Mais duas histórias com a participação de Julia Kendall,
numa edição actualmente distribuída em Portugal, que mostram a enorme
capacidade de escrever – e surpreender - que Giancarlo Berardi patenteia.
Sonhos mortais,
que abre a edição, é um registo no limite do fantástico – para uma série
claramente realista… - que tem por base investigações relacionadas com o
cérebro e a capacidade de sonhar.
Num relato em que Julia actua praticamente a solo – o que
também não é habitual – Berardi explora a utilização de drogas e o seu efeito
sobre o subconsciente, num registo entre o onírico e o fantástico que por mais
de uma vez ameaça transformar-se em pesadelo e que terminará de forma trágica.
Quanto a O Homem que
Lia, título belíssimo - mas não tanto como o italiano, L’Uomo che Amava i Libri (O
Homem que Amava os Livros) - para uma narrativa com uma belíssima abertura
sobre o amor à leitura que – por coincidência mas muito a propósito – li no Dia
Mundial do Livro (na passada quinta-feira, 23 de Abril), se volta ao registo
habitual da criminóloga de Garden City, tem uma estrutura narrativa para a qual
não posso deixar de chamar a atenção.
Começa pelo intróito, longo, pausado, ode (indirecta) à
leitura e às suas potencialidades e virtudes, no qual aprendemos do
desaparecimento de um homem – com evidentes necessidades económicas (e
sociais…) - que tinha por hábito passar os seus dias a ler… numa livraria. O
dono, que com ele estabeleceu uma relação de compreensão, ao sentir a sua falta
decide solicitar a intervenção de Julia, também sua cliente.
O avanço da investigação, detalhado por Berradi, em
pormenores como o traçar de um desenho robô que ocupa algumas páginas, preenche
uma das cenas seguintes. Os passos seguintes, que levam ao conhecimento das
suas rotinas, à visita aos locais que frequentava e à descoberta da sua casa,
fazem aprofundar o tom sociológico da narrativa, sempre presente em Julia, mas
reforçado na primeira parte do relato.
No entanto, quando rudo parecia indicar que o mote desta
história era o envelhecimento, a perda de capacidades, a pobreza económica e o
desenraizamento social, Berardi, num golpe de escrita, sem apagar ou negar o
que até aí explanara, reorienta Julia (e o leitor) para um conto subitamente
mais duro, onde drogas, prostituição, violência e vingança se vão combinar até
ao desfecho nefasto e distante do que apontavam os pressupostos iniciais.
Tudo isto é-nos contado sem quebras de ritmo, sem cortes nem
saltos bruscos, ao longo de um trabalhoso passeio por algumas das zonas menos
favorecidas de Garden City e pelas zonas mais sombrias do ser humano e dos seus
relacionamentos.
J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga #112
Sonhos mortais
Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)
Laura Zuccheri (desenho)
O homem que lia
Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)
Enio (desenho)
Mythos Editora
Brasil, Setembro/Outubro de 2014
135 x 180 mm, 260 p., pb, capa mole, mensal
R$ 20,50 / 10,00 €
Sem comentários:
Enviar um comentário