Gradimir Smudja (argumento e desenho)Delcourt (França, Maio de 2002)
72 p., cor, cartonado
14,95 €
A vitalidade da banda desenhada (da literatura, do cinema, ...) vê-se – também - pelo aparecimento (a)periódico de obras que inovam e/ou surpreendem, ultrapassando todas as expectativas. Mais a mais quando, por detrás delas, está um desconhecido, como é o caso do autor do álbum que destaco hoje, Gradimir Smudja, nascido na antiga Jugoslávia, em 1954, e actualmente a viver em Itália, onde trabalha como professor.
E não admira que Smudja seja um desconhecido das lides da banda desenhada, porque “Vincent et Van Gogh” é o seu álbum de estreia, o que aumenta a surpresa do leitor. Surpresa que se torna maior, porque, aparentemente, o álbum é apenas uma biografia de Van Gogh. Exactamente “o” Van Gogh, o célebre pintor, que nos é apresentado nas primeiras pranchas como um dos grandes especialistas de quadros sobre Paris, mas com a secreta ambição de se tornar também ele artista. Só que, sempre que chega a um local para dar largas à sua veia criadora, alguém já chegou antes dele: Monet, num jardim, Degas, na Ópera, ... E, ao mesmo tempo, os outros pintores (Gauguin, Toulouse-Lautrec,...) consideram-no uma nulidade. Por isso, Van Gogh, desiludido, deixa a sua cidade e parte para a Provence.
E é aqui que surge a grande surpresa, quando Smudja nos revela um dos mais bem guardados segredos da história da arte: os quadros atribuídos a Van Gogh não foram pintados por ele, mas sim por Vincent... um gato que o pretenso pintor salva de uma aflição! Na continuação do álbum vamos acompanhar a cumplicidade dos dois (Vincent e Van Gogh), e como o segundo se reduz rapidamente a pouco mais do que uma sombra do primeiro, a quem inveja o talento, a ousadia, as atenções do belo sexo... e com quem acabará por se desavir, o que lhe custará a célebre perda da orelha...
Esta é a história que nos conta de forma leve, descontraída e bem-humorada, mas com muito talento, num estilo gráfico próximo da técnica do pastel, Smudja, que transformou este álbum numa bela homenagem aos génios da pintura citados, cujas obras vamos encontrando, ao virar de cada página, como fundo de uma vinheta, ou parte da acção, num belo passeio pela História da Arte do século XIX.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 25 de Fevereiro de 2003)
NOTA: Este álbum foi editado em português pela Witloof.
24/08/2011
Vincent et Van Gogh
Leituras relacionadas
Delcourt,
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opinião,
Witloof
23/08/2011
Popotka le petit sioux
#1. La Leçon d'Iktomi
David Chauvel (argumento)
Fred Simon (desenho e cor)
Delcourt (França, Setembro de 2001)
32 p., cor, cartonado
8,95 €
Na banda desenhada, durante muitos anos, como no cinema, aliás, "os índios bons eram os índios mortos". Pontualmente, aparecia uma honrosa excepção, mas apenas para servir de auxiliar ao herói principal, branco, atlético e mais inteligente, como não podia deixar de ser.
Excepções mais consistentes, tiveram de esperar muitos anos, como são exemplos "Sargento Kirk", de Hugo Pratt, "Comanche", de Hermann e Greg ou "Blueberry", de Giraud e Charlier, onde os índios eram, por vezes, apresentados sobre um outro prisma mais humano, embora os estereótipos citados continuassem presente.
Anos mais tarde, Derib, em "Buddy Longway", atreveu-se a ir mais longe, casando o seu herói com uma índia e desenvolvendo, a partir desta base, uma interessante saga pautada mais pelos problemas de relacionamento entre raças e do homem com a natureza (aspecto em que os índios podiam ter dado grandes lições aos brancos...) do que pelas histórias típicas dos westerns. O autor levou ainda mais longe esta experiência mergulhando nos riquíssimos imaginário e mitologia índios em "Celui qui est né deux fois", série que continuaria em "Red Road", passada em época mais recente, com os índios confinados a reservas, humilhados pelos brancos e a braços com problemas como o álcool, o racismo ou a violência gratuita...
"Popotka, le petit sioux - 1. La leçon d'Iktomi" propõe uma abordagem completamente diferente ao género, inspirando-se em verdadeiras lendas índias (sim, a BD pode ter uma componente etnográfica), permitindo aos mais jovens - a quem se dirige especialmente - descobrir os costumes e as crenças de um povo esquecido. E mais uma vez, nesta interessante colecção "Jeunesse", da Delcourt, descobrimos dois autores que, tendo até agora trabalhado para público adulto, em séries de antecipação, como "Rails" ou em policiais, como "Le poisson Clown", são também capazes de criar para os mais pequenos, público que importa cativar para a 9ª arte para assegurar o seu futuro. David Chauvel é o autor do relato simples e divertido, com humor, ternura e fantasia quanto baste, que Fred Simon complementa de forma exemplar com uma linha clara, límpida ,expressiva e desprovida de pormenores desnecessários, a que aplica cores vivas que tornam o livro - enquanto objecto - bem apetecível.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 4 de Junho de 2002)
David Chauvel (argumento)
Fred Simon (desenho e cor)
Delcourt (França, Setembro de 2001)
32 p., cor, cartonado
8,95 €
Na banda desenhada, durante muitos anos, como no cinema, aliás, "os índios bons eram os índios mortos". Pontualmente, aparecia uma honrosa excepção, mas apenas para servir de auxiliar ao herói principal, branco, atlético e mais inteligente, como não podia deixar de ser.
Excepções mais consistentes, tiveram de esperar muitos anos, como são exemplos "Sargento Kirk", de Hugo Pratt, "Comanche", de Hermann e Greg ou "Blueberry", de Giraud e Charlier, onde os índios eram, por vezes, apresentados sobre um outro prisma mais humano, embora os estereótipos citados continuassem presente.
Anos mais tarde, Derib, em "Buddy Longway", atreveu-se a ir mais longe, casando o seu herói com uma índia e desenvolvendo, a partir desta base, uma interessante saga pautada mais pelos problemas de relacionamento entre raças e do homem com a natureza (aspecto em que os índios podiam ter dado grandes lições aos brancos...) do que pelas histórias típicas dos westerns. O autor levou ainda mais longe esta experiência mergulhando nos riquíssimos imaginário e mitologia índios em "Celui qui est né deux fois", série que continuaria em "Red Road", passada em época mais recente, com os índios confinados a reservas, humilhados pelos brancos e a braços com problemas como o álcool, o racismo ou a violência gratuita...
"Popotka, le petit sioux - 1. La leçon d'Iktomi" propõe uma abordagem completamente diferente ao género, inspirando-se em verdadeiras lendas índias (sim, a BD pode ter uma componente etnográfica), permitindo aos mais jovens - a quem se dirige especialmente - descobrir os costumes e as crenças de um povo esquecido. E mais uma vez, nesta interessante colecção "Jeunesse", da Delcourt, descobrimos dois autores que, tendo até agora trabalhado para público adulto, em séries de antecipação, como "Rails" ou em policiais, como "Le poisson Clown", são também capazes de criar para os mais pequenos, público que importa cativar para a 9ª arte para assegurar o seu futuro. David Chauvel é o autor do relato simples e divertido, com humor, ternura e fantasia quanto baste, que Fred Simon complementa de forma exemplar com uma linha clara, límpida ,expressiva e desprovida de pormenores desnecessários, a que aplica cores vivas que tornam o livro - enquanto objecto - bem apetecível.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 4 de Junho de 2002)
22/08/2011
Carnet de Bord
1-10 décembre 2001
Lewis Trondheim (argumento e desenho)
L’Association (França, Março de 2002)
140 x 190 mm, 46 p., pb, brochado com badanas
Nascida para distrair e divertir (daí a origem do nome "comics" usado pelos norte-americanos), a banda desenhada ao longo do século e pouco que conta de vida foi-se diversificando, passando, primeiro, à aventura realista, depois enveredando pela ficção-científica, a narrativa histórica, os super-heróis, a crítica social, e, em anos mais recentes, pelo romance desenhado ou as histórias de cariz autobiográfico. E outros caminhos se têm aberto. Há pouco mais de um ano, Étienne Davodeau, com "Rural!" (edição Delcourt), assinava a primeira "grande reportagem" aos quadradinhos; agora, é Lewis Trondheim que propõe a banda desenhada como veículo dos tradicionais textos sobre destinos turísticos.
E fá-lo neste pequeno livro que relata a sua estadia na Ilha de Reunião, onde se deslocou como convidado de um Salão de BD, acontecimento referido apenas de forma pontual no relato.
Este tipo de exercício - quando cumprido de forma honesta pelo autor - tem duas vantagens: permite conhecê-lo melhor e, quando como Trondheim - os desenhos são publicados em "bruto", sem "esquissos preparatórios, sem "tippex" e sem correcções ortográficas" (!) revela pormenores sempre interessantes sobre a sua forma de desenhar.
Claro que Trondheim, mais uma vez, revela o seu mau humor permanente, o seu pessimismo exacerbado e a sua completa (mas passiva) revolta com o mundo, e por isso este livro não tem nenhuma das características dos textos tradicionais sobre viagens.
Por isso, baseado nele, Trondheim nunca será convidado por uma agência de viagens para escrever roteiros turísticos, pois os ganhos em humor (negro q.b.) e subjectividade, seriam insuficientes para compensar a forma como arrasaria qualquer destino...
Tanto é assim que a ideia que nos transmite da Ilha de Reunião, é a de um local cruzado por caminhos agrestes e intransitáveis, banhados por um inclemente sol abrasador que queima todos os milímetros de pele desprotegidos.
Sem dúvida que para o turismo local, e como Trondheim temia no início da viagem, teria sido melhor que o avião explodisse a meio do caminho e "se encontrasse em África onde seria comido por um leão"...!
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 2 de Abril de 2002 )
Lewis Trondheim (argumento e desenho)
L’Association (França, Março de 2002)
140 x 190 mm, 46 p., pb, brochado com badanas
Nascida para distrair e divertir (daí a origem do nome "comics" usado pelos norte-americanos), a banda desenhada ao longo do século e pouco que conta de vida foi-se diversificando, passando, primeiro, à aventura realista, depois enveredando pela ficção-científica, a narrativa histórica, os super-heróis, a crítica social, e, em anos mais recentes, pelo romance desenhado ou as histórias de cariz autobiográfico. E outros caminhos se têm aberto. Há pouco mais de um ano, Étienne Davodeau, com "Rural!" (edição Delcourt), assinava a primeira "grande reportagem" aos quadradinhos; agora, é Lewis Trondheim que propõe a banda desenhada como veículo dos tradicionais textos sobre destinos turísticos.
E fá-lo neste pequeno livro que relata a sua estadia na Ilha de Reunião, onde se deslocou como convidado de um Salão de BD, acontecimento referido apenas de forma pontual no relato.
Este tipo de exercício - quando cumprido de forma honesta pelo autor - tem duas vantagens: permite conhecê-lo melhor e, quando como Trondheim - os desenhos são publicados em "bruto", sem "esquissos preparatórios, sem "tippex" e sem correcções ortográficas" (!) revela pormenores sempre interessantes sobre a sua forma de desenhar.
Claro que Trondheim, mais uma vez, revela o seu mau humor permanente, o seu pessimismo exacerbado e a sua completa (mas passiva) revolta com o mundo, e por isso este livro não tem nenhuma das características dos textos tradicionais sobre viagens.
Por isso, baseado nele, Trondheim nunca será convidado por uma agência de viagens para escrever roteiros turísticos, pois os ganhos em humor (negro q.b.) e subjectividade, seriam insuficientes para compensar a forma como arrasaria qualquer destino...
Tanto é assim que a ideia que nos transmite da Ilha de Reunião, é a de um local cruzado por caminhos agrestes e intransitáveis, banhados por um inclemente sol abrasador que queima todos os milímetros de pele desprotegidos.
Sem dúvida que para o turismo local, e como Trondheim temia no início da viagem, teria sido melhor que o avião explodisse a meio do caminho e "se encontrasse em África onde seria comido por um leão"...!
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 2 de Abril de 2002 )
Leituras relacionadas
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opinião
21/08/2011
Selos & Quadradinhos (60)
Stamps & Comics / Timbres & BD (60)
Tema/subject/sujet: Cartoon Network
País/country/pays: Holanda/Netherlands/Pays-Bas
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 2001
Leituras relacionadas
2001,
Cartoon Network,
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Selos e Quadradinhos
20/08/2011
As Figuras do Pedro (V)
Marvel Spiderman & Friends
Figuras: Spiderman, Spidergirl, Hulk, Cyclope, Wolverine, Iron Man, Silver Surfer, Captain America, Thor, The Thing
Colecção: Marvel Spiderman & Friends
Fabricante/Distribuidor : Mon Desir (Itália)
Ano : 2010
Altura : 4,5 cm
Material: PVC
Preço original: variável
Descrição: brinde de ovos de chocolate
Venda: em caixa com três unidades ou avulso
Pedido: tenho comprado estes ovos de chocolate quase sempre em Espanha, embora pontualmente os tenha encontrado em Portugal. Das 10 figuras existentes, falta-me apenas The Thing e tenho bastantes figures repetidas. Se alguém puder ajudar-me a completar a colecção, agradeço.
PS - Um agradecimento ao Nuno Mata do My Best Toys pela cedência (involuntária) de algumas das imagens aqui apresentadas!
Figuras: Spiderman, Spidergirl, Hulk, Cyclope, Wolverine, Iron Man, Silver Surfer, Captain America, Thor, The Thing
Colecção: Marvel Spiderman & Friends
Fabricante/Distribuidor : Mon Desir (Itália)
Ano : 2010
Altura : 4,5 cm
Material: PVC
Preço original: variável
Descrição: brinde de ovos de chocolate
Venda: em caixa com três unidades ou avulso
Pedido: tenho comprado estes ovos de chocolate quase sempre em Espanha, embora pontualmente os tenha encontrado em Portugal. Das 10 figuras existentes, falta-me apenas The Thing e tenho bastantes figures repetidas. Se alguém puder ajudar-me a completar a colecção, agradeço.
PS - Um agradecimento ao Nuno Mata do My Best Toys pela cedência (involuntária) de algumas das imagens aqui apresentadas!
19/08/2011
Outras Leituras (VI)
10 Criações fantásticas do fantástico Jack Kirby
Lucas Siegel, no Newsrama
E agora algo completamente diferente: o Gato-Aranha…
Érico Assis no Omelete
El Eternauta, de Hector Oesterheld e Solano López
Recomendado por João Miguel Lameiras em Por Um Punhado de Imagens
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Kirby,
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Spiderman
18/08/2011
Homem-Aranha negro e latino
Se há poucas semanas o anúncio da morte do Homem-Aranha mereceu grandes atenções mediáticas, um pouco por todo o mundo, a sua substituição por um negro de origem hispânica não lhe ficou atrás.
Antes de avançar mais, convém esclarecer que esta mudança, no entanto, não diz respeito ao super-herói original, mas sim ao da versão Ultimate, que transpunha a sua origem para os nossos dias. Nela, depois da morte de Peter Parker, desde a passada quarta-feira e do número #4 da revista Ultimate Fallout, o protagonismo está entregue a Miles Morales, descendente de africanos e de latinos.
A sua origem será contada já em Setembro, em Ultimate Comics Spider-Man #1, onde, segundo o argumentista Brian Bendis, surgirá “como um Homem-Aranha do século XXI, um reflexo da cultura e diversidade norte-americanas”. A desenhadora Sara Pichelli foi mais longe, afirmando que “mais cedo ou mais tarde um herói negro ou gay (ou ambos) vai ser algo perfeitamente normal”, mas a Marvel apressou-se a negar aquela opção sexual para Morales, acrescentando que esta ideia estava em cima da mesa desde que Obama foi eleito para a Casa Branca.
Sendo verdade que esta opção permite uma nova e diferente abordagem em termos narrativos – desde logo mostrando o novo Homem-Aranha como vítima de racismo – possivelmente por detrás desta mudança tão radical estarão apenas objectivos de marketing. Que resultaram quando o Homem-Aranha morreu às mãos do Duende Verde, com as vendas da revista a triplicarem, fruto também da mediatização do facto, tal como acontece agora.
Para já, resta aguardar pela reacção dos fãs, sendo certo que Miles Morales poderá conquistar novos leitores junto das comunidades negra e hispânica, uma vez que os quadradinhos norte-americanos (e não só) não têm sido pródigos na entrega de papéis de primeira grandeza a representantes de minorias.
Na verdade, presentes desde os clássicos da BD até ao presente, negros, latinos e outros raramente ultrapassaram papéis secundários, como ajudantes ou contraponto cómico do herói branco, bem parecido e com capacidade de decisão, como no caso de Mandrake, o mágico, que tinha como auxiliar, Lotário, o hercúleo e musculado negro, que até era monarca de uma nação africana!
No campo dos super-heróis, durante anos o companheiro de aventuras do Capitão América (possivelmente o mais americano de todos os super-heróis) foi outro negro, conhecido como Falcão. Blade, o caçador de vampiros, Pantera Negra e Luke Cage também são negros, sendo que a Cat Woman, o Lanterna Verde, Nick Fury, a X-Woman Tempestade e mesmo o Capitão América, o Super-Homem e a Super-Girl, estes num universo paralelo, já tiveram versões negras.
O western é um género em que os exemplos abundam: dois cowboys galantes, Cisco Kid e Jerry Spring, geralmente faziam-se acom-panhar por mexi-canos de nome Pancho, grande perímetro abdominal e o jeito para o disparate, tal como o seu compatriota Chico, ajudante regular de Zagor.
Numa outra criação Bonelli, Tex, o mais antigo western em publicação, em muitas histórias o ranger não dispensa a sombra de Jack Tigre, pele-vermelha como Tonto, o amigo do Lone Ranger, e Comanche, a patroa de Red Dust, menos protagonista do que este apesar da série ter o seu nome.
A um outro nível, o retrato pater-nalista que Hergé traçou dos negros congoleses em “Tintin no Congo”, em 1930, valeu-lhe diversas acusações de racismo e, aos detentores dos direitos das suas obras, o processo que actualmente corre nos tribunais belgas.
Essa imagem seria contrariada quase três décadas mais tarde, em 1958, quando o repórter e o capitão Haddock combatem um grupo responsável pelo tráfico de negros, em “Carvão no Porão”.
Apesar disso, ao longo dos anos, nos sucessivos melhora-mentos que Hergé introduziu nos álbuns de Tintin, ao nível do desenho ou da cor, nalguns casos pontuais negros, índios ou árabes, foram substituídos por brancos, para atenuar o impacto das imagens originais, como é possível verificar comparando as duas versões disponíveis no mercado português de “Tintin na América”, a normal e o fac-simile da edição de 1945, recentemente lançado pela ASA.
Já no que diz respeito às tiras diárias de imprensa, talvez porque a exposição ao público é bem maior, torna-se difícil encontrar personagens provenientes de minorias étnicas. Franklin um dos amigos de Charlie Brown, em Peanuts, e Hector, em Zits, são dois dos exemplos mais marcantes, embora em ambos os casos, a sua origem não seja especialmente significativa na forma como reagem às diversas situações que enfrentam, prova de que esta é uma área sensível com a qual (também) a banda desenhada não deseja envolver-se demasiado.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 9 de Agosto de 2011)
Antes de avançar mais, convém esclarecer que esta mudança, no entanto, não diz respeito ao super-herói original, mas sim ao da versão Ultimate, que transpunha a sua origem para os nossos dias. Nela, depois da morte de Peter Parker, desde a passada quarta-feira e do número #4 da revista Ultimate Fallout, o protagonismo está entregue a Miles Morales, descendente de africanos e de latinos.
A sua origem será contada já em Setembro, em Ultimate Comics Spider-Man #1, onde, segundo o argumentista Brian Bendis, surgirá “como um Homem-Aranha do século XXI, um reflexo da cultura e diversidade norte-americanas”. A desenhadora Sara Pichelli foi mais longe, afirmando que “mais cedo ou mais tarde um herói negro ou gay (ou ambos) vai ser algo perfeitamente normal”, mas a Marvel apressou-se a negar aquela opção sexual para Morales, acrescentando que esta ideia estava em cima da mesa desde que Obama foi eleito para a Casa Branca.
Sendo verdade que esta opção permite uma nova e diferente abordagem em termos narrativos – desde logo mostrando o novo Homem-Aranha como vítima de racismo – possivelmente por detrás desta mudança tão radical estarão apenas objectivos de marketing. Que resultaram quando o Homem-Aranha morreu às mãos do Duende Verde, com as vendas da revista a triplicarem, fruto também da mediatização do facto, tal como acontece agora.
Para já, resta aguardar pela reacção dos fãs, sendo certo que Miles Morales poderá conquistar novos leitores junto das comunidades negra e hispânica, uma vez que os quadradinhos norte-americanos (e não só) não têm sido pródigos na entrega de papéis de primeira grandeza a representantes de minorias.
Na verdade, presentes desde os clássicos da BD até ao presente, negros, latinos e outros raramente ultrapassaram papéis secundários, como ajudantes ou contraponto cómico do herói branco, bem parecido e com capacidade de decisão, como no caso de Mandrake, o mágico, que tinha como auxiliar, Lotário, o hercúleo e musculado negro, que até era monarca de uma nação africana!
No campo dos super-heróis, durante anos o companheiro de aventuras do Capitão América (possivelmente o mais americano de todos os super-heróis) foi outro negro, conhecido como Falcão. Blade, o caçador de vampiros, Pantera Negra e Luke Cage também são negros, sendo que a Cat Woman, o Lanterna Verde, Nick Fury, a X-Woman Tempestade e mesmo o Capitão América, o Super-Homem e a Super-Girl, estes num universo paralelo, já tiveram versões negras.
O western é um género em que os exemplos abundam: dois cowboys galantes, Cisco Kid e Jerry Spring, geralmente faziam-se acom-panhar por mexi-canos de nome Pancho, grande perímetro abdominal e o jeito para o disparate, tal como o seu compatriota Chico, ajudante regular de Zagor.
Numa outra criação Bonelli, Tex, o mais antigo western em publicação, em muitas histórias o ranger não dispensa a sombra de Jack Tigre, pele-vermelha como Tonto, o amigo do Lone Ranger, e Comanche, a patroa de Red Dust, menos protagonista do que este apesar da série ter o seu nome.
A um outro nível, o retrato pater-nalista que Hergé traçou dos negros congoleses em “Tintin no Congo”, em 1930, valeu-lhe diversas acusações de racismo e, aos detentores dos direitos das suas obras, o processo que actualmente corre nos tribunais belgas.
Essa imagem seria contrariada quase três décadas mais tarde, em 1958, quando o repórter e o capitão Haddock combatem um grupo responsável pelo tráfico de negros, em “Carvão no Porão”.
Apesar disso, ao longo dos anos, nos sucessivos melhora-mentos que Hergé introduziu nos álbuns de Tintin, ao nível do desenho ou da cor, nalguns casos pontuais negros, índios ou árabes, foram substituídos por brancos, para atenuar o impacto das imagens originais, como é possível verificar comparando as duas versões disponíveis no mercado português de “Tintin na América”, a normal e o fac-simile da edição de 1945, recentemente lançado pela ASA.
Já no que diz respeito às tiras diárias de imprensa, talvez porque a exposição ao público é bem maior, torna-se difícil encontrar personagens provenientes de minorias étnicas. Franklin um dos amigos de Charlie Brown, em Peanuts, e Hector, em Zits, são dois dos exemplos mais marcantes, embora em ambos os casos, a sua origem não seja especialmente significativa na forma como reagem às diversas situações que enfrentam, prova de que esta é uma área sensível com a qual (também) a banda desenhada não deseja envolver-se demasiado.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 9 de Agosto de 2011)
17/08/2011
Les Schtroumpfs
120 Blagues et autres Surprises #1
Studios Peyo (argumento e desenho)
Le Lombard (França, Julho de 2007)
225 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado
10,45 €
Variante dos quadradinhos nascida no mercado norte-americano onde teve/tem os seus expoentes máximos, a tira (diária de imprensa) desde sempre teve fraca relevância noutros quadrantes geográficos. Pela maior aposta nas revistas com histórias em continuação (ou completas), porque os jornais compravam mais barato através das agências o que ficava caro encomendar aos autores locais…
O álbum que hoje aqui trago, é um dos pouco exemplos europeus (consistentes) deste género, o que não impede que revele a tira de BD como veículo ideal para uma viagem pelo rico universo desenvolvido por Peyo para os Schtroumpfs, explorando ou desenvolvendo, de forma directa, acessível e divertida, as características, peculiaridades e particularidades de cada um dos seus habitantes.
Com destaque – compreensível – para o Schtroumpf Preguiçoso, protagonista (involuntário) de muitas das piadas, ou da Schtroumpfette, estrela de várias outras.
Apostando também nas brincadeiras com os próprios códigos e elementos da BD e na introdução de alguns elementos estranhos ao universo dos pequenos anões azuis, este é um álbum de leitura leve e descontraída, que, pela diversidade do universo “schtroumpfiano”, ao contrário das recolhas das (verdadeiras) tiras diárias de imprensa, funciona igualmente bem lido aos poucos ou de uma só vez.
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