Flávio Luiz (argumento e desenho)
Artur Fujita (cor)
Papel 2 (Brasil, 2010)
250 x 380 mm, 56 p., cor, brochado
R$ 38,00
Primeiro
Todos os
álbuns de banda desenhada deviam ter (pelo menos) este tamanho.
Pelo menos
aqueles cujo desenho vibra, pulsa, transborda, chama os leitores a mergulhar no
universo desenhado.
Um formato
gigante que permite uma maior impacto da acção, onde os pormenores saltam à
vista, onde os olhares e os movimentos são mais precisos e expressivos.
Segundo
Muitas
bandas desenhadas deviam ser assim.
Capazes de
transportar naturalmente os elementos reais e específicos da cultura de onde o
autor é oriundo para os mundos ficcionados de papel que ele escolheu. (E tão
poucas vezes a banda desenhada nacional foi capaz de o fazer, perdendo
oportunidades de marcar a diferença, também por aí…).
Porque se
este é uma história do cangaço, com um fora-da-lei tipo Robin Hood que desafia
coronéis donos da terra (e dos que nelas trabalham), cuja autoridade é imposta
pela força das armas e da repressão, ela é também um relato de
ficção-científica, ambientado no ano de “3 mil e não sei quantos” num planeta
Terra devastado por guerras e experiências genéticas e assolado por uma desertificação
quase total que transformou a água no bem mais precioso.
A isto,
acresce ainda uma história de amor de contornos originais, um conseguido equilíbrio entre os vários registos combinados e um final a um tempo
previsível e inesperado.
Terceiro
Não todas,
mas muitas bandas desenhadas deviam ser assim.
Capazes de
combinar géneros, influências (assumidas e assimiladas), citações, aventura e
acção, romance e crítica social, para criar novos universos e contar velhas
histórias com nova roupagem, num registo em que se encontrem os pontos de
referência suficientes para serem identificados mas também as variantes capazes
de surpreender, estimular e cativar.
Quarto
O
responsável por esta obra é Flávio Luiz, sobre quem Sidney Gusman, editor-chefe
do UniversoHQ e responsável pelo planeamento editorial da Maurício de Sousa Produções,
escreveu, com justiça, que o seu “talento é grande demais para ficar limitado
apenas à Bahia”, afirmação que subscrevo, por isso o trago aqui hoje.
Conheci-o
(à distância) há poucas semanas quando me pediu o endereço para me enviar algumas
obras. Uma vez recebido o pacote, “O Cabra” chamou de imediato a atenção, pelo
formato, sim, mas também pela excelente linha clara à qual não consegui
resistir.
Uma linha
clara límpida, dinâmica e expressiva, servida por um traço semi-realista,
surpreendentemente (para um brasileiro) próximo do registo europeu que
associamos à revista belga Spirou.
Uma linha
clara que denota à-vontade no tratamento da figura humana e dos cenários, com soluções
narrativas diversificadas, enquadramentos dinâmicos e uma planificação que
potencia a legibilidade da história.
E que tem a
felicidade de contar com um soberbo trabalho de cor - baseado em tons quentes
para a narrativa principal e em sépias mais sombrios para os flashbacks que explicam
o porquê do ódio entre o Cabra e o Coronel - da responsabilidade de Artur
Fujita, que ajuda a definir ambientes e momentos da acção e é uma inegável mais-valia
para esta obra.