Paco Roca
Bertrand Editora
Portugal, Março de 2013
160 x 240 mm, 104 p., cor, brochada com badanas
16,60 €
Pode uma história ser a um tempo divertida, assustadora e
terna?
A resposta é sim e “Rugas” é um exemplo disso.
Nele, o espanhol Paco Roca, numa linha clara magnífica – que
me obriga a acompanhar cada novo título seu - compila uma série de episódios – reais – indiscutivelmente divertidos -
quando observados à distância… - sobre o envelhecimento e as suas
consequências: doenças, cismas, falta de memória, perda da noção do tempo…
O que se provoca pelo menos sorrisos bem-dispostos, também
provoca alguns calafrios, se lidamos regularmente com situações do género ou se
anteciparmos que poderemos ser um dia protagonistas de episódios similares…
E esse desconforto acentuar-se-á se à situação anterior
acrescentarmos o retrato duro que Roca traça dos lares de idosos, tantas vezes
armazéns de seres humanos que esperam a morte ou autênticos estabelecimentos
prisionais nos quais os utentes não têm direitos, apenas deveres. Locais frios
e inóspitos, raramente familiares, quase sempre impessoais, com o tempo –
parado… - preenchido com rotinas vazias.
Em “Rugas”, tudo começa quando Emílio, um ex-bancário
reformado, com princípios de Alzheimer, é “depositado” pelo filho num lar. Aí,
vai conhecer Juan, ex-locutor de rádio que só repete o que os outros dizem;
Sol, sempre à procura de um telefone para ligar à filha; Rosário,
permanentemente em viagem para Istambul no Expresso do Oriente; Dolores e
Modesto, casal amoroso que tenta manter a relação - e resistir ao inevitável? -
agarrado a um pequeno segredo de juventude… E Miguel, de uma alegria (que
tenta) contagiante, de uma (pequena) rebeldia militante, que tenta fazer
da(quela) vida algo que (ainda) vale a pena.
Entre os quotidianos vazios, a repetição de situações, as
perdas momentâneas de noção da realidade - que podem tornar tão dolorosos os
períodos de lucidez – o desconhecimento de quem o rodeia, o apagamento
progressivo da memória ou o vazio de uma espera por um fim anunciado, Roca, com
uma imensa ternura - que toca mas também choca - vai mostrando a progressão da
doença que as últimas páginas acentuam com o desaparecimento do rosto dos
interlocutores de Emílio, a progressiva indefinição do traço ou mesmo o
aparecimento de vinhetas completamente brancas…
Tudo sintetizado, com invulgar felicidade, na belíssima e marcante
capa em que o protagonista, Emílio, à janela de um comboio, de cabeça
(literalmente) aberta, desfruta o vento fresco que ao mesmo tempo lhe retira do
cérebro, uma a uma as imagens, as memórias que o mantinham preso à vida…
Nota final
Li “Rugas” na edição original francesa da Delcourt, há uma
meia dúzia de anos. E escrevei sobre ele, na altura, num texto entretanto
recuperado aqui.
Esta edição portuguesa justificou nova leitura – atenta,
interessada, com novas descobertas – e, voluntariamente, a)nova reflexão
escrita (a que está acima).
Comparem as duas, se tiverem curiosidade.