italiano Giancarlo Berardi - que nasceu em Génova, na Itália, a 15 de novembro de 1949. Depois de experiências como autor e actor teatral e guitarrista da banda Gli Scorpioni, virou-se para os quadradinhos onde chegou a escrever histórias de Tarzan, Diabolik ou Mickey. Em 1974, criou Ken Parker com Ivo Milazzo, um western humanista muito saudado pela crítica e que lhe proporcionou uma legião de fãs, mesmo fora do meio habitual dos quadradinhos -, cujo primeiro número viu a luz em Itália em Outubro de 1998, como mais uma integrante do (já de si imenso) universo Bonelli. Contando já no seu currículo com uma série de peso (e de culto) como Ken Parker, Berardi não desapontou os seus muitos seguidores e fãs, impregnando de novo com uma forte componente pessoal e intimista um relato que (apenas) de forma ligeira pode ser classificado como policial. Porque, se o crime (passional, informático, político…), o roubo e/ou o assassinato estão sempre presentes, a verdade é que as histórias têm também (e sempre) uma forte componente humana. Porque Julia, geralmente, mais do que desvendar o mistério ou apanhar os criminosos, pretende compreender as suas razões e motivações. Prefere investigar a fundo o que motivou o criminoso, mais do que (ou tanto como) apanhá-lo. Como ela afirma, “Para a polícia, um assassino é somente um culpado. Já para a criminóloga, também interessa o quanto por sua vez é vítima. A violência é sempre fruto de outra violência” (“Júlia #1”, Mythos Editora, Novembro de 2004, página 94). E a forma como ela analisa cada caso, como encara cada culpado (ou inocente), muitas vezes é-nos revelada pela protagonista no seu diário, um artifício recorrente utilizado por Berardi, através do qual vamos também conhecendo os seus sentimentos, desejos, anseios e frustrações. A par disto, a heroína – que só se pode definir assim enquanto protago-nista de uma banda desenhada - vai bem para além das duas dimensões do papel em que as suas aventuras são impressas, revelando-se uma mulher com espessura, com vida própria, com vida para além da criminologia. Ou com falta dela pois, Julia revela-se tão decidida e eficaz profissionalmente, quanto insegura e temerosa no que respeita ao seu relacionamento com o outro sexo. O que não significa que relações com alguns dos homens com quem se vai cruzando não tenham lugar – e sejam muitas vezes consumadas sexualmente – embora terminem sempre ao fim de mais ou (geralmente) menos tempo, quer porque Julia receia avançar demais e perder a sua individualidade e auto-suficiência, quer porque os pontos comuns afinal não eram tantos como pareciam e Julia, embora carente, é sem dúvida exigente. Neste contexto, não surpreende que Julia se envolva algumas vezes com os próprios criminosos quer afectiva (quando entende e de certa forma subscreve as suas motivações) quer mesmo fisicamente. Ao lado de Berardi, na escrita dos guiões surgem por vezes Giuseppe De Nardo, Maurizio Montero e, principalmente, Lorenzo Calza. Este último, também músico de rap, trouxe para a série uma musicalidade – patente no ritmo das histórias em que participa e na utilização de temas musicais em diversas cenas – até aí pouco presente. Isso não retira, longe disso, a cada história tempo para respirar, para os avanços (e recuos) se fazerem ao ritmo das pausas ou da acção, tempo para os componentes da galeria de personagens ganharem consistência criarem (mais) cumplicidades com os leitores, tempo para os (novos) protagonistas em cada relato serem suficientemente desenvolvidos para ganharem credibilidade e sustentarem a(s suas) história(s). Até porque, em muitas das histórias, mesmo que por vezes o leitor já conheça mais da sua base do que os protagonistas, pois normalmente ela é narrada com o(a)(s) criminoso(a)(s) como protagonista(s) nas primeiras páginas de cada revista, há tempo para os investigadores seguirem pistas erradas ou paralelas, formularem teorias diversas, tal como, aliás, acontece com certeza na vida real. Através das suas histórias, Berardi vai traçando retratos lúcidos mas não abonatórios da sociedade actual, da decadência de instituições como a família ou a polícia, questionando métodos e objectivos, para dar sempre o primeiro lugar ao ser humano, com as suas dúvidas e contradições. A nível gráfico, como é normal nas edições Bonelli, Julia passa regularmente pelas mãos de diversos desenhadores - Laura Zuccheri é um dos nomes mais recorrentes, mas pelas suas páginas também já passaram autores como o grande Sergio Toppi (! – no nº11), Steve Boraley ou Giorgio Trevisan, entre diversos outros - , o que obviamente provoca algumas oscilações a nível de traço e acabamento (de uma qualidade média bastante interessante) - aspecto que, que infelizmente, nem sempre é possível aquilatar através das edições da Mythos, no seu habitual pequeno formato (135 x 175 mm), papel fraco e uma impressão (a preto e branco) que muitas vezes deixa a desejar no que às manchas de preto diz respeito. Este é, aliás, um dos motivos (a par da pouca divulgação por parte da editora) que muitos apontam para as fracas vendas da revista no Brasil, onde tem que fazer face a um mercado com uma enorme quantidade de oferta, geralmente com maior qualidade gráfica. A versão original italiana é maior (160 x 210 mm) e tem melhor papel e impressão. Uma nota final para referir que, contrariamente ao que é habitual nas edições Bonelli, cada número da revista conta 132 páginas e não as habituais 100 -, menos notória no que diz respeito à planificação e uso diversificado de planos e pontos de vista, pois aqui os guiões de Berardi devem ter um peso mais específico. Globalmente, pode classificar-se o desenho como realista (ou não sejam tantos os actores utilizados como modelos para os intervenientes), firme, anatomicamente correcto, bem ritmado, de planificação pelo uso e (bom) abuso de pequenos gestos, olhares e da utilização de pormenores aparentemente sem importância mas que, todos juntos, ajudam a definir o ambiente exigido e a conduzir o relato ao ritmo pretendido. Recorrentemente apontado como um dos melhores títulos disponíveis no Brasil, “J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga”, segundo as últimas informações resistirá pelo menos até à edição #79. Em Portugal, este mês de Dezembro, chegou às bancas o #68. Por isso, os leitores portugueses, poderão encontrá-lo ainda durante o próximo ano nos nossos quiosques e bancas. E acreditem que, mesmo que o aspecto da edição não seja convidativo para quem está habituado à cor e qualidade gráfica do franco-belga ou dos comics, vale a pena descobrir Julia e o universo realista que Berardi desenvolveu com mestria ao seu redor.


(Versão revista e retocada do texto publicado originalmente no BDJornal #26 de Outubro de 2010; para facilitar a leitura as notas de rodapé da versão original foram inseridas no texto, numa letra menor.)

26/12/2010

Selos & Quadradinhos (13)

Stamps & Comics / Timbres & BD (13)
Tema/subject/sujet: Storia del Fumetto Italiano
País/country/pays: São Marino/San Marino/Saint-Marin
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1997
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