30/07/2010

Bugs Bunny, 70 anos irrequietos

Há 70 anos, Bugs Bunny – ou Pernalonga como entre nós foi conhecido durante muitos anos – fazia a sua primeira aparição, garantindo desde logo boa disposição.
A sua estreia, com o nome que o celebraria como uma das maiores estrelas da animação – ou mesmo a maior de sempre, segundo a “TV Guide”, em 2002 - foi a 27 de Julho de 1940, em “A Wild Hare”, curta-metragem de 8 minutos, dirigida por Tex Avery, em que pela primeira vez faz a cabeça em água ao também estreante caçador Elmer J. Fudd (a quem dá também o primeiro e sonoro beijo). A imagem que hoje lhe reconhecemos, da responsabilidade de Robert McKimson, só chegaria mais tarde, mas a sua voz inimitável já se devia a Mel Blanc, que a definiu como “uma mistura do sotaque do Bronx e de Brooklyn”.
No entanto, o protótipo de Bugs Bunny, um certo Happy Rabbit (Coelho Feliz) aparecera pela primeira vez a 30 de Abril de 1938, em “Porky’s Hare Hunt”, com o pêlo completamente branco e uma personalidade quase paranóica, semelhante à de Daffy Duck, tendo sido figurante de mais quatro filmes, em que apresentou ainda uma gargalhada muito semelhante à que viria a ficar como imagem de marca de Woody Woodpecker (Picapau).
No entanto, segundo alguns historiadores, a sua linha genealógica deveria começar a ser traçada mais atrás, pois a personagem teria sido inspirada em Max Hare, um outro coelho animado, criado por Walt Disney em 1935. Outros, no morder da cenoura, apontam-lhe influências de Groucho Marx e do seu charuto, bem como na repetição de uma frase que aquele popularizou: “Of course you know, this means war!”.
Independentemente destas considerações, o seu “cartão de cidadão” aponta 27 de Julho de 1940 como data oficial de nascimento, embora não especifique se se trata de um coelho ou de uma lebre... Quem o conhece – e há quem não o conheça, afinal? -, tem dificuldade em limitar os adjectivos necessários para o caracterizar: inteligente, mordaz, sarcástico, rápido, decidido, irritante, provocador…
Da sua biografia constam participações na II Guerra Mundial, contra Mussolini, Hitler e os japoneses, e a presença nos aviões de diversas esquadrilhas, como mascote. A conquista de um Óscar – em 1958, por “Knighty Knight Bugs” – em três nomeações e uma estrela na calçada da fama de Hollywood, são alguns dos pontos altos da longa carreira de Bugs Bunny, a quem, após a morte de Blanc, em 1989, também emprestaram a voz Jeff Bergman, Greg Burson e Billy West. E Paulo Oom, na versão portuguesa.
Para lá das dezenas de curtas-metragens que fizeram a sua merecida fama, Bugs Bunny foi também inspiração ou modelo de um infindável número de artigos de merchandising e de uma emissão filatélica nos EUA e estrela de outros suportes, como os videojogos.
Mas muito antes disso, logo em 1941, o sucesso da versão animada transportou-o para os quadradinhos, no número inaugural da “Looney Tunes and Merrie Melodies” (da Dell Publishing), desenhado por Win Smith. Um ano depois estreava título próprio, com o grafismo a cargo de Carl Buettner e, em 1943, passava a protagonizar também tiras diárias de imprensa, que duraram até 1993, menos um ano que a sua revista. Nos quadradinhos conta-se ainda um estranho encontro com Superman, Batman e os outros membros da Liga da Justiça, em 2000.
No cinema que o viu nascer, participou também em longas-metragens como “Who Framed Roger Rabbit” (1988), “Space Jam” (1996), em que dividia o protagonismo com a estrela do basquetebol Michael Jordan, ou “Looney Tunes: Back to Action” (2003)
Se a passagem do grande para o pequeno ecrã foi pacífica e natural, este estreou duas curiosas versões: os Baby Looney Tunes (em 2002), que reúnem Bugs Bunny, Tweety, Silvester, Daffy Duck, Lola e Tazz ainda bebés, e “Loonatics Unleashed” (2005), uma visão futurista dos mesmos protagonistas, “travestidos” de super-heróis.
Hoje, apesar das suas setenta primaveras, o “velho Pernalonga” continua ágil e imprevisível, a soltar com o seu jeito inimitável o característico e sonoro “What’s up, doc?”, garantia infalível de boas gargalhadas.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Julho de 2010)

28/07/2010

Green Lantern: 70 anos


Corria o ano de 1940, Superman e Batman tinham posto os super-heróis na moda, a II Guerra Mundial em curso era terreno de eleição para a sua actuação contra as Forças do Eixo (do mal…) e em Julho, a revista “All-American Comics” #16 estreava mais um, de seu nome Green Lantern – Lanterna Verde, escrito por Bill Finger (também ligado à criação do Homem-Morcego) e desenhado por Martin Nodell.
Como principal marca distintiva ostentava um anel verde, que lhe permitia concretizar tudo o que a sua mente fosse capaz de imaginar. Na sua origem o anel era mágico mas, em vidas (aos quadradinhos) posteriores, seria uma criação tecnológica dos Guardiões do Universo, que em cada mundo habitado designavam o Green Lantern local. Como senão, o anel tinha que ser recarregado a cada 24 horas, numa (quase) cerimónia mística que incluía um juramento no qual o seu portador se comprometia a defender o bem contra as forças do mal.
O Green Lantern original era um engenheiro na vida civil, que esteve para se chamar Alan Ladd, num trocadilho com Aladin, o possuidor de uma lâmpada mágica com um génio dentro! O editor achou fraca ideia e mudou-lhe o nome para Scott. Perdeu uma bela oportunidade de, meses mais tarde aproveitar para fazer uma colagem para um novo actor que começava a brilhar em Hollywood chamado… Alan Ladd!
Com o fim da guerra, as vendas dos super-heróis entraram em declínio e as aventuras de Scott foram suspensas.
Em Outubro de 1959, por iniciativa do editor Julius Schwartz, nascia um novo Green Lantern, que na vida civil era Hal Jordan, piloto de testes da Força Aérea. As suas histórias eram assinadas por John Broome e desenhadas por Gil Kane, que fizeram dele um dos membros da Liga da Justiça.
Hal Jordan viveria os seus melhores momentos nos anos 70, quando Denny O’Neil e Neal Adams o associaram ao Arqueiro Verde (uma espécie de super-Robin Hood) levando-os numa viagem de costa a costa pelos Estados Unidos, na qual descobriram, revelaram e combateram a verdadeira criminalidade: assaltantes, políticos corruptos, promotores imobiliários à margem da lei, traficantes de droga…
O auge do realismo, patente também na abordagem da (complicada) vida sentimental dos dois heróis, foi atingido num arco em que descobriram que Speedy, o jovem pupilo do Arqueiro Verde, era ele próprio um drogado, numa história que marcou uma época e levou os super-heróis às páginas de publicações (sérias…) como o The New York Times, The Wall Street Journal ou a Newsweek. Foi também nesse período que surgiu John Stewart, um Green Lantern negro, o que permitiu uma abordagem à questão do racismo. Apesar do sucesso crítico e mediático as vendas não corresponderam e o título seria de novo suspenso.
Stewart seria mais um dos portadores do anel, tal como Kyle Rayner e Guy Gardner, entre outros. Posteriormente Jordan viria a transformar-se no vilão Parallax, morrendo e regressando como Spectre, ao mesmo tempo que as aventuras se tornavam mais cósmicas e místicas, perdendo o tom realista e apresentando como adversário recorrente Sinestro, um Green Lantern renegado, possuidor de uma anel de cor amarela.
Recentemente, Geoff Johns recuperou o herói como estrela de primeira grandeza do universo da DC Comics nas sagas “Green Lantern: Rebirth” (2004) e “Blackest Night” (2009).
Isso tornou-o um alvo apetecível face ao interesse crescente do cinema pelos super-heróis, estando, assim, em produção um filme realizado por Martin Campbell, escrito por Greg Berlanti, Michael Green, Marc Guggenheim e Michael Goldenberg, que terá como principais protagonistas Ryan Reynolds, Black Lively, Peter Sarsgaard e Mark Strong. O lançamento deverá ocorrer dentro de sensivelmente um ano, em Julho de 2011, devendo seguir-se uma segunda longa-metragem de animação, depois da boa aceitação de “First Flight”, bem como uma série de desenhos animados para o Cartoon Network.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Julho de 2010)

26/07/2010

X-23

Marjorie Liu (argumento)
Filipe Andrade (desenho das pranchas 3-10,12-18, 30-36 e parte das pranchas 19-22)
Nuno Alves (desenho, arte-final e cor das pranchas 1-2, 11, 23-29 e parte das pranchas 19-22)
Jay Leisten (arte-final)
Sandu Flórea (arte-final)
SotoColor (cor)
Marvel Comics (EUA, Maio de 2010)
168 x 257 mm, 48 p., cor, comic-book


Esta é mais uma edição da Marvel com assinatura portuguesa, uma história completa em 36 páginas, escrita por Marjorie Liu, cujo desenho a lápis foi feito por Filipe Andrade (desenhador de BRK)e Nuno Plati Alves, tendo este último sido também responsável pela arte-final e a cor das pranchas em que participou. A passagem a tinta das restantes esteve a cargo de Jay Jensen e Sandu Flórea, que desenhou a saga “Batman: R.I.P.”, na qual o Homem-Morcego perdeu (?) a vida.
Ao Jornal de Notícias, Filipe Andrade revelou que “este trabalho veio como consequência directa da não realização a tempo da autora predestinada ao mesmo” e também “porque devem ter ficado satisfeitos com a minha primeira colaboração com eles”, uma BD do Homem de Ferro, ainda inédita.
E acrescenta: “As maiores dificuldades foram os prazos curtíssimos. Cerca de 20 dias para desenhar 24 pranchas com layouts e estudos de personagens pelo meio”. Andrade teve ainda que suprir o desconhecimento que tinha da personagem principal, X-23: “quando fechei o negócio estava ainda no primeiro dia de Angoulême. Não tive grande tempo para me familiarizar com a personagem. Fui-a conhecendo ao longo da BD”.
X-23 é o pseudónimo de Laura Kinney, uma clone de Wolverine, que possui garras retrácteis nas mãos e também nos pés, que apareceu pela primeira vez na série animada “X-Men Evolution”, tendo depois passado para os quadradinhos onde é actualmente um dos membros da X-Force.
Esta história, conta a sua partida da ilha de Utopia, refúgio dos X-Men, na baía de S. Francisco, e o seu regresso provisório às ruas sombrias e degradadas de Nova Iorque, “um tipo de ambiente com o qual me sinto à vontade, o que me ajudou”, revela o desenhador. E fá-lo numa tentativa de encontrar o seu próprio caminho e começar a lutar por si própria, depois de uma vida em que sempre se sentiu usada por aqueles que a rodeavam, desde a sua criadora aos próprios X-Men, numa narrativa mais próxima do registo psicológico do que do registo de acção habitual no género de super-heróis.
A escolha de dois desenhadores serviu para tornar mais distintos os momentos em que a acção se desenrola no plano real - executados por Filipe Andrade, com um traço mais realista -, daqueles em que a personagem mergulha em si própria, tentando encontrar-se e ao caminho a trilhar - que couberam a Nuno Plati Alves, que optou por um desenho mais estilizado, sem contornos e trabalhados com uma reduzida paleta de cores, em que imperam o negro, o vermelho e o amarelo.

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 9 de Maio de 2010)

23/07/2010

Astroboy 2

Osamu Tezuka (argumento e desenho)
ASA (Portugal, Julho de 2010)
127 x 182 mm, 208 p., pb, brochada

Se já algo ficou escrito n’As Leituras do Pedro sobre Astroboy, aquando do lançamento do primeiro tomo desta trilogia que a ASA está a editar, a chegada às livrarias do segundo tomo um mês decorrido sobre o lançamento do primeiro – dentro do prazo previsto, portanto, o que nem sempre (raramente?!) tem sido regra em Portugal – justifica nova chamada de atenção para a obra em geral e alguns detalhes dela em particular.
Em geral, porque Tezuka é um dos grandes nomes do manga e da BD e lê-lo em português é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada. Até porque a edição, graficamente, está bem cuidada e conseguida (pese embora alguns problemas na impressão dos tons cinzentos) e respeita o sentido de leitura do original japonês.
Depois, porque Astroboy é um clássico que, se tem algumas marcas do tempo que decorreu desde o seu lançamento - nos anos 60 do século passado – como era inevitável numa obra de antecipação tecnológica e científica, continua perfeitamente legível e, em muitos aspectos, actual. E se a primeira impressão é que estamos face a uma obra ingénua – e a ingenuidade está presente nela - e até infantil – devido a algumas das soluções narrativas adoptadas - , uma leitura – que nem necessita de ser muito atenta – contraria de imediato esta ideia porque, com o seu traço (enganadoramente) simplista - mas muito expressivo e dinãmico -, Tezuka consegue desenvolver histórias adultas que podem até ser chocantes e cruéis, destacando-se nestes aspectos, nesta nova compilação, “Sua alteza Deadcross”, o primeiro dos três contos nela inseridos.
Deixo ainda uma chamada de atenção final para a dualidade humanos/robots que perpassa toda a saga de Astroboy, com as criações mecânicas, frequentemente, a ultrapassarem em humanidade os seus criadores humanos…

22/07/2010

Leituras da Turma da Mônica de Julho

Títulos da Maurício de Sousa Produções distribuidos este mês nas bancas portuguesas:

Mônica #37
Cebolinha #37
Cascão #37
Chico Bento #37
Magali #37
Ronaldinho Gaúcho e Turma da Mônica #37
Almanaque da Mônica #19
Almanaque do Cebolinha #19
Almanaque do Cascão #19
Turma da Mônica – Uma aventura no parque #37
Grande Almanaque de Ferias #7
Almanaque da Tina #7
Almanaque Turma do Astronauta #6
Turma da Mónica – Saiba mais #28 – Os Imigrantes
Colecção Histórica da Turma da Mónica #15
Turma da Mônica Jovem #19
Turma da Mônica Jovem em cores #1

21/07/2010

Corps de pierre

Joe Casey (argumento)
Charlie Adlard (desenho)
Delcourt (França, Junho de 2010)
173 x 264 mm, 112 p., pb, brochado com badanas


Resumo

Tom Dare, músico, acabou de passar por um divórcio difícil que deixou marcas profundas. Bem como a descoberta de que a jovem com quem andava está grávida. Alguns dias mais tarde, ao acordar, sente um dedo inchado e adormecido. Na semana seguinte, aquela espécie de paralisia começa a estender-se ao resto do corpo: mãos, braços, pernas, troncos, ao mesmo tempo que o seu peso aumenta de forma brutal e inexplicável. Mesmo para os médicos que consulta, que apenas podem constatar que o seu corpo se está a transformar em pedra…

Desenvolvimento
Começa então uma corrida contra o tempo, em busca de uma solução para o estranho mal. E também em busca de soluções para os conflitos e relações interrompidas (para não escrever estragadas) que Tom foi espalhando: com a mãe, a ex-mulher, a jovem que recentemente engravidou…
Um tempo em que Tom vai acabar por se descobrir e também descobrir, finalmente, quem são os seus verdadeiros amigos, conforme este buscam auxiliá-lo – mesmo que por vezes contra a sua vontade – ou tirar partido – fama, dinheiro – da sua doença.
Um tempo que se revela curto, mas durante o qual Tom (re)encontra uma paz que, possivelmente, nunca conheceu antes.
Este é um relato dramático, em que o tom fantástico da ideia base rapidamente dá lugar a uma narrativa sobre relações humanas, que surpreende por ter como autores dois nomes ligados aos comics norte-americanos, Joe Casey (Uncanny X-Men, Adventures of Superman, G.I. Joe) e Charlie Adlard (Batman e Walking Dead).
O relato, com um curioso ponto de partida, está bem escrito, tem algumas surpresas e um ou outro bom achado – como a venda de “recordações do “homem-de-pedra” – prende e cativa e apesar do crescendo do seu tom trágico, consegue com um inesperado final pacífico e até relaxante, tocar o leitor.
O traço de Adlard, fino, quase só contornos, aqui e ali manchados com o cinzento da pedra em que se está a transformar o corpo de Tom, se não deslumbra, até porque tem alguns desequilíbrios e nalgumas vinhetas se revela falho de dinamismo e expressividade, globalmente cumpre o seu propósito.

20/07/2010

Leituras Marvel de Julho

Títulos da Marvel editados pela Panini Comics (Brasil) distribuídos este mês nas bancas portuguesas:

Homem-Aranha #96
Os Novos Vingadores #71
X-Men #96
Avante Vingadores #35
Universo Marvel #53
Wolverine #60

19/07/2010

Le fils d’Hitler

Pieter De Poortere
Glénat (Junho de 2010)
240 x 320 mm, 64 p., cor, cartonado


Resumo
Dickie, o anti-herói de bigode, com cabeça de Playmobil (sic), que costuma passear pela história, encontra-se esta vez em plena segunda guerra mundial, como filho “perdido” de Hitler, esse mesmo, o Adolf.

Desenvolvimento
O desafio era difícil. Porque De Poortere optou por uma história completamente muda. E porque o seu grafismo, aparentemente simplista, próximo do (tal) visual “Playmobil”, numa linha clara estilizada e depurada, de traço grosso e cores lisas, com uma planificação simples e sóbria, parecia pouco indicado para um retrato, ainda que mordaz da II Guerra Mundial.
Mas o holandês, colaborador regular do jornal “Ferraille”, venceu-o a todos os níveis. A história, rocambolesca, assente numa série de episódios/personagens-tipo deste género de relatos, desenvolvida em vários episódios auto-conclusivos, ao longo dos quais vai apresentando e definindo as personagens principais que se cruzam com seres reais como Staline ou Churchill, está bem conseguida, é consistente e extremamente legível.
O autor começa pela vida de Hitler nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, explica como um ferimento o levou a gerar (involuntariamente) um filho cuja existência desconhecia. Como este – o amorfo Dickie - mais tarde se tornou protector (interesseiro) de fugitivos da Gestapo, como o Führer fez de tudo para ter um descendente, como Eva Braun lhe ocultou a existência do filho legítimo, como Adolf fez de tudo para o reencontrar, indo mesmo a um campo de concentração, e como, finalmente,fez com ele, tudo o que um pai anseia: passear, pescar… Até que, com a derrocada final e a perda iminente da guerra, surge o final desconcertante (ou não…), que tem o mérito de repor o ditador no seu lugar, apagando qualquer sombra de limpeza da História que mentes mal intencionadas pudessem tentar descobrir na narrativa.
E com um trunfo irresistível: o humor extremamente inteligente presente em todo o relato. Que pode ser anárquico, irreverente ou cínico até. Que frequentemente passa bem para lá do politicamente correcto - como no suicídio do ditador, falhado por trocar veneno por Viagra. E que outras vezes roça, não, choca violentamente de frente com o mais (saudável) mau gosto (seja lá isso o que for!), como quando, no campo de concentração, a amiga que Dickie procura lhe é trazida… numa urna ou o americano se fere numa explosão provocada por acender um cigarro… numa câmara de gás.
Um humor, também, irreverente, reforçado pelas páginas duplas que separam os diferentes capítulos, desenhadas ao estilo dos livros-jogo “Onde está Wally?” onde, mais importante do que encontrar a personagem que está escondida, é descobrir e apreciar as incoerências, as situações absurdas e os gags de que estão pejados cada desenho, que combinam o desembarque na Normandia com cenas balneares ou colocam um campo de concentração paredes-meias com estâncias de montanha, nomeio de uma floresta onde passeiam personagens de contos infantis como o Capuchinho Vermelho ou Hansel e Gretel…
Um humor, finalmente, que se consegue claramente divertir o leitor, a partir de um tema que nada tem de engraçado, nunca esquece o propósito de o fazer reflectir neste passeio por uma das facetas (desconhecidas!) da Segunda Guerra Mundial, onde, apesar de tudo, continuam patentes o seu horror e a ultrapassagem que foi feita de muitos dos limites (morais….) que o ser humano nunca deveria transpor.

A reter
- O todo, que merece ser descoberto e fruído.

18/07/2010

Leituras DC Comics de Julho

Títulos da DC Comics editados pela Panini Comics (Brasil) distribuídos este mês nas bancas portuguesas:

Batman #85
Superman #83
Superman & Batman #53
Liga da Justiça #84

17/07/2010

Leituras Bonelli de Julho

Títulos da Mythos Editora distribuídos este mês nas bancas portuguesas:

Tex #457 – Tiro ao alvo (Nizzi e Milano)
Tex Colecção #249 – Os rapinantes do Rio Grande (Bonelli e Letteri)
Tex Ouro #38 – A cidade do medo (Nizzi e Blasco)
Tex Férias #8 – Grito de guerra (Nolita e Galleppini)
Tex Edição em cores #3 – O bando do Vermelho (Bonelli e Galleppini)
Zagor Extra #70 – A confissão (Toninelli e Donatelli)
Zagor #106 – Gente de Fronteira (Mignacco e Chiarolla)
J. Kendall – Aventuras de uma criminóloga #63 – Envenenamento (Berardi, Mantero, Michelazzo e Zuccheri)
Mágico Vento #92 – Visões (Manfredi, Talami e Biglia)
Leo Pulp, Detective Particular #1 (de 2) – O sumiço de Amanda Cross (Nizzi e Bonfatti)

16/07/2010

Harvey Pekar (1939-2010)

As notícias dizem que Harvey Pekar faleceu segunda-feira passada. Foi encontrado morto pela sua mulher, Joyce Brabner, no chão da sua casa, em Cleveland, no Ohio. Possivelmente vítima de cancro da próstata, embora também sofresse de hipertensão e de graves crises de depressão.
Se na maior parte dos jornais, o acontecimento só merecerá umas poucas linhas, se pudesse, Pekar faria dele o argumento de mais uma das suas bandas desenhadas. Porque, como costumava dizer, “se me aconteceu o mundo tem que saber”. Mesmo que o mundo seja o micro-cosmos que lê os seus comics auto-editados primeiro, desde 1976, no catálogo da Dark Horse desde o início da década de 90. Este podia ser o lema de Harvey Pekar que, numa das suas páginas chega a afirmar: “Eu vejo as coisas desta maneira – qualquer coisa que não me mate pode ser a base para uma das minhas histórias”.
Mas será que a vida de Pekar tem algum interesse? Não, dizem alguns. Não passa da existência simples e vulgar de alguém pertencente à classe média baixa, durante 30 anos arquivista num hospital da cidadezinha de Cleveland, nos EUA. Ou sim, segundo outros. Por isso o seu comic é objecto de culto e até deu origem ao filme que hoje estreia em Portugal. Em resumo, “American Splendor” é um daqueles casos típicos que ou se ama ou se odeia...
E o seu título é, desde logo, enganador, pois Pekar mostra o “esplendor americano”, pelo seu pior lado, em oposição às tradicionais bandas desenhadas de super-heróis que glorificam tudo o que é “made in USA”. Porque o esplendor de Pekar é tudo menos esplendoroso. É um retrato nú e cru do seu dia-a-dia. Episódios soltos, isolados, cuja narrativa pode começar a meio e terminar em aberto, antes que se lhes adivinhe um “fim tradicional”. Por isso não surpreende que Pekar, pessimista, constantemente desgostoso com a vida, revoltado ou simplesmente indisposto (característica que tem vindo a suavizar-se nos últimos anos – os seus “declining years”, como o próprio os define), nos possa narrar uma discussão na mercearia, algo tão significativo como o determinar da rotina diária (despejar cestos de papéis, lavar roupa, arquivar fichas, de forma a reduzir ao mínimo os percursos em escadas), ou o simples descascar de uma tangerina (e o que fazer com os seus caroços!). Ou o seu casamento, o que presencia, a vida daqueles com quem se cruza, as suas presenças no popular talkshow televisivo "Late Night with David Letterman"... Ou, pegando na tal ideia de que “o que não me mata, pode ser tema de história”, o cancro que o afectou, narrado em “Our cancer year” (1994), uma novela gráfica de mais de 200 páginas, em que Pekar (inicialmente Joyce, a sua mulher), com arte de Frank Stack, relata a sua luta contra aquela doença, que o acometeu em 1990, e como a realização da BD o ajudou não só a sobreviver ao cancro mas também ao tratamento que teve de fazer, fortalecendo os seus laços conjugais.
Claro que há excepções à regra. Mas são poucas. Geralmente relatos musicais (Harvey Pekar é também coleccionador e crítico de jazz), aconselhamento de um livro (também faz crítica literária), casos que lhe foram contados e, mais recentemente, “Unsung hero”. Editada em 2003, desenhada por David Collier, é a história verdadeira de Robert McNeil, um negro que, ingenuamente se inscreveu no exército norte-americano, antes da maioridade, na altura da guerra do Vietname, que nos conta o seu dia-a-dia no meio de rotinas e combates, problemas de racismo e o relacionamento com os autóctones, de uma forma directa, serena, mas não isenta das emoções que só a vida real proporciona.
Se começou com Crumb ao seu lado, Pekar - que apenas escreve os argumentos fornecendo-os em forma de planificação primária ao ilustrador - nem sempre tem sido feliz nos desenhadores que encontra e “American Splendor” ressente-se disso. Se Crumb e Sacco, nomes grandes da BD, bem como Neufeld ou Zabel, são excepções àquela regra, outros dos que têm passado pelas páginas dos seus comics são mais ilustradores do que autores de BD, o que não permite que as narrativas se apresentem com toda a força e eficácia que os argumentos prefiguravam. Porque as narrativas de Pekar, às vezes divertidas, às vezes pungentes, sempre verdadeiras, são directas, embora por vezes palavrosas, de leitura agradável pela fluência da narrativa, pela forma como distribui o texto pelas vinhetas ritmando a leitura e também pela escrita fonética que utiliza. E foi por levar, desta forma, a vida real para a BD, elevando-a enquanto arte, que explica a importância (e o sucesso, relativo, à escala de uma BD marginal e independente) de “American Splendor”, mais a mais se atendermos à total ausência de sexo, violência, ficção ou qualquer forma de cedência aos gostos do público.
Desde 2009, iniciara na Internet The Pekar Project, um site criado em conjunto com outros criadores, com textos e bandas desenhadas auto-biográficas, que agora assumirá o cariz de um imenso memorial de um autor controverso, sobre quem Robert Crumb afirmou: "Yeah, o Harvey é um ego-maníaco, um caso clássico, um dedicado, compulsivo judeu louco... Mas, de outra forma, como é que ele poderia ter publicado tantos comics, quase sem dinheiro, completamente isolado do mundo da BD, constantemente a implorar ou a ameaçar artistas para ilustrarem as suas histórias? E distribuindo ele mesmos as revistas!? Só um ego-maníaco persistiria diante de tantos sofrimentos. Eu desenho para ele por dois motivos: primeiro porque adoro a sua forma de contar histórias, e segundo para ele não me chatear!".

(Versão revista e actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Março de 2004, a propósito da estreia do filme “American Splendor”)

14/07/2010

Akissi – Attaque de Chats

Marguerite Abouet (argumento)
Mathieu Sapin (desenho)
Clémence (cor)
Gallimard (França, Junho de 2010)
200 x 260 mm, 48 p., cor, cartonado


Resumo
Akissi é uma pequena costa-marfinense com 6, 7 anos, muita vida e especialmente dotada para criar confusões.

Desenvolvimento
Fosse a realidade de Akissi outra (a portuguesa) e rapidamente seria rotulada de hiperactiva (no bom sentido do termo, não como acontece (cada vez mais) neste (cada vez mais triste) país, em que falta de educação e respeito se confundem com hiperactividade).
Mas como Akissi nasceu e vive numa qualquer vilazinha da Costa do Marfim – que é muito mais do que a pátria de Drogba… - é apenas uma criança cheia de vida e traquina, para gáudio de todos nós, os seus leitores, pois as suas aventuras transportam-nos para um mundo da infância cada vez menos presente no mundo ocidental, que fabrica crianças obesas e limitadas, presas a ecrãs.
Mas já chega de amargura, até porque Akissi nos traz uma lufada de ar fresco e boa disposição.
Composto por histórias curtas, este álbum aflora situações associadas ao quotidiano infantil e ao seu imaginário, abrindo logo por uma recriação da história do Capuchinho Vermelho, em que Akissi tem que ir levar um cesto com peixe a uma vizinha, perdendo-se pelo caminho e enfrentando um… gato faminto (!), que apresenta divertidas variações e um final bem diferente e inesperado.
Mas há também uma discussão entre irmãos sobre se as meninas podem ou não jogar futebol, que termina com um final politicamente incorrecto, em que um corcunda é tomado por alguém que engole bolas (!), uma dissertação sobre a possibilidade dos macacos substituírem irmãos menores ou uma história (não aconselhável a pessoas de estômago sensível) sobre lombrigas.
As histórias, com uma estrutura que as torna ideais para serem publicadas numa publicação regular – as saudosas revistas de BD… - prosseguem neste tom ligeiro, divertido, refrescante, para o que também contribui o traço agradável e expressivo de Sapin, bem servido por cores lisas e alegres.

A reter
- O retrato traçado de uma realidade (africana) completamente diferente (ou às vezes nem tanto…) daquela a que estamos habituados.
- O humor de algumas situações.
- A ternura com que é retratado o mundo da infância.

Menos conseguido
- A sensação que fica, no final de cada história, que algo mais ficou por contar, que aquela situação poderia ter sido mais explorada.

Curiosidade
- Akissi é a irmã mais nova de Aya de Uopougon (http://www.bd.gallimard.fr/ouvrage-A57311-aya_de_yopougon.html), uma outra protagonista de bandas desenhadas escritas por Marguerite Abouet e desenhadas por Clément Oubrerie.

12/07/2010

Un Regard par-dessus l’Épaule

Pierre Paquet (argumento)
Tony Sandoval (desenho)
Paquet (Suíça, Janeiro de 2010)
240 x 320 mm, 96 p., cor, cartonado

Desenvolvimento
Este é um álbum estranho.
À partida – até pelo traço de Sandoval – tudo parece indicar (mais) uma narrativa sobre crianças traquinas. No entanto, ao fim de uma mão cheia de páginas, tudo começa a mudar, quando Pepeto, o (pequeno) protagonista, 11 anos apenas, no momento em que está prestes a pregar mais uma partida, fica com o olhar preso numa imagem de um (também) pequeno Jesus, que aparentemente se moveu e lhe acenou… Seguindo em direcção a ele, acaba por mergulhar na parede. Melhor, dentro de… si próprio, dos seus medos e desejos, dos seus temores e sonhos, das suas memórias e recordações, dando inicio a um conto insólito em que imperam o onírico, o surreal e o imprevisível…
Inicia-se assim um conto recheado de metáforas, que avança e recua, aparentemente sem fio condutor pré-estabelecido, com grandes contrastes e desequilíbrios entre as diversas sequências, que podem passar do vazio completo a verdadeiras emoções. E que vão levando Pepeto pelos mais diversos cenários, confrontando-o com feras, personagens estranhos, animais ou belas meninas, numa sucessão de acontecimentos que o hão-de trazer de novo ao ponto de partida – mais crescido? mais maduro? mais triste? mais revoltado? - onde, finalmente, nos é explicada a razão para o seu delírio (deixem escrever assim, para melhor concretizar a impressão que o álbum me deixou, sem desvendar mais do que o necessário sobre ele). O que obriga a uma releitura, à luz da nova informação recebida, para interpretar pistas que deixamos passar, descobrir novas e tentar encaixar todas as peças deste imenso puzzle.
O traço de Sandoval acaba por ser, apesar de tudo, o motivo de maior interesse deste belo livro (enquanto objecto), revelando para quem não o conhece um excelente ilustrador e colorista, com cada vinheta, cada tira, cada página, a transbordar de poesia, movimento e expressividade, sucedendo-se os exemplos de belas imagens e sequências plenamente conseguidas, que o tamanho do álbum ajuda a realçar.

A reter
- O traço de Sandoval, agradável, dinâmico, expressivo, que consegue ser doce, violento, cruel ou belo, consoante os requisitos da história, e traduzir os incómodos sentimentos de perda e abandono experimentados por Pepeto.
- O argumento, apesar dos senãos apontados, por nos obrigar a reflectir sobre as nossas próprias feridas interiores.

Menos conseguido
- Os desequilíbrios da narrativa.

Curiosidades
- Pierre Paquet é o editor das Éditions Paquet e esta não é a sua primeira incursão como argumentista de BD.
- Este álbum está inserido na Collection Blandrice onde também foi publicado originalmente o “Merci. Patron”, do português Rui Lacas.
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