07/09/2009

11/9 - Homem-Aranha

The Amazing Spider Man #36
Marvel Comics (EUA, Dezembro 2001)
168 x 250 mm, 32 p., cor, mensal

Peter Parker Homem-Aranha #27
Devir (Portugal, Abril de 2002)
168 x 255 (mm), 48 p., cor, mensal
J. Michael Straczynski (argumento)
John Romita Jr. (desenho)
Scott Hanna (arte-final)
Dan Kemp (cor)



"Há coisas que estão para além das palavras. Para além da compreensão. Para além do perdão." Se pedir ao leitor para associar estas palavras a um acontecimento recente, talvez ele não tenha grande dificuldade em ligá-las ao que se passou em Nova Iorque, no passado dia 11 de Setembro, tal o impacto dos acontecimentos em causa na memória colectiva mundial.
Mas se pedir ao leitor para identificar quem as proferiu, talvez a tarefa seja mais difícil e, entre as muitas hipóteses que seriam adiantadas, duvido que alguma fosse a correcta. Até porque a minha pergunta era enganosa, já que aquelas palavras não saíram da boca de nenhum político, dirigente mundial ou protagonista da tragédia. Foram proferidas, isso sim, por uma personagem de ficção, mais concretamente de histórias aos quadradinhos, no caso o Homem-Aranha, cujas aventuras são seguidas mensalmente por milhares de leitores um pouco por todo o mundo.
Por isso, imaginemos a surpresa dos leitores quando, pouco menos de dois meses depois, a 14 de Novembro, abriam o nº 36 da revista "The Amazing Spider Man" e encontravam uma página a negro, com uma legenda que dizia: "Interrompemos a nossa emissão para transmitir uma notícia de última hora.". Voltada a página, encontravam o seu super-herói favorito, no topo de um edifício, com as mãos na cabeça, perante o espaço antes ocupado pelas torres gémeas do World Trade Center, agora vazio, coberto apenas por gigantescas nuvens de poeira originadas pela queda dos edifícios. E a imagem pontuada pelas linhas que abrem este artigo.
Para isto ser possível, num tão curto espaço de tempo, foi preciso uma formidável corrida contra o relógio.
Primeiro, de J. Michael Straczynski, responsável por um argumento, que se afasta completamente dos padrões das tradicionais aventuras de super-heróis, embora eles lá estejam, de forma anónima, a tentar remover uma viga, a afastar os escombros ou a chorar perante as ruínas, ainda que sejam os piores vilões que os heróis já enfrentaram, "porque até os mais reles, por muito marcados que estejam, ainda são humanos. Ainda sentem. Ainda choram a morte fortuita dos inocentes". É este aliás o tom geral de um relato que é uma reflexão sentida, emocional (e emocionada), sobre os acontecimentos e as tentativas de resgate das vítimas, em que somos guiados por um Homem-Aranha habitualmente vitorioso e gabarolas, agora derrotado, pela dimensão do drama, e impotente face às suas consequências. Por isso na página final, os (ex-)heróis são remetidos para a obscuridade das últimas filas de uma foto de conjunto em que o destaque vai para os (agora) heróis: os bombeiros, os polícias, os soldados, os marinheiros, os anónimos que se transfiguraram na luta contra o tempo para tentar salvar o maior número possível, "unidos na dor, na determinação. Unidos na recuperação. Unidos na reconstrução".
Corrida contra o relógio, depois, de John Romita Jr., um dos mais apreciados autores de comics norte-americanos, apesar da sua veterania, que desenhou 24 páginas em tempo recorde, sem abdicar dos padrões de qualidade a que habituou os seus fãs, e de Scott Hanna, responsável pela arte-final das pranchas.
Corrida contra o relógio, finalmente, da Marvel, que conseguiu alterar o plano editorial estabelecido e encaixar esta história na sequência normal da revista, de tal forma que a tiragem deste número foi a habitual, esgotando rapidamente e transformando-o num objecto ambicionado pelos coleccionadores.
Agora, chega a edição portuguesa, pela mão da Devir, integrada na linha habitual da editora, com o nº 27 da revista "Peter Parker Homem-Aranha", já distribuída em quiosques e lojas especializadas. Este número, muito especial pela história que inclui, é especial também porque marca o fim desta revista, que será em breve substituída por uma outra, intitulada simplesmente "Homem-Aranha", que incluirá as histórias mais recentes do herói criadas pela equipa responsável por este episódio especial e histórico.

(Versão revista e actualizada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 11 de Abril de 2002)


04/09/2009

Zits #13 - Pierced

Jerry Scott (argumento) e Jim Borgman (desenho)
Gradiva (Portugal, Junho de 2009)
210 x 220 mmm, 128 p., pb e cor, capa brochada


Menosprezados por alguns que as consideram “leitura menor”, as tiras humorísticas contam entre elas verdadeiras obras-primas como “The Peanuts”, “Calvin e Hobbes” e “Mutts”… Ou “Zits” (que o Jornal de Notícias publica diariamente, bem como outros 1600 jornais em todo o mundo) literalmente “borbulhas”, ou não seja ela sobre a adolescência e a sempre complicada convivência com o acne e com (as) outras gerações, no caso Jeremy, o adolescente que a protagoniza, e os seus pais, pertencentes a um outro (e mui distante) tempo, sem computadores nem telemóveis, mas com músicas estranhas e rituais (levantar cedo, arrumar o quarto, chegar cedo a casa…) incompreensíveis.
Mas é com eles – e com os seus amigos, com destaque para Sara, Hector e Pierce – que Jeremy tem que (con)viver, embora no caso destes últimos, namorada e companheiros inseparáveis de escola, de banda e dos maravilhosos sonhos (quase sempre inatingíveis…) da juventude, tudo funcione bem melhor. O que não impede que também originem razões para o leitor sorrir ou mesmo gargalhar abertamente, recordando (ou esquecendo…) as situações idênticas por que passou/está a passar…
Para isso contribui a forma como Scott explana as situações quotidianas – aparentemente banais - por vezes em diálogos brilhantes, bem como o traço de Borgman, solto e bem trabalhado, pormenorizado quanto baste, com corpos e rostos hiper-expressivos e capaz de traduzir graficamente (e de forma literal) as emoções e experiências das personagens, seja uma cabeça que explode ou alguém que trepa pelas paredes, a invisibilidade dos progenitores, a deformação voluntária das medidas anatómicas ou a incompreensibilidade de algumas conversas. Se tudo isto está em “Pierced”, 13º álbum da série, este distingue-se por ser uma colectânea dedicada a Pierce, tão valioso como amigo… quanto se vendido a peso no ferro-velho, devido aos inúmeros piercings, brincos e acessórios metálicos que ostenta! Idealista convicto de causas nem sempre defensáveis, nesta compilação de tiras, vê-se a coerência e consistência da personagem, dando razão a Maurice Tillieux (1921-1978), um dos grandes nomes da BD franco-belga, que um dia afirmou: “o herói é uma personagem que dificilmente animamos. São as personagens secundárias que fazem uma série”.

Curiosidade
“Zits” tem uma versão semi-animada, os "Zits Motion Comics", disponíveis gratuitamente em
http://www.comicskingdom.com/index.php/zits-motion-comics.

(Versão revista do texto publicado a 8 de Agosto de 2009 no suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

03/09/2009

Lançamento – Zona Negra

A revista “Zona Negra” é lançada amanhã, dia 4 de Setembro, sexta-feira, às 19h15 no cinema S. Jorge, em Lisboa, com a presença de alguns dos seus colaboradores, estando a apresentação a cargo de João Maio Pinto.
Depois do inicial “Zona Zero”, esta é a segunda edição do projecto independente Zona, que publica ilustrações e bandas desenhadas de jovens autores portugueses, desta vez dedicado ao terror aos quadradinhos, ou não esteja o seu lançamento integrado na programação do festival de cinema MOTELx 2009, que até ao próximo domingo divulga a mais recente produção internacional de cinema de terror.

BD para ver – David Rubin na Mundo Fantasma

Até 13 de Setembro está patente na Livraria/Galeria Mundo Fantasma (no Centro Comercial Brasília, no Porto) uma exposição de originais do autor galego David Rubin, incluindo a belíssima ilustração que acompanha este texto, feita para servir de capa a um livro da Polvo que nunca viu a luz do dia, e de que a Mundo Fantasma editou um giclée, em formato A3.
Passem por lá e aproveitem para trazer (pelo menos) um livro do autor porque se a BD se pode ver é, antes de tudo, para ler.

02/09/2009

As Melhores Leituras de Agosto

Gen Pés-Descalços – 4 volumes (Uma história de Hiroshima, O dia seguinte, A vida após a bomba, O recomeço) (Conrad), de Keiji Nakazawa
Dilbert – Os incompetentes incomodam muita gente (Editorial Noticias), de Scott Adams
Romance da Raposa (Bertrand Editores), de Artur Correia

Superman & Batman #42 (Panini Comics Brasil), vários autores

11/08/2009

Le sauveteur

Jirô Taniguchi
Casterman (França, Abril de 2007)
150 x 210 mm, 336 p., pb, capa brochada com jaqueta

Resumo

Guarda de um refúgio nos Alpes japoneses, Shiga responde a um pedido de ajuda da mulher do seu velho amigo Sakamoto, que antes de falecer, 13 anos antes, o fez prometer que velaria pela sua esposa e filha. Deixa assim o seu “habitat”, para se embrenhar em Tóquio à procura de Megumi, a menor desaparecida.

Desenvolvimento
E embora Shiga não hesite em corresponder ao chamado que lhe é feito, é evidente o seu desconforto no meio citadino, de onde há muito voluntariamente se afastou. Este é um dos pontos de interesse deste manga, cujo tom – e tensão - se vai desenvolvendo num crescendo, à medida que o protagonista se aproxima do seu objectivo, sendo curiosa a comparação estabelecida entre o seu percurso e os passos necessários a uma escalada. Que, numa (longa) cena bem conseguida, acabará mesmo por acontecer, já na ponta final do livro.
Assim, em “Le sauveteur”, mais uma vez uma criação de Taniguchi confronta-se com a cidade, embora aqui o tom seja completamente díspar do de outras narrativas, nomeadamente “L’Homme qui marche”, com a contemplação a dar lugar à acção.
Apesar disso, esta é uma narrativa em que os diálogos têm um lugar preponderante, já que a busca de Megumi, mais do que em lugares, faz-se do questionar pessoas da sua área de conhecimentos ou das zonas (pouco recomendáveis, diga-se) que frequentava. A comunicação de Shiga, maioritariamente com desconhecidos, a maior parte das vezes pouco amigáveis ou pouco dispostos a ajudar, mas também com a mãe e o avô da desaparecida ou com os seus amigos alpinistas, é feita sempre com diálogos no tom justo, credíveis, convincentes, que fazem a história avançar, num ritmo propositadamente lento, sem saltos bruscos ou incoerências, e que permitem ao leitor estar sempre a par do ponto em que está a procura em que o protagonista se empenha.
Ao mesmo tempo, a par desta busca profundamente humana, Taniguchi traça um retrato (desencantado) de uma certa realidade japonesa que, apesar de chocante, não se questiona pela forma quase documental como é apresentada e que contrasta com a imagem sóbria que geralmente passa daquele país. E que faz com que o final, à primeira vista feliz, numa segunda leitura deixe muitas dúvidas quanto às marcas que os acontecimentos daqueles dias deixaram nos seus protagonistas.


A reter
- Os diálogos.

Menos conseguido
- A história ganhava se o leitor fosse mantido na ignorância da identidade do culpado e do destino de Megumi até mais perto do final.
- O contraste entre o ar (quase) semi-caricatural dos rostos das personagens e o traço realista (fotográfico) dos edifícios.

04/08/2009

Les Nourritures de l’âme

Vários autores (argumento)
Kim Dong-hwa (desenho)
Casterman (França, Janeiro de 2008)
169 x 240 mm, 176 p., cor, capa brochada com jaqueta


Projecto atípico, este livro nasceu de uma proposta da revista coreana “Positive Thinking” ao autor, considerado um dos mais brilhantes autores da sua geração, para transformar em bandas desenhadas pequenos contos dos seus leitores, que tinham em comum reportarem casos verídicos, exemplares pela sua sensibilidade e valor humano.
Nasceram assim 20 curtos manhwas (banda desenhada coreana), serenos, delicados e ternos, de grafismo e planificação (e cor) mais próximos dos quadradinhos ocidentais do que do manga japonês, que podem ajudar-nos a pensar no que é/deve ser importante no nosso relacionamento com os outros. O que, convenhamos, não é pouco.

03/08/2009

As Melhores Leituras de Julho

Gil Jourdan - L'Intégrale #1 (Dupuis, de Tillieux
A Teoria do Grão de Areia – vol. 1 (ASA), de Schuiten e Peeters
Clássicos da revista Tintin - Bernard Prince (ASA+Publico), de Hermann e Greg
Lulu Femme Nue – premier livre (Futuropolis), de Davodeau
Sábados dos meus amores (Conrad Editora), de Maurício Quintanilha
Superman & Batman #40 e #41 (Panini Comics Brasil)
Tex Gigante #19 – Arizona em Chamas (Mythos), de Nizzi e Victor de La Fuente
Turma da Mônica Jovem #6 (Panini Comics Brasil), de Maurício de Sousa

Zits – Pierced (Gradiva), de Borgman e Scott

28/07/2009

Nas bancas: Tex Edição Gigante #19 – Arizona em chamas

Claudio Nizzi (argumento) 
Victor de La Fuente (desenho) 
Mythos Editora (Brasil, Maio de 2007) 
182 x 277 mm 242 páginas preto e branco capa brochada 

Resumo Tex Willer e Kit Carson são enviados por Washington ao Arizona, para tentarem evitar uma nova guerra com os apaches, mas para isso terão que vencer a desconfiança dos indígenas e as armadilhas dos grupos interessados nas confrontações. 

Desenvolvimento Álbum escrito à medida do seu desenhador – como raramente terá acontecido em Tex – privilegiando uma temática – os confrontos brancos invasores/índios invadidos, uns protagonistas – os apaches – e uma localização – as regiões semi-desérticas da fronteira do Arizona com o México – “Arizona em Chamas” brilha, desde logo e por isso, pelo traço realista e seguro do veterano espanhol Vítor de La Fuente, em especial no tratamento que dá aos cavalos e às zonas montanhosas. A história de Nizzi, que começa com uma conspiração bem urdida, onde realça os jogos de interesse – políticos, económicos e financeiros – que estiveram em grande parte por detrás da conquista do Oeste e do quase extermínio dos índios, e que quase culmina com uma derrota de Tex, salvo por um encontro casual, decorre depois em bom ritmo, com diversas inflexões, perseguições e confrontos (com bandidos contratados, apaches rebeldes e autoridades mexicanas corruptas) como se exige a um bom western. 

A reter - A forma como a conspiração contra os rangers e o representante enviado por Washington se vai desenvolvendo, a diversos níveis, num crescendo, até explodir com consequências imprevisíveis e, nalguns casos, irreparáveis. - O traço algo “sujo” e duro, mas vivo e dinâmico de La Fuente. 

Menos conseguido - É curioso que cavaleiros experientes como Tex e Carson desperdicem o seu tempo em constantes trocas da sua posição relativa ao longo do caminho. Surpreendidos? Vejam a sequência das páginas 52 a 54 em que os dois cowboys trocam repetidamente da direita para a esquerda e vice-versa! 

Curiosidade - Publicado inicialmente em 1992, esta BD foi republicada em Itália em Fevereiro de 2007, na colecção Tex Stella D’Oro #5. No Brasil, foi o primeiro Tex Edição Gigante em 1995, então editado pela Globo, surgindo agora como o 19º volume da colecção da Mythos.

26/07/2009

Tex Edição Gigante #6 – A Última Fronteira

Tex Edição Gigante #6 – A Última Fronteira 

Clãudio Nizzi (argumento)
Goran Parlov (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Dezembro de 2000)
182 x 277 mm, 242 páginas, preto e branco, capa brochada 

 Resumo Jim Brandon, o coronel da Polícia Montada canadiana, uma vez mais recorre à ajuda de Tex Willer e Kit Carson, desta vez para o ajudarem a prender Jesus Zane, um fora-da-lei que aterroriza a região, deixando um rasto de sangue e morte por onde passa. Oportunidade para os dois heróis reencontrarem também Gros-Jean. 

Desenvolvimento Se as edições gigantes de Tex costumam brilhar primeiro pelo traço do desenhador convidado, este é uma (agradável) excepção. Nele, Nizzi constrói um excelente argumento, sólido, bem delineado e em que apresenta um dos mais interessantes e bem caracterizados inimigos que Tex já teve que enfrentar: Jesus Zane, de seu nome, um mestiço filho de mãe índia (violada) e pai branco, que desde pequeno carrega esse fardo. 
Incitado pela mãe a odiar os brancos, muitas vezes encontrando na vida razões para o fazer, cresce dividido entre esse ódio, a amizade por Nat, o seu melhor amigo da adolescência, com quem compete pelo amor (no seu caso não correspondido) da bela Sheewa. A sua história é contada em pormenor, entendemos as suas razões (mesmo não as aprovando), vemos nele um ser (bem) humano, não um dos habituais estereótipos das histórias de Tex. Por outro lado, esta é, possivelmente, das muitas aventuras do ranger que eu já li, aquela em que ele tem menos protagonismo. Ausente em dezenas de páginas, funciona quase só como elemento de ligação entre as diversas fases da narrativa, ganhando protagonismo apenas no final, quando assume o papel de justiceiro. O que contribui para dar consistência à história e reforçar o seu interesse e permite a Nizzi espraiar-se mais na definição dos perfis psicológicos de Jesus e Nat ou mesmo de Sheewa. Uma referência ainda para a violência inaudita (apesar de tudo invulgar neste western) com que culminam os confrontos entre Nat e Zane (pp. 200-207) e entre este e Tex (pp. 234-240). Pena é que para um argumento desta qualidade, tenha sido escolhido não um desenhador consagrado, como é norma, mas alguém (então) quase sem experiência, o croata Goran Parlov, que denota isso mesmo. É verdade que já se adivinham algumas das qualidades, que fariam dele um dos desenhadores de Mágico Vento (com o qual J. Zane se parece bastante), nomeadamente o domínio da planificação e a capacidade de dotar de movimento a acção, mas a verdade é que “pesam” mais o “seu” Canadá, impreciso e indefinido, que poderia ser qualquer outra região, ou a forma “inacabada” de muitos rostos ou mesmo vinhetas.
A reter - O bem urdido e explanado argumento de Nizzi. - Jesus Zane, um dos poucos vilões credíveis de Tex. - O dossier sobre os autores, a obra e o seu contexto, que como é habitual ocupa as primeiras páginas deste Tex Gigante. Menos conseguido - O desenho de Parlov; a história merecia melhor. - A ausência das habituais legendas das imagens no dossier inicial. 

Curiosidades - Dificilmente uma mulher violada daria ao filho o nome do pai. No caso da mãe (índia) de Jesus, isto ainda é mais estranho quando depois o ensina e incita a odiar os (brancos) da raça do seu pai… - A capa do álbum lembra a de “Jesuit Joe”, de Hugo Pratt, a quem Sérgio Bonelli dedica esta obra.

(Texto publicado originalmente no Blog do Tex, em 1 de Julho de 2009)

21/07/2009

Les Rues de Sable

Les Rues de Sable
Paco Roca (argumento e desenho)
Delcourt (França, Abril de 2009)
202 x 257 mm, 96 p., cor, capa cartonada

Resumo

Um jovem, atrasado para se encontrar no banco com a sua companheira, para assinar um contrato de empréstimo à habitação, corta caminho por um velho bairro da sua cidade, cuja saída não consegue achar. Acaba por ir ter a um hotel repleto de personagens absurdas, que vivem um quotidiano vazio e repetitivo, convencidas que nunca o poderão mudar.

Desenvolvimento
Este é um delírio (autobiográfico?) aos quadradinhos, com as sombras tutelares de Hergé e Borges, que explora o mais fundo da mente humana, convidando a que nos percamos com o autor nas armadilhas do subconsciente do protagonista, que, sem o perceber, se vai encontrando com diferentes possibilidades de si próprio, sempre incapaz de fazer (novas) escolhas e opções, sempre preso a momentos, recordações, objectos que o marcaram. Tal como na sua vida real, em que as hesitações, o medo de dar o passo em frente, parecem mais fortes do que o desejo de assumir em pleno a relação amorosa.
Para o narrar, Paco Roca explana mais uma vez o seu belo traço linha clara, combinado com uma planificação sóbria mas diversificada e labiríntica como a própria introspecção que conduz.
Após a leitura, fica a ideia de que a vida é (pode ser) como uma BD, como uma bela BD, na qual sempre pode aparecer a palavra (continua). Resta saber se o protagonista chegou – quis chegar – a tempo ao banco ou se preferiu passar (mais uma parte d)a vida preso nos seus sonhos de liberdade.
A ler, sem qualquer dúvida, apesar de um final demasiado aberto… como quase todos os sonhos. E vidas.

A reter
- Como adepto confesso da linha claro, tenho que destacar o traço de Roca.

Curiosidades
- Tintin, Popeye e o (óbvio) Corto Maltese são alguns heróis de BD que Paco Roca homenageia, expondo-os nas primeiras pranchas do relato.

18/07/2009

Maurício de Sousa, um homem deste tempo

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Maurício de Sousa há poucos anos, numa das suas várias passagens pelo Festival Internacional de BD da Amadora. Com entrevista marcada, preparei-me para o pior e a minha surpresa não podia ter sido maior. Em vez da vedeta ausente e distante (como tantos, de bem menor dimensão, são), encontrei um homem simpático, afável, disponível, de sorriso fácil, conversador, que cativa de imediato.

Ao contador de “histórias em quadrinhos” hábil e de mestria inegável, pude associar um contador de histórias vibrante e caloroso, informado e bom conversador, saltando de tema para tema, evocando memórias ou mostrando um brilhozinho nos olhos quando fala dos seus “filhos desenhados” e dos (muitos) projectos que sempre tem.

Um autor que se revelou também, sempre, um homem do seu tempo - deste tempo - alerta para as inovações tecnológicas, que acompanha e utiliza, e para os interesses, sempre em constante mudança, dos seus potenciais leitores, procurando-os onde estão – na net, no orkut ou no Twitter, onde é frequente encontrá-lo, ouvindo críticas e sugestões, mostrando o que está a fazer, admitindo erros, procurando novos caminhos.

E, acima de tudo, penso que posso dizê-lo, alguém que me honrou com a sua amizade e que continuou sempre disponível, nas várias ocasiões em que depois nos cruzamos, pessoalmente ou ao alcance de um “clic”, sempre com a mesma afabilidade, o mesmo calor, o mesmo brilhozinho.

Parabéns, Maurício!


Nota: A melhor forma de homenagear Maurício de Sousa – qualquer criador –, que hoje comemora 50 anos de carreira, é ler as suas obras. Mensalmente, chegam às nossas bancas mais de uma dezena de títulos, para (quase) todos os gostos e idades, das revistas clássicas da Mônica, Cebolinha, Cascão ou Chico Bento, para os mais conservadores, às novas versões da Turma da Mônica Jovem, da Tina ou do Ronaldinho Gaúcho. Procurem-nas e leiam-nas. Vão ver que vale a pena. Pelo humor e pela simplicidade. E pelo regresso à infância…


17/07/2009

La Théorie du Grain de Sable – Tome 2

La Théorie du grain de sable – Tome 2 François Schuiten (desenho) e Benoit Peeters (argumento) Casterman (França, Setembro de 2008) 300 x 204 mm, 120 p., preto, branco sujo e branco, capa com badanas Resumo Neste segundo tomo de ”La Théorie du Grain de Sable/A teoria do grão de areia”, Schuiten e Peeters unem as pontas que foram espalhando no primeiro tomo, para darem uma conclusão lógica aos acontecimentos que começaram a ter lugar em Brusel, a 21 de Julho de 784: o aparecimento, vindos do nada, e a posterior acumulação de grãos de areia num apartamento e de pedras de peso constante (6793 gramas, um número primo) noutra casa ou na progressiva perda de peso, sem que no entanto emagreça, por parte de um chefe de cozinha, com os quais nos levaram a reencontrar anteriores personagens das Cidades Obscuras, como Mary Von Rathen (de "L'enfant penchée") e Constant Abeels (de "Brusel"). Desenvolvimento Foi longa a espera – de apenas um ano, na verdade, pois foi esse o intervalo entre os dois tomos na versão original francesa - mas a curiosidade era grande após a leitura do tomo 1. E o mínimo que se pode dizer é que a expectativa não foi iludida, quer pelo final inesperado, quer pelo toque tão místico que Schuiten e Peeters dão à conclusão desta história. A partir dos estranhos fenómenos a que Brusel assistiu, com uma fina ironia mas de forma consistente, os autores desenvolvem uma narrativa de contornos ecológicos sobre a confrontação – melhor, sobre as confrontações, cada vez em maior número, cada vez mais inevitáveis nos nossos dias – entre a civilização urbano e ocidental, com factores estranhos - nem melhores, nem piores, só diferentes - ou desconhecidos, provenientes de outros mundos, outras realidades, outras civilizações. Uma antevisão poética, talvez, mas mesmo assim criadora de dúvidas e receios legítimos, sobre o confronto ocidente/oriente, que muitos analistas consideram inevitável, e que poderá tomar muitas formas… No caso presente, os pequenos grãos de areia surgidos do nada que vão emperrar – e quase destruir - a máquina – nem sempre bem oleada, admita-se – que faz funcionar a grande metrópole de Brusel. Pelo caminho, pelos vários caminhos que como todos os seus álbuns também este tem – e esta minha leitura, não é mais do que isso, a minha leitura – aproveitam para homenagear o belga Victor Horta e a sua arquitectura arte-nova, representada pela sua Maison Autrique, sem dúvida personagem importante do relato, dado o lugar central que ocupa até ao seu misterioso desaparecimento e pelo seu posterior reaparecimento surpreendente, que deixo aos leitores descobrir. Ao mesmo tempo que convido também a reverem o traço sumptuoso de Schuiten, magnífico no preto e branco sujo, pintalgado de um branco forte, aqui perturbante, ali luminoso, além revelador, no traço fino e detalhado, na utilização de sombras, manchas de negro e de fabulosos contrastes de claro/escuro, no tratamento da figura humana quanto na representação de edifícios ou de paisagens naturais, na forma como a planificação, variada e heterogénea conduz o ritmo da narrativa, condiciona a nossa leitura e nos leva numa viagem inesquecível por este universo fantástico. (Versão revista e actualizada do texto publicado no BDJornal #24, datado de Outubro de 2008)
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