14/02/2012

Manuel Caldas

“Foster deveria ter posto fim ao Príncipe Valente”








De há uns anos a esta parte, falar do Príncipe Valente, implica falar de Manuel Caldas, português da Póvoa de Varzim e profundo conhecedor da obra de Foster, a quem dedicou a monografia Foster & Val.
Ao seu trabalho de artesão apaixonado deve-se a melhor edição a preto e branco alguma vez feita da obra de Foster, criada a partir das páginas dos jornais e das provas originais ainda existentes, o que implicou muitas horas de trabalho em cada prancha, eliminando a cor e restaurando o traço original, que o leitor actual redescobre em toda a sua limpidez e esplendor. Com seis volumes de grande formato publicados em Portugal e Espanha, com os primeiros 12 anos da saga (1937-1948), actualmente prepara para um editor do Uruguai o segundo dos três livros correspondentes a 1949-1954.
Por isso, o assinalar dos 75 anos do Príncipe Valente não ficaria completo sem uma conversa com ele.

As Leituras do Pedro - 75 anos depois, ainda se justifica ler o Príncipe Valente?
Manuel Caldas - “Prince Valiant” é o clássico dos clássicos da banda desenhada americana dos jornais. É obrigatório lê-lo. Se se entra na sua leitura por obrigação (a reverência que se deve ter para com os clássicos), logo se descobre o prazer.

ALP - Qual o seu melhor período? Porquê?
MC - Todo o período fosteriano (até 1971) é um monumento da BD. E entre o que Hal Foster fez, o melhor do melhor são os primeiros 7 anos. O melhor do melhor apenas, pois Foster foi sempre muito bom no que fez. Eu descobri a série aos meus 11 anos, precisamente nos últimos tempos do autor, e mesmo assim a paixão foi instantânea e avassaladora.

ALP - E qual a melhor prancha do Príncipe Valente?
MC - Certamente que por maioria de votos ganha a da batalha sobre a ponte de Dundorn (em cima), que toda a gente conhece e é assombrosa. Mas eu tenho uma preferência muito especial pela 681 (em baixo), que fala da grandeza do mar, da grandiosidade e da graciosidade dos seus habitantes, dos fenómenos da natureza, da família, da infância, do regresso à pátria e ao conforto do lar.

ALP - O que pensas do Príncipe Valente do John Cullen Murphy e do Gary Gianni?
MC - Nunca me preocupei com seguir o que fizeram e fazem os sucessores de Hal Foster, mas conheço uma grande parte. O suficiente para poder dizer que (pelo menos comparativamente – e a comparação é inevitável) o que fizeram, e vão fazendo, é mauzinho e cada vez pior. “Prince Valiant” nunca devia ter passado para as mãos deles. Nem de nenhum outro autor. Foster deveria ter-lhe posto um fim, como, de resto, chegara a planear anos antes.

ALP - Durante quantos anos “O Primeiro de Janeiro” publicou o Príncipe Valente?
MC - Desde 19 de Abril do ano em que nasci (1959) até 30 de Abril de 1995. Portanto, durante 36 anos.

ALP - Qual a tua opinião sobre essa edição?
MC - Nos anos 50, 60 e 70 um jornal português publicar BD a cores era um verdadeiro luxo. Hoje, claro, temos de reconhecer que era bastante mal impresso.

ALP - Quantas edições do Príncipe Valente tens?
MC - Tenho parte de muitas, de muitos países. A minha preocupação nunca foi ter colecções completas. Primeiro foi a demanda de todas as páginas realizadas por Hal Foster e depois foi a busca das melhores reproduções de cada uma delas. É que na mesma edição há sempre páginas bem reproduzidas (raramente muito bem) mas também (a maioria) páginas mal ou pessimamente impressas

ALP - Qual a melhor edição a cores do Príncipe Valente?
MC - Actualmente a que a Fantagraphics publica é bastante boa, mas deixa na boca um enorme amargo: podia facilmente ser quase perfeita, mas desperdiçou a oportunidade ao reproduzir deficientemente o fabuloso material de base que usa.

ALP - E a preto e branco?
MC - A preto e branco têm uma qualidade como antes nunca se alcançara os seis volumes com os primeiros 12 anos da série (1937-1948), publicados em Portugal entre 2005  e 2007 e em Espanha entre 2006 e 2008. A estes deve acrescentar-se um sétimo volume (1949-1950) publicado há poucos meses no Uruguai.

ALP - Tens algum feedback sobre essa edição uruguaia?
MC - Sim, pois estou sempre em contacto com o editor, Rafael Maria Carrocio, que me deu inteira liberdade para fazer a edição como eu entendesse. A qual, na prática, é a continuação da edição que comecei a fazer para Espanha.

ALP - Quando sai o próximo volume?
MC - O contrato assinado e pago diz que este ano têm de sair dois volumes. Infelizmente, às vezes não é humanamente possível cumprir os contratos…

ALP - Vai ficar só pelos três previstos?
MC - Não pode! Para publicar a preto e branco todo o Príncipe Valente fosteriano como Deus manda (e não com a má qualidade com que está a ser publicado em Portugal desde que eu não tenho interferência na edição) faltarão ainda 8 volumes, e mais 5 em tamanho menor, com o período de Foster e Murphy.

ALP - Existem muitos originais do Príncipe Valente do Foster?
MC - Nas mãos de coleccionadores existem bastantes, e na biblioteca americana à qual Foster deixou o seu espólio estão, se a memória do que li não me falha, umas três centenas.

ALP - Quanto podem valer?
MC - Não tanto como os do “Tintin”, mas, a um negociante do ramo, com um pouco de sorte, pode-se comprar um por pouco mais de 5 000 dólares. Nos últimos anos, o original mais caro vendido pela casa leiloeira Heritage ultrapassou os 33 000 dólares. Trata-se da página 1123.

ALP - Tens algum?
MC - Pode ser que venha a ter quando, na minha velhice, tiver liquidado ao banco o empréstimo da casa. Tentei há um ano e tal comprar uma vinheta (também se vendem vinhetas  soltas, pois Foster recortou muitos dos seus originais para oferecer partes deles aos admiradores), mas desisti quando ultrapassou os 150 dólares. Era uma vinheta com um sentido muito especial para mim: a única em que a palavra Portugal aparece, quando o barco em que viaja Valente faz escala no nosso país.


13/02/2012

Príncipe Valente nasceu há 75 anos


Príncipe Valente: a primeira prancha




A 13 de Fevereiro de 1937, um sábado, alguns jornais norte-americanos publicavam a cores a primeira prancha de uma das mais emblemáticas e fabulosas sagas que a banda desenhada viria a conhecer: “Prince Valiant in The Days of King Arthur”.

Ou seja, nascia aquele que em Portugal ficou conhecido como o Príncipe Valente pelos leitores do Mosquito (onde se estreou em 1948), do Mundo de Aventuras, do Jornal do Cuto e, principalmente, do jornal Primeiro de Janeiro, que o publicou semanalmente, a cores, durante 36 anos, entre 1959 e 1985.
Criada aos 44 anos por Harold Rudolph Foster (1892-1982), revelar-se-ia não só uma obra de maturidade, mas também a obra de toda a sua vida, pois a ela dedicou mais de 40 anos, durante os quais escreveu e/ou desenhou 2244 pranchas, as últimas cinco centenas já desenhadas por John Cullen Murphy (1919-2004). Após a morte de Foster os argumentos estiveram a cargo do filho de Murphy. Com a morte deste, em 2004, Mark Schultz (argumento) e Gary Gianni (desenho) assumiram esta BD, ainda em publicação nos nossos dias.
Curiosamente, Foster, que também foi desenhador de Tarzan, chegou a considerar os quadradinhos arte menor e a trocá-los pelo desenho publicitário, antes de voltar a eles por razões económicas.
A última prancha desenhada por Foster
As aventuras do Príncipe Valente (ou Val), cavaleiro da mítica Távola Redonda da Corte do Rei Artur, defensor de valores como a coragem, a amizade, a lealdade, a justiça, a honra e o cavalheirismo, constituem uma monumental saga, tão bem escrita como desenhada, em que se destaca o envelhecimento progressivo dos protagonistas: Val, que só aparece na terceira prancha da saga, começa como adolescente, torna-se depois um jovem fogoso, conhece a bela Aleta, rainha das Ilhas Brumosas, com quem casa e tem vários filhos - Arn, o primogénito, as gémeas Karen e Valeta, Galan e Nathan (este último já no consulado de Murphy) - que, à medida que o pai amadurece, vão crescendo – até à idade adulta - e assumindo, a vários níveis, cada vez mais protagonismo.
Porque, na BD com o seu nome, o Príncipe Valente está muitas vezes ausente ou é pouco mais do que espectador surgindo, também, no centro da acção Sir Gawain, cavaleiro da Távola Redonda, a rainha Aleta, os seus filhos, o escudeiro Arf, o vicking Boltar e outros mais, o que permitiu a Foster contar – muitas vezes em simultâneo – várias histórias que se combinam, cruzam e servem de referência.
Nelas, abordou aspectos sociais, políticos, militares e religiosos da época em que Val viveu, levando-o a percorrer meio mundo, da Europa – incluindo uma breve acostagem na costa portuguesa - à América, da África à Ásia.
Prancha 534
No aspecto formal, o facto de, ao contrário do que era habitual, o Príncipe Valente ter sido sempre publicado apenas como prancha dominical, sem a habitual derivação em tiras diárias, permitiu a Foster dedicar-lhes cerca de 50 horas semanais. Por isso, cada uma, nos seus monumentais 86 cm de altura por 70 cm de largura (ou seja cada vinheta tem aproximadamente o tamanho de uma folha A4) é uma obra de arte, de composição tradicional mas razoavelmente variada, traçada num preto e branco fino e detalhado, perfeito na correcta proporção do ser humano, sejam eles vigorosos guerreiros, belíssimas mulheres, alegres crianças ou veneráveis anciãos, expressivo na representação dos seus rostos, que transmitem todas as sensações de que o autor os quis dotar, e sublime na recriação de paisagens ou edifícios, com um pormenor inultrapassável.
Finalmente, numa época em que o balão de texto era já instrumento fundamental da narrativa sequencial em quadradinhos, a obra de Foster surpreende pelo recurso (aparentemente obsoleto) ao texto sob cada vinheta. Mas, só assim, Foster pode dar largas ao seu talento literário – atente-se na riqueza do seu vocabulário e na sua veia erudita – que condimentou com um assinalável sentido de humor com o qual, tantas vezes, coloca em causa princípios e bases do tempo em que Val viveu e do seu próprio tempo.


Um grande obrigado ao Manuel Caldas pela disponibilidade para esclarecer algumas questões e pela selecção das imagens que ilustram este texto e também o de amanhã.

(Versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Fevereiro de 2012)



12/02/2012

Tintin não é racista







O Tribunal de primeira Instância de Bruxelas acaba de concluir aquilo que já (quase) toda a gente sabia, que “Tintin no Congo” não é uma obra racista, considerando que “face ao contexto da época, não havia intenção discriminatória da parte de Hergé”.
Termina assim uma polémica que se arrastava desde 2007, quando o cidadão congolês Bienvenu Mubuto Mondondo apresentou uma queixa contra a obra, publicada pela primeira vez em 1931, devido ao “racismo latente anti-congolês” que ela ainda provocava na sociedade belga.
Numa decisão com algo de salomónico, o tribunal considerou igualmente sem fundamento o pedido de indemnização “por procedimento temerário e vexatório” por parte de Mondondo que entretanto tinha sido interposto pela Casterman, editora dos álbuns de Tintin, e pela Fundação Moulinsart, detentora dos direitos sobre a obra de Hergé.
Com esta decisão, de alguma forma, todos ficam satisfeitos.
A Casterman e a Moulinsart, porque viram reconhecida (e reforçada) a sua posição e pela publicidade extra que este caso lhes trouxe.
A justiça belga, por três motivos: porque deu uma boa imagem de si própria, mostrando que qualquer um pode pedir a sua intervenção e obtê-la; porque tomou a (única) decisão que o bom senso impunha; porque, desta forma, fechou a porta a (muitos) processos similares que, num futuro não muito distante, poderiam visar qualquer tipo de obra, independentemente da data e do contexto da sua criação.
Finalmente, Bienvenu Mubuto Mondondo porque, apesar de (naturalmente) derrotado teve direito aos seus 15 minutos (na verdade, bem mais do que isso) de fama (bacoca) a que todos (supostamente) temos direito.


11/02/2012

Selos & Quadradinhos (72)

Stamps & Comics / Timbres & BD (72)
Tema/subject/sujet: Michel Vaillant
País/country/pays: Bélgica/Belgium/Belgique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1997



10/02/2012

Doríval Vítor Lopes, editor da Mythos

Foto de José Carlos Francisco
“O mercado português é pequeno e tem problemas de distribuição”






As Leituras do Pedro - Como nasceu a Mythos?
Dorival Vítor Lopes - Meu sócio Helcio de Carvalho e eu trabalhamos com BD desde 1972. Nessa época eu era coordenador de produção da Redação Disney da Editora Abril e Helcio era colorista das histórias. Desde então nunca paramos de trabalhar com BD, passando tempos depois para os super-heróis Marvel e DC. Em 1987 saímos da Abril e cada um abriu seu estúdio de produção de BD para a própria Abril. Trabalhamos também para a Editora Globo e outras menores. Em 1991 juntamos os dois estúdios de produção de BD em um só e achamos que deveríamos nos aventurar no campo da editoria. Assim, fundamos a Mythos Editora Ltda., publicando alguns personagens super-heróis que a Abril não se interessava em editar. A partir dali vieram outros personagens, como o famoso mangá Lobo Solitário e vários personagens da editora americana Dark Horse. 

ALP - Qual o seu objectivo?
DVL - O objectivo era mesmo realizar aquilo que mais nos deliciava, que era fazer BD. Logo passamos a publicar também livros e revistas de auto-ajuda, esoterismo e espiritismo; temas que são muitos caros ao Helcio, que é um estudioso dessas matérias.
ALP - Porquê a opção pelos fumetti Bonelli?
DVL - Quando eu tinha o estúdio de produção de BD produzia quase todas as revistas da Editora Globo, entre elas Tex. Assim, quando em 1998 a Globo anunciou que não se interessava mais em publicar Tex, foi muito natural que ele viesse para a Mythos. 

ALP - Qual a importância do mercado português para a Mythos? Quanto representa em percentagem?
DVL - O mercado português é bem pequeno e tem muitos problemas de distribuição. Já mudamos de distribuidor três vezes e nenhum parece atender o mercado lusitano como ele merece e como gostaríamos, daí as vendas tão baixas. Tex vende em Portugal cerca de 4% do que vende no Brasil, cuja venda já é bem pequena se comparada com a carreira do personagem na Itália. Curiosamente Tex vende no Brasil cerca de 4% do que vende na Itália. 

ALP - Quanto vendem, no Brasil e em Portugal, os títulos da Mythos?
DVL - Por contrato não podemos revelar números.
Foto de José Carlos Francisco
ALP - Mas quais são os títulos mais vendidos?
DVL – Por ordem: Tex, Almanaque Tex, Tex Anual, Tex Coleção, Tex Gigante, Tex Edição de Ouro, Tex Edição Histórica, Zagor, Mágico Vento, J. Kendall. 

ALP - Nos últimos anos, com as edições coloridas, a ida de autores Bonelli a festivais e salões em Portugal e no Brasil, e o crescimento de sites dedicados a HQ, tem havido mais publicidade às edições da Myhtos. Isso tem-se reflectido nas vendas?
DVL - Não mudou quase nada. A tendência continua de queda, lenta mas contínua. Nenhuma publicação teve aumento nas vendas. Já estamos felizes por personagens como Zagor, Júlia e Mágico Vento estarem estabilizados. 

ALP - Como está o mercado de bancas no Brasil?
DVL - Ruim e em queda. Nossas bancas parecerem bazares, com milhares de revistas e outros produtos à mostra. Então fica difícil uma revista de BD se destacar e ser vista pelo público em meio a revista adultas, que são em formato maior. Se o leitor não pedir ao jornaleiro por um título específico ele dificilmente encontrará a revista sozinho.
ALP - Como se divide esse mercado entre as edições Bonelli, Turma da Mônica, Marvel e DC Comics e Disney?

DVL - Não sei dizer, pois desconheço quanto vendem as revistas que não são da Mythos, mas creio que em primeiro lugar está Mauricio de Sousa, depois vem Marvel, DC, Tex, Disney e demais Bonellis. 

ALP - Uma questão que tenho levantado várias vezes: publicar as revistas mensais no formato original italiano, maior e com melhor papel, não permitiria ganhar novos leitores?
DVL - Isso significaria aumentar demais o preço de capa. Nossa coleção Tex em Cores, em formato italiano, cores e ótimo papel, vendia bem menos da metade de um Tex normal, tornando difícil a sua continuação - além de outros fatores que nos obrigaram a parar no nr. 12. Além disso, o material Bonelli é todo em preto e branco, o que afasta o leitor mais jovem, acostumado desde bebê com Disney, Mauricio e super-heróis, sempre coloridos. 
Foto de José Carlos Francisco
ALP - Porque acabou (no Brasil) o Tex em Cores?
DVL - Suas vendas estavam perigosamente perto do ponto de equilíbrio (custo x vendas) e também não houve acordo com a Bonelli quanto aos royalties a serem pagos. 

ALP - Nunca foi equacionada uma colecção Tex ou Bonelli com jornais brasileiros ou portugueses?
DVL - Tentou-se várias vezes, como aquela dos Clássicos da BD que saiu na Itália e depois em Portugal e em outros países europeus. Aqui, alguns jornais mostraram interesse em princípio, mas as negociações nunca chegaram a termo. 

ALP - Quais as principais novidades da Mythos previstas para o Brasil, este ano?
DVL - Renovamos nosso contrato com a Bonelli em janeiro deste ano praticamente com os mesmos títulos que foram publicados em 2011. A única novidade será o Tex Color, uma edição única, de 160 páginas, em cores, e dois Tex Gigante inéditos: um em Março e outro em Outubro. 

ALP - E para Portugal?
DVL - Tudo o que sai aqui vai para meu amado Portugal, que visito todo ano. 

ALP - O Zagor Gigante, publicado no Brasil no ano passado, vai ser distribuído em Portugal? Quando?
DVL - Sim, acredito que até Maio essa belíssima edição desembarque em terras lusitanas.


ALP - Qual a situação actual de J.Kendall?
DVL - Nossa querida Julinha vai muito bem. Depois do susto no início do ano passado sua saúde editorial melhorou e temos esperança de que ela continuará connosco por muito tempo. 

ALP - A Mythos encara a hipótese de editar os Tex Gigante coloridos que estão a sair na Itália?
DVL - Sim, se houver acordo com a Bonelli, faremos com certeza. 

ALP - E a reedição de Zagor a cores que vai começar na Itália?
DVL - Seria interessante para nós, mas vai depender de conseguir fazer contrato com a SBE.


09/02/2012

La Fille de l’Eau













Sacha Goerg
Dargaud (França, 20 de Janeiro de 2012)
180 x 240 mm, 192 p., cor, brochado com badanas
18,00 €


Resumo
Numa manhã de Outono, Judith, uma adolescente disfarçada de rapaz, simula uma queda no lago para se introduzir, encharcada até aos ossos, numa magnífica casa moderna que pertenceu a um famoso escultor recentemente falecido.
Pretende, desta forma, descobrir mais sobre a sua origem, sobre o pai que mal conheceu e sobre aqueles de quem ele sempre a escondeu.

Desenvolvimento
Esta é uma história sensível mas estranha.
Decorre nume belíssima casa, isolada, nas margens de um lago, tudo traçado – tal como as personagens - num traço fino e subtil, ao qual a cor confere profundidade e movimento, em pranchas desprovidas dos enquadramentos tradicionais (ou de todo desprovidas de enquadramentos) o que só acentua a sua estranheza.
Nesse local fechado, isolado de tudo, durante várias horas, vão conviver seis pessoas: Judith, Sonia, viúva do falecido, o seu filho Mattew, Hugo, amigo deste, Chris, que organiza uma retrospectiva do escultor, e Miki, a sua companheira do momento. E, pairando sobre todos, como uma sombra – literalmente no desenho, num belo achado de Sacha Goerg – falando-lhes (de alguma forma, a alguns…) está o morto.
Entre alguns – entre todos? – a tensão é evidente, os desencontros, maus encontros, meias-palavras e questões mal resolvidas acumulam-se, tentando uns afogá-los em vinho, outros em recordações, outros ainda no sexo.
Porque, naquela casa, Judith não é a única a ter segredos – os segredos são (bem) mais do que os protagonistas e todos os tentam esconder – e os segredos de Judith não são os únicos a serem conhecidos por (alguns dos) outros.
É neste clima de estranheza, de intranquilidade, de incerteza, de dúvidas e de desconfianças que os seis (mais o falecido…) vão conversando e/ou interagindo, confrontando-se, defrontando-se, jogando com as palavras, em avanços e recuos, insinuações e acusações, com a tensão a acumular-se e a ameaçar explodir a cada momento.
Até ao desfecho final, inesperado e surpreendente, onde se adivinha a mão do escultor e se destaca afinal a fragilidade e impotência de cada um dos protagonistas face ao papel principal que a casa, então, assume.

A reter
- O tom estranho do relato, que obriga a reler algumas passagens e provoca uma estranha sensação de incómodo no leitor que chega ao fim e percebe que cabe à sua intuição completar o que nele ficou por dizer.
- O inesperado mas conseguido desfecho final.

Menos conseguido
- Alguns desequilíbrios a nível do desenho que não são, no entanto, suficientes, para pôr em causa o belo trabalho gráfico de Sacha Goerg ao longo da maior parte das pranchas.



08/02/2012

BD Reporter












Chappatte
Glénat + Courrier International + Le Temps (França, 23 de Novembro de 2011)
185 x 255 mm, 112 p., pb e cor, brochado
18,00 €


Resumo
Compilação de BD reportagens realizadas pelo autor na Tunísia, Nairobi, Gaza, Tshinvali, Costa do Marfim e no palácio presidencial francês…

Desenvolvimento
Terceira colectânea de bandas desenhadas curtas em pouco tempo aqui nas minhas leituras, ao contrário de Sábado dos meus amores e PontasSoltas – Cidades, que privilegiam a crónica social e urbana, este livro exemplifica um género que Joe Sacco (de alguma forma) celebrizou e mediatizou: as reportagens aos quadradinhos.
Habitualmente desenhador de imprensa, Chappatte é desde 1995 também “repórter desenhador” do jornal suíço Le Temps de Genéve, onde foram originalmente publicadas estas reportagens que chegam a ultrapassar a vintena de pranchas, igualmente veiculadas pelo Courrier International ou o International Herald Triobune.
Esta sua opção – explicada no prólogo –  “num tempo em que a actualidade está repleta de imagens, fotos, vídeos”, deve-se ao facto de o “traço negro, no seu despojamento, permitir uma relação única (…) dando a ver sem voyeurismo”.
As reportagens agora compiladas, são baseadas na sua experiência pessoal – “o que desenho, vi” – nas reportagens que trabalha “como qualquer jornalista, “fazendo entrevistas, tirando fotos”. E Chappatte reforça esse aspecto incluindo algumas fotos dos seus entrevistados para responder aqueles que lhe perguntam “se é verdade o que desenhou”.
Longe de delicodoces roteiros turísticos - até pelo traço utilizado, mais próximo do cartoon na sua (falsa) simplicidade, contrariada pela aplicação cirúrgica de sombras ou de alguma cor - estes instantâneos de cidades em estado de sítio ou devastadas por motins, revoluções ou guerras, ganham outra força pela combinação entre o tom factual que o autor utiliza, a inclusão de anedotas locais e as suas impressões, sensações e receios, surgindo, assim, o autor despojado da imagem heróica que (muitas vezes) os repórteres (televisivos) tanto gostam de (falsamente) ostentar.
E se tudo isto reforça a autenticidade destes relatos, confere-lhes igualmente um tom humano – acentuado pela exposição dos dramas pessoais a que estão sujeitos alguns daqueles com quem Chappatte se cruza - que se sobrepõem mesmo à “grande notícia” por detrás deles.O que redobra o interesse destas reportagens aos quadradinhos, que esta edição em livro permitiu resgatar à voragem natural que o tempo exerce sobre as suas versões originais nas páginas dos jornais.

A reter
- A combinação da reportagem com o factor humano.
- A ironia de incluir neste livro sobre algumas das cidades mais perigosas do mundo o palácio presidencial francês, dando relevo à sua costela de cartoonista.

Menos conseguido
- O principal problema da reportagem em BD: o desfasamento temporal entre a sua realização e a sua publicação, apesar de alguns destes relatos não terem perdido a sua actualidade.


07/02/2012

Michel Vaillant: 55 anos a alta velocidade




Se BD e realidade se encontram muitas vezes, Michel Vaillant é um caso paradigmático: o herói criado por Jean Graton há 55 anos, tem defrontado na Fórmula 1, stock cars, ralis e até karts alguns dos maiores pilotos da competição automóvel. 

Na verdade, desde que surgiu no nº 433 da revista francesa Tintin, a 7 de Fevereiro de 1957, em “O Grande Desafio”, o piloto de queixo quadrado já teve como adversários nomes como Juan Fangio, Graham Hill, Niki Lauda, Ayrton Senna, Michael Schumacher ou mesmo o português Pedro Lamy (em “A Prova”).

A sua ligação com Portugal , no entanto, não se fica por aqui, pois Michel Vaillant encontrou-se com Alfredo César Torres e correu entre nós “Rali em Portugal” (“Cinq filles dans la course” na versão original), tendo voltado à capital portuguesa em “O Homem de Lisboa”, numa intriga sobre espionagem industrial.

Estreado no nosso país pelo Cavaleiro Andante, no nº 357, de 1 de Novembro de 1958, como Miguel Gusmão (!), o piloto automóvel correria também no Zorro, Falcão, Bip-Bip, Jornal da BD e Selecções BD, entre várias outras, tendo sido um dos heróis mais populares da revista Tintin devido à temática automóvel que sempre lhe granjeou leitores fora do círculo restrito da BD, o que justifica terem sido editados em álbum cerca de meia centena das suas aventuras, pela Ibís, Bertrand, Círculo de Leitores, Distri Editora, Meribérica, ASA e em colecções do Correio da Manhã e da AutoSport.

Ao longo delas, Michel Vaillant, um piloto leal e corajoso, proveniente de uma família de construtores automóveis, construiu um palmarés invejável, onde se contam os mais variados títulos, obtidos à custa de muito esforço e diversas derrotas. As histórias, por vezes com um toque de mistério, desenvolvem-se entre o forte núcleo familiar, tutelado pela figura paterna e onde se conta o irmão Jean-Pierre e a mulher Françoise, as prestações na pista e os relacionamentos humanos – nem sempre fáceis - com aqueles que lhe são próximos ou que tem de defrontar. Entre eles conta-se o facilmente irritável norte-americano Steve Warsom e a sua namorada Julie Wood (que nasceu na BD como protagonista autónoma de corridas de motocross, antes de se juntar ao team Vaillant).



Com um estilo personalizado peculiar – as suas pranchas são (re)conhecidas pelas muitas onomatopeias de motores automóveis - Jean Graton, que inicialmente trabalhava a solo, rapidamente formou um estúdio para o auxiliar, onde actualmente conta com o filho Phillipe, responsável pelos argumentos de parte dos dossiers sobre pilotos reais e das 70 aventuras já desenhadas.

Baseadas nelas foi criada uma série televisiva (1967), outra animada (1992) e um filme (2003), realizado por Luc Besson, com Sagamore Stévenin e Peter Youngblood Hills, parcialmente filmado durante as 24 Horas de Le Mans. Em 1997 os correios belgas dedicaram-lhe um selo e um mini-álbum com três histórias curtas.

Em Portugal, onde em 1992 a Panini lançou uma colecção de cromos baseada na série animada, actualmente está disponível nos quiosques a colecção Os automóveis deMichel Vaillant , da Planeta DeAgostini, constituída por 24 miniaturas à escala 1/43 dos veículos que ele já pilotou ou defrontou, havendo mais seis miniaturas para os assinantes desta colecção.


06/02/2012

Pontas Soltas - Cidades













Ricardo Cabral
ASA (Portugal, Outubro de 2011)
200 x 280 mm, 92 p., cor, cartonado
17,95 €


Resumo
Colectânea que compila diversas histórias soltas de Ricardo Cabral, inicialmente publicadas em diferentes locais, unidas pela temática Cidades: “5 jours – parte I” (em Marselha), “Da Cidade” (Portimão), “The Lisbon Studio” (Lisboa), “Lágrimas de Elefante” (Lódz), “Barcelona, Kosovo, Barcelona” (Barcelona) e “5 jours – parte II” (de novo Marselha).

Desenvolvimento
Nota prévia: a edição de um álbum deste género – com narrativas curtas, não inéditas – entre nós, não sendo caso único, é bastante raro, merecendo, só por isso, destaque. Porque significa uma aposta séria da editora no autor e porque significa – também – que ele já tem o seu público, o que, de alguma forma, garante aquela aposta.

Posto isto, quero marcar a coincidência de, num curto espaço de tempo, depois de “Sábado dos meus amores , trazer a As Leituras do Pedro nova colectânea de bandas desenhadas curtas, género actualmente com existência difícil, na ausência de revistas onde possam ser (pré-)publicadas.
Com o álbum referido, este “Pontas Soltas” – título bem significativo e invulgarmente feliz -  tem vários pontos de contacto bem como diferenças fundamentais. Ambos têm espaços urbanos como ponto de partida e ambos adoptam tons de crónica, é verdade, mas enquanto naquele, Marcello Quintanilha envereda por uma abordagem bem realista, o tom de Cabral é mais solto e disperso.
Enquanto Quintanilha opta por um retrato rigoroso do quotidiano, Cabral faz a ponte entre as suas sensações e as experiências que viveu em diversas cidades.
Onde Quintanilha traça retratos rigorosos de vidas menos bafejadas pela sorte, em Cabral são as cidades que ocupam (as vinhetas, as páginas,) o protagonismo, transformando “Pontas Soltas” se não num guia de viagem, pelo menos numa porta entreaberta convidando à descoberta dessas cidades por cada um de nós.
Cidades que são aqui omnipresentes – às vezes as únicas presenças - no enquadramento dos apontamentos – rápidos, de passagem, momentâneos - do quotidiano anónimo de gente com quem ele se cruzou por acaso, ou dos encontros e conversas que teve com quem conviveu.
Apontamentos soltos do seu próprio quotidiano – adivinha-se Cabral, por vezes (semi-)visível sempre por detrás da câmara – real ou imaginária – no traçado destes “pequenos encontros” de que “a vida é feita”, quais “pontas soltas” que nunca encontraremos para atar, que nunca se encontrarão…
Por isso, porque a narrativa, assim, se torna secundária, instintivamente o leitor atenta mais no desenho, nas técnicas utilizadas. Entre elas “a câmara” fotográfica que citei atrás, porque é ela – a par de esboços – a base do trabalho gráfico do autor português, na preparação destas bandas desenhadas, cujas técnicas chega a partilhar com os amigos – e connosco, leitores – numa cumplicidade que chega ao ponto de reproduzir páginas “em curso” ou esboçadas em suportes como… sacos de papel!
São abordagens diferentes, sim, não exclusivas nem obrigatoriamente complementares, pois nelas (quase tudo) é diferente, reforço-o, mas que revelam (outr)as potencialidades narrativas da BD.

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