07/05/2012

Hulk esmaga há 50 anos














Em Maio de 1962, Stan Lee e Jack Kirby apresentavam aquele que viria a ser um dos mais carismáticos personagens da Marvel: o Incrível Hulk. Versão modernizada do clássico de Stevenson, “O Estranho caso do Dr. Jeckyll e Mr. Hyde”, estreou-se em Maio de 1962, em revista própria, que, no entanto, duraria apenas 6 números.
Acreditando na sua criação, Lee, já ao lado de Steve Dikto, transferiu-o para a revista “Tales to Astonish”, onde o gigante se firmou e desenvolveu a sua mitologia, alcançando um tão grande sucesso que a publicação assumiria o seu nome, em 1966.
No episódio inicial, no contexto de Guerra Fria que então se vivia, era apresentado Bruce Banner, um brilhante cientista que durante uma experiência científica com novo armamento, para evitar a morte de um adolescente – Rick Jones, seu futuro parceiro - foi atingido com uma elevada dose de raios gama o que fez com que, a partir daí, em circunstâncias especiais, passasse a transformar-se no colérico e irascível Hulk, um gigante com imensa força bruta e praticamente invulnerável. Na BD de estreia a transformação ocorria com a passagem do dia para a noite, mas rapidamente passou a ser o estado de espírito de Banner o responsável pelas transformações.
A par da perseguição pelo exército norte-americano, personificado pelo General Ross, umas vezes para o destruir, outras para o utilizar, a série nos primeiros anos assentou nas tentativas de Banner para controlar o monstro que vivia dentro de si e na sua relação com Rick Jones e a bela Betty Ross – filha do general Ross e sua futura esposa.
Depois de Stan Lee ter assegurado a escrita das primeiras dezenas de histórias dois argumentistas viriam a distinguir-se à frente do destino das aventuras de papel de Hulk: Peter David, que privilegiou o protagonismo do gigante verde, e Bruce Jones, que optou por destacar o papel de Bruce Banner, levando-o a percorrer o vasto território dos Estados Unidos, em fuga daqueles que querem controlar o monstro que existe dentro de si, numa narrativa mais intimista e de tom conspirativo.
Graficamente, depois de Kirby, que rapidamente abandonou a série, passaram pelo Hulk nomes sonantes como John Romita, Steve Ditko, Gil Kane, John Buscema, Todd McFarlane, Ron Garbey, Paul Jenkins, Richard Corben ou John Romita Jr.
A par das suas aventuras a solo, Hulk cruzou-se em diversos momentos com os outros super-heróis da Marvel, com destaque para os Vingadores – cuja formação inicial integrou mas de quem também foi adversário – sendo míticos os seus confrontos com o Coisa ou Wolverine.

Inicialmente divulgado em Portugal através de edições brasileiras, o incrível Hulk estreou-se entre nós no suplemento Quadradinhos do jornal A Capital, em 1980, onde foram publicadas tiras diárias assinadas por Larry Lieber, irmão de Stan Lee. Nesse mesmo ano, a Agência Portuguesa de Revistas lançou uma revista com o seu nome, que se aguentou 18 números. Três anos depois seria a vez da Distri, numa colecção que teve apenas 4 números.

Depois, foi preciso esperar pelo presente século para que a Devir, como sinal de outros tempos, editasse diversos álbuns – “O Regresso do Monstro”, “Wolverine/Hulk”, “Banner” – e também uma colecção de 20 comics, esta última em parceria com o Jornal de Notícias. “Os Clássicos da Banda Desenhada” (que reproduziu a BD de estreia do Hulk) e “Os Clássicos da Banda Desenhada – Série Ouro” (Devir/Correio da Manhã, respectivamente em 2004 e 2005), também tiveram tomos dedicados ao Hulk, cuja bibliografia portuguesa também comporta um álbum de cromos e a adaptação oficial do filme.
Para lá dos quadradinhos de papel, Hulk surgiu por diversas vezes na televisão, em animações de má memória e na bem-sucedida série de que Lou Ferrigno interpretou nos anos 70/80, que originou diversos telefilmes. No cinema, em 2003 estreou o filme realizado por Ang Lee e protagonizado por Eric Banna, que foi mal recebido pela critica e pelo público.
Entretanto, circular rumores sobre um eventual filme com Mark Ruffalo, a estrear em 2015, na sequência da boa prestação do monstro verde no filme dos Vingadores, actualmente em.
Verde ou de várias cores pois embora seja aquele o tom que geralmente associamos ao Hulk, a verdade é que quando Lee e Kirby o criaram, a sua pele era cinzenta. No entanto, problemas da gráfica para acertar com o seu tom, levaram os autores a optar pelo verde ao fim de apenas três edições.
No entanto, anos mais tarde, o Hulk voltou a ser cinza durante algum tempo e, recentemente, uma das suas versões mais violentas exibe uma intensa cor vermelha…
O mesmo se passa com o seu temperamento e personalidade pois, ao longo deste meio século, de monstro descontrolado a génio científico, passando por ser com mentalidade infantil, foi diversificado o espectro comportamental já assumido pelo gigante da Marvel que inclusive, durante um certo período, viveu separado de Bruce Banner, e chegou a assumir o trono de um planeta distante.


(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Maio de 2012)

06/05/2012

As Estantes do Pedro (II)











  

Depois da primeira panorâmica da minha biblioteca de BD, regresso ao tema para mostrar, nesta “segunda secção”, as estantes com os álbuns (ordenados por desenhador) de Greg a Savard (nas portas inferiores), as compilações de tiras diárias humorísticas, as edições Bonelli, figuras diversas com destaque para os heróis Marvel e ainda um belíssimo giclée de Fábio Moon.

05/05/2012

Anicomics Lisboa 2012 (II)
















A Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, em Telheiras, acolhe este fim-de-semana, entre as 10h e as 20h, pelo terceiro ano consecutivo, o Anicomics Lisboa, que a organização promete ser o melhor de sempre.
O prato forte do evento é a presença de dois desenhadores que trabalham para a Marvel, os italianos Davide Gianfelice e Marco Checchetto, que terão originais expostos, bem como o mexicano Tony Sandoval e os portugueses Joana Afonso, Cari e o colectivo Zona Nippon. Este último projecto reuniu num álbum a lançar hoje, pelas 14h15, diversos autores nacionais influenciados pelo manga (BD japonesa), numa edição da Associação Tentáculo, que vai também apresentar o livro “Leporidae”, de Cari, às 16h15.
Outro grande destaque do Anicomics Lisboa 2012, hoje, às 17 horas, é o espectáculo de Cosplay com os melhores representantes portugueses desta actividade que consiste em disfarçar-se e assumir a personalidade de uma personagem de BD ou cinema de animação.
Desfiles de moda, um show burlesco, workshops, karaoke, disco-party, um espaço para jogos de cartas e videojogos e uma área comercial com banda desenhada e produtos relacionados com a cultura japonesa, fazem igualmente parte da programação prevista para os dois dias do evento, cuja programação integral pode ser consultada no site oficial.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 5 de Maio de 2012)



04/05/2012

O País dos Cágados













António Gomes Dalmeida (argumento)
Artur Correia (desenho)
Bertrand Editora (Portugal, Abril de 2012)
165 x 245 mm, 88 p., cor, cartonado
18,80 €

Esta é uma banda desenhada de traço divertido e enganadoramente infantil, que retrata em tom sarcástico a história recente de um país habitado por cágados, que avança a passo de tartaruga e tem estranhas semelhanças com Portugal. O relato inicia-se com o nascimento de um certo António de Oliveira Azar, o Cágado das Botas, e decorre até à actualidade, após a subida ao poder de Pedro Cágado Coelho e da sua submissão aos cágados (vampiros…) da troika, comandados pela Tartaruga Berkel e pelo Cágado Jacuzy...
Ao longo de quase uma centena de pranchas, os autores – parceiros de longa data em obras como  “História Alegre de Portugal”, “Super-Heróis da História de Portugal” ou “Romance da Raposa” – introduzem-nos também à Revolução dos Cágados levada a cabo pelos Cágados Capitães que depôs o Cágado Marítimo e o Cágado Morcela, famoso pelas suas conversas na televisão, e a personagens como o Cágado do Monóculo, o Cágado Colares, o Cágado Pinhal, o Cágado Ramalhe, o professor A. Cágado Silva ou o corredor Cágado Zé Sopras-te, sendo que qualquer semelhança entre eles e personagens políticas que bem conhecemos não são mera coincidência.
“O País dos Cágados” foi criado no final dos anos 1970 por Gomes Dalmeida e Artur Correia que, durante quase uma década procuraram sem sucesso editor, tendo optado por uma edição de autor, em 1989, que teve tiragem limitada e distribuição restrita e pode ser lida aqui.
Para a actual edição, os autores acrescentaram mais de duas dezenas de páginas novas, desenvolvendo o capítulo dedicado ao cágado A. De Oliveira Azar e prolongando o relato até aos nossos dias (menos aprofundado do que as épocas anteriores), pois o original terminava com a eleição presidencial ganha pelo Cágado Ramalhe. Para além disso, o álbum agora lançado pela Bertrand Editora tem uma nova capa e é colorido, enquanto que a edição original era a preto e branco.
Apesar do intervalo de tempo que decorreu entre as duas edições, tal facto não é visível graficamente na actual edição, pois Artur Correia conseguiu mimetizar o seu traço de então de forma assinalável.
É verdade que a opção – hoje menos compreensível - por cartuchos de texto sobre as imagens, que frequentemente também incluem balões de fala – torna menos ágil a leitura, pois uns e outras recorrentemente repetem-se, mas também se compreende que a intenção não era recriar completamente a obra mas sim dar-lhe continuidade e uma visibilidade que então não teve mas que indiscutivelmente merece.
Não só pelo traço de Artur Correia, muito expressivo e à vontade no estilo animalístico que prefere – e que já usara em “Romance daRaposa” -, afirmando-se mais uma vez como um dos grandes desenhadores portugueses, mas também pelo texto mordaz e corrosivo de Gomes Dalmeida que, claramente – mas pode ser doutra maneira? – não morre de amores pelos políticos portugueses, perdão, do país dos cágados!

(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 29 de Abril de 2012)

Nota
Artur Correia e António Gomes Dalmeida, os autores deste livro, estarão amanhã, sábado, 5 de Maio, às 16 horas, na Feira do Livro de Lisboa, para uma sessão de autógrafos.
E no dia 15 de Maio, pelas 18,30, estarão no CNBDI, na Amadora, para uma apresentação do livro a cargo de João Miguel Lameiras.

03/05/2012

Ferd'nand: 75 anos sem abrir a boca












Os leitores de O Comércio do Porto, recordam certamente Ferd’nand, um herói dos quadradinhos que os acompanhou nas páginas daquele jornal durante décadas, e que hoje completa 75 anos. Poucos saberiam, no entanto, que se tratava de uma banda desenhada de origem dinamarquesa, tal como o seu autor, Henning Dahl Mikkelsen (1915-1982), que assinava apenas Mik e que se manteve como seu autor até falecer. A continuidade seria assegurada primeiro pelo seu assistente Al Plastino (que assinava Al Mik) e depois por Henrik Rher (Rher Mik), que mantiveram Ferd’nand nos jornais até 2004, fazendo dela a tira diária não norte-americana de maior longevidade. Para além disso, Ferd’nand distinguiu-se por ser completamente muda, baseando-se apenas no desenho para conseguir os seus objectivos humorísticos (embora alguns jornais, em diferentes épocas, incluíssem por baixo deles um texto “explicativo”).
O seu protagonista era um perdedor nato de classe média, (quase) sempre de calças de tweed, colete, casaco preto com grandes botões e um chapéu na cabeça, que, para além de turista ocasional, pescador frustrado, desportista inábil e náufrago frequente, assumiu todas as profissões imagináveis, sempre ao sabor das necessidades humorísticas da tira, que privilegiavam o aproveitamento de situações quotidianas universais e, por isso, facilmente identificáveis, e uma sátira social leve e inócua.
Antes de se concluir o primeiro ano, Ferd’nand conheceria aquela que três tiras mais tarde (!) já era sua esposa - para seu desespero, claramente expresso - sendo o núcleo familiar da tira aumentado de imediato com o nascimento de um bebé que rapidamente cresceu alguns anos, tornando-se uma cópia perfeita do pai em tamanho reduzido.
Baseada num traço simples, de grande legibilidade, Ferd’nand rapidamente saltou dos jornais dinamarqueses para outras paragens, até rebentar a II Guerra Mundial, durante a qual foi proibido em toda a Europa dominada pelos nazis, pois estes assumiram o seu bigode como uma caricatura de Hitler. Durante este período o seu criador realizou duas curtas metragens também protagonizadas por ele.
Terminada a guerra, Mikkelsen emigrou para os Estados Unidos, em 1946, onde casou e teve quatro filhos, e onde o sucesso de Ferd’nand obrigou à criação de uma prancha dominical colorida, a partir de 4 de Abril de 1948, a par das tiras diárias a preto e branco, publicadas simultaneamente em dezenas de jornais, de cerca de vinte países.
Para além da publicação no Comércio do Porto, em Portugal estão disponíveis desde 2008 duas compilações cronológicas, editadas pela Libri Impressi de Manuel Caldas: “Surge…Ferd’nand – Tiras de 1937” e “Ferd’nand retorna – Tiras de 1938”.

 (Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Maio de 2012)

02/05/2012

Tex Edição de Ouro #56/#57

  
Caçadores de Lobos
Do outro lado da lei
Guido Nolitta (argumento)
Alberto Giolitti e Giovanni Ticci (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Setembro/Novembro de 2011)
135x175 mm, 234 p., pb, brochado
R$ 17,90 / 9,00 €

01/05/2012

Paroles de…







Volto hoje à temática “prisional”, por culpa da leitura de “20 Ans fermé” que evocou na minha memória a lembrança da “tetralogia” “Paroles de…”, nascida no seio da Association BD Boum, responsável também pelo Festival de Blois, e concretizada pela colaboração entre ela, o centro prisional local, a editora Delcourt, o argumentista Corbeyran e algumas dezenas de desenhadores, entre nomes a despontar e gente de créditos reconhecidos (ou hoje reconhecidos…) que se dispuseram a passar para o papel o relato dos testemunhos recolhidos naquela penitenciária.
Partilho-as agora com os leitores deste blog, através de alguns excertos do que escrevi sobre alguns destes livros no Jornal de Notícias, aquando da respectiva publicação.







Paroles de Taulards
Colecção Encrages
Corbeyran (argumento)
Davodeau, Lejonc, Lemaire, Mathieu, Matthys, Berlion, Christopher, Crespin, Bézian, Peyraud, Guérineau, Alfred, Baudoin (desenho)
Delcourt (França, Julho de 1999)
165 x 230 mm, 112 p., pb, brochado
11,50 €

“O Festival de BD de Blois (…) tem tido uma importante componente social no meio em que se insere, contando-se entre as diversas realizações, atelieres na prisão local de há 10 anos a esta parte.
Atelieres que têm servido “para encontramos homens que pensam, reflectem, questionam-se, discutem, revoltam-se, odeiam, amam, seres completos. A prisão contém mil segredos apaixonantes. É um universo desconhecido onde os homens são fechados para se tornarem diferentes”, como contam dois dos animadores do projecto que este ano deu origem a um livro, “Paroles de Taulards” (…)
Com uma ou outra excepção, eles, os condenados, não contam a sua história nem falam da forma como foram parar à cadeia. Não contam também histórias da cadeia, dos horrores que lá se passam, se sofrem e que por vezes chegam aos nossos ouvidos.
“Paroles de Taulards” é mais uma recolha dos seus anseios, dos seus sonhos, da forma como imaginam e desejam viver o espaço para lá das grades, espaço tão banal para nós, mas de liberdade (algures perdida) para eles.”

(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 7 de Dezembro de 1999)





Paroles de Taule
Colecção Encrages
Corbeyran (argumento)
Aris, Balez, Bézian, Bouillez, Cabanes, Carrère, J.-L. Coudray, Ph. Coudray, Davodeau, Édith, Garrigue, Guérineau, Janvier, Kang, Lejonc, Lemaire, Margerin, Pic, Portet, Sattouf, Toshy (desenho)
Delcourt (França, Novembro de 2001)
165 x 230 mm, 124 p., pb, brochado
9,95 €

“(…) Depois de "Paroles de Taulards", editado há dois anos e distinguido em Angoulême por ser a obra que melhor valorizava os valores sociais, surge agora "Paroles de Taule" (…) que mais uma vez, é fruto de conversas entre detidos do estabelecimento prisional de Blois e o argumentista Corbeyran, que transformou as suas experiências da vida prisional em histórias que obrigam à reflexão, desenhadas com a emoção à flor do traço por nomes como Margerin, Cabanes, Bézian, Coudray ou Davodeau. Para além das ansiedades, medos, sonhos, a solidão, o silêncio, a forma de ocupar o tempo ou as regras que têm de seguir, este livro apresenta um outro ponto de vista quase sempre esquecido: o dos guardas que diariamente convivem com os detidos”.

(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 4 de Dezembro de 2001)





Paroles de Parloirs
Colecção Encrages
Corbeyran (argumento)
Andreas, Balez, Bodin, Cornette, Davodeau, Duprat, Edith, Espé, Fournier, Guérineau, Joub, Julliard, Hyuna, Larcenet, Lejonc, Lemaire, Mezières, Moreno, Murat, Notamy, Sternis, Troub's (desenho)
Delcourt (França, Novembro de 2003)
165 x 230 mm, 144 p., pb, brochado
12,90 €







Paroles de Sourds
Corbeyran (argumento)
Aris, Berlion, Bouillez, Christin, Cornette, Coudray, Davodeau, De Thuin, Édith, Guérineau, Hyuna, Karo, Larcenet, Lejonc, MoCDM, Moreno, Murat, Riff, Tronchet, Verlaine et Verron (desenho)
Delcourt (França, Novembro de 2005)
165 x 230 mm, 128 p., pb, brochado com badanas
10,95 €

“(…) A banda desenhada, enquanto meio de comunicação por excelência, tem servido muitas causas (e tantas causas têm-se servido dela - e tantas vezes mal) (…)
(…) após "Paroles de Parloirs" e "Paroles de Taule", dedicadas às dificuldades inerentes à vida nas prisões (do ponto de vista humano, sem julgamentos de valores, nem desejos de desculpabilização), agora é dada a palavra aos surdos em "Paroles de Sourds".
Trata-se de uma vintena de histórias, mais uma vez com argumento de Corbeyran a partir de testemunhos reais, desenhadas por autores como Pierre Christin (!), Davodeau, Larcenet ou Tronchet.
São relatos que abrem uma pequena fresta sobre uma realidade dura e (praticamente) incontornável, (bem) diferente daquela em que a maioria de nós vive, e sobre as dificuldades que os surdos (e os seus familiares, e os seus intérpretes) sentem neste mundo "auditivo" em que nós vivemos.
Relatos que oscilam entre o divertido, o curioso, o descritivo, o emocional e mesmo o pungente, e que mostram como sendo todos nós seres humanos (iguais…), podem pesar tanto certas diferenças.”

(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 27 de Novembro de 2005)


30/04/2012

20 Ans fermé

Un récit pour témoigner de l'indignité d'un système












Sylvain Ricard (argumento)
Nicoby (desenho)
Futuropolis (França, 8 de Março de 2012)
215 x 290 mm, 104 p., cor, cartonado
17,00 €

Resumo
“20 Ans fermé” acompanha Milan ao longo dos 20 anos de prisão a que foi condenado em 1985, retratando as condições de vida dos reclusos nas prisões francesas.

Desenvolvimento
Este é um relato comprometido com uma causa. Que, por isso, não se pretende ser isento nem objectivo. O que não é sinónimo de parcialidade ou de um olhar deformado.
Porque, apesar do comprometimento dos autores pela (sua) causa – a denúncia das condições de vida dos presos nas penitenciárias francesas - e do retrato incómodo – no mínimo – feito das várias prisões por onde o protagonista vai passando, Milan – ao contrário de muitos detidos cinematográficos e televisivos - não surge aos olhos dos leitores como um herói ou sequer um “coitadinho”.
Ele é mostrado como alguém justamente detido, cujas acções e reivindicações, nem sempre pacíficas – teriam (algum) sucesso se fossem de outra forma? – lhe granjearam uma fama de anarquista e de desordeiro e muitos anticorpos no sistema prisional, o que acaba por o tornar num alvo preferencial para a repressão exercida sobre os presos.
Nada de novo, portanto, que não tenha sido visto e exposto, inúmeras vezes, nomeadamente em filmes e séries de TV. Porque a falta de condições de higiene, a falta de intimidade, a coacção física e psicológica exercida sobre os detidos, o direito à diferença, a sobrelotação das prisões, a prepotência dos guardas, um sistema prisional velho e de há muito direccionado para a repressão, não são exclusivo de França. Por isso, também, se pode dizer que esta é uma narrativa universal.
E que levanta, mais uma vez, questões – também elas universais – que não são de resposta fácil nem única: onde encontrar o equilíbrio entre a (justa) punição de quem transgrediu a lei e a propiciação de condições de vida (sem liberdade) dignas? Até que ponto uma cadeia (que não é, de forma alguma, uma estância de férias) pode – deve - ir na limitação dos direitos e liberdades individuais de cada um? Como conseguir que o tempo passado preso contribua para a reintegração do detido na sociedade e não para o tornar ainda mais marginal e revoltado? Como fazer do tempo passado a cumprir pena uma oportunidade de requalificação e a não a aprendizagem de novas formas de defraudar a lei e a sociedade ou a iniciação em vícios?
Questões para as quais a sociedade ainda não encontrou – ou raramente encontrou – respostas. Que também não existem neste álbum de Nicoby e Ricard, de grande legibilidade, desenhado com traço duro e agreste o que torna mais credível o ambiente prisional em que a acção decorre e protagonizado por seres humanos de olhar triste e taciturno. E cujo mérito reside no facto de - mais uma vez - abordar o tema, possivelmente de uma forma mais forte pelo seu lado pictórico, propiciando – mais uma vez também – o reabrir – o continuar? – de uma discussão indiscutivelmente necessária.

A reter
- O facto de Milan não ser apresentado como herói nem vítima, apesar do incómodo inegável que muitos dos tratamentos a que é sujeito provocam no leitor.
- A grande legibilidade do relato, apesar de alguns saltos temporais – inevitáveis – a que este está obrigado.

Curiosidade
Esta banda desenhada baseia-se na experiência pessoal de Milko Paris, fundador da associação Ban Public – que apoiou a edição deste álbum e providenciou a sua distribuição nos centros penitenciários franceses – que se dedica a denunciar as condições de vida nas prisões de França.

 

29/04/2012

Melhores Leituras

Abril 2012



Persépolis (Contraponto)
Marjane Satrapi



Rassat e Orhun



Le Combat ordinaire (Dargaud)
Larcenet



Van Hamme e Rosinski



Insane (Casterman)
Besse e Le Galli



Bravo les Brothers (Dupuis)
Franquin


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