André Diniz
Polvo,
Portugal, Fevereiro de 2013
165 x 230 mm, 128 p., pb e cor, brochado com badanas
16,85 €
Resumo
Uma biografia de Maurício Hora, fotógrafo brasileiro
residente na favela do Morro da providência.
Desenvolvimento
Preconceitos.
Vivemos num mundo preconceituoso, somos educados com base em
(mais ou menos) preconceitos – sociais, religiosos, rácicos, comportamentais… Que,
mesmo que (parecendo) justificados, nos impedem de ver, de ver os outros, de
ver para lá dos outros, do retrato que deles nos traçaram ou impuseram, de ver
o que nos rodeia, de forma isenta, sem juízos prévios.
Acima de tudo, somos ensinados a temer a diferença, a
evitá-la, a rejeitá-la.
“Morro da Favela” é,
de certa forma, também, um libelo contra os preconceitos. Destrói – destrói? –
um dos mais arreigados no que ao Brasil diz respeito: que as favelas são
lugares malditos, cheios de bandidos, drogados, traficantes, polícias
corruptos, violência…
Não quer dizer que eles não existam e não estejam lá. E
“Morro da Favela” não branqueia o que são ou o que fazem. Porque querem.
Mas também mostra – principalmente – que, nas favelas, há
muitos que não são drogados, traficantes ou bandidos, gente como nós que está
na favela porque nela nasceu, por opção (ou por falta dela), que passam ao lado
– tentam passar – de tudo isto e levar uma vida normal.
Como Maurício Hora, cuja vida – real – serve de base a este
livro.
Filho de um dos primeiros traficantes de droga, habituado a
visitar o pai na prisão em criança – e que dias de festa eram esses! –
resistente desde sempre a seguir o caminho mais fácil – o da dependência, do
tráfico, do roubo, da violência – Hora (con)seguiu uma vida normal sem sair da
favela e tornar-se um fotógrafo respeitado dentro e fora do Brasil.
A sua vida – sofrida, esforçada, empenhada, lutadora - serve
de base a um retrato mais vasto de uma realidade que apesar de tanta
mediatização desconhecemos quase totalmente.
E esse é o grande mérito de André Diniz, conseguir ter a
favela “como cenário” sem contar “mais uma história de violência, embora
soubesse que era impossível eliminá-la completamente…” como referiu na
entrevista que me concedeu há algumas semanas.
Ao centrá-la em Maurício Hora, humanizou-a, conseguindo em
simultâneo contar várias histórias – dos pais, dos vizinhos, dos amigos, também
dos traficantes e dos polícias corruptos… - criando uma história de descoberta
de uma realidade (que pode ser) diferente.
Da qual nos afastamos voluntariamente, de forma
preconceituosa. Como André Diniz que, morador no Rio de Janeiro há 27 anos,
“nunca havia pisado em uma favela”
A opção por um traço estilizado, anguloso, também
semi-caricatural, revela-se bem acertada.
Primeiro, porque reduz a carga de violência que associamos
ao local, afasta-nos da realidade mediatizada – despe a favela dos
preconceitos?
Depois, passado o impacto inicial que obriga a redobrar a concentração
para o interpretar e captar em toda a sua dimensão, revela-se até agradável,
extremamente legível e capaz de transmitir de forma equilibrada a carga
emocional associada ao relato.
Finalmente, ao ser trabalhado num preto e branco bem
contrastado, mas mostrado em “negativo”, parece aproximar-nos de Maurício Hora
e do seu trabalho fotográfico, mostrando como ele vê/vive num “mundo ao
contrário” do que nós esperaríamos.
- A força do relato de André Diniz: contido, equilibrado mas
poderoso.
- O traço adoptado, pela originalidade e eficiência.
- A boa edição da Polvo, complementada com algumas
fotografias de Maurício Hora e, relativamente à edição original brasileira,
enriquecida com ilustrações de alguns autores brasileiros: Marcelo e Magno
Costa, José Aguiar, Laudo Ferreira, Pablo Mayer, Ricardo Manhães e Will…
- … que tem o mérito de divulgar em Portugal uma das muitas
e muito interessantes obras recentes dos quadradinhos brasileiros, que
raramente chegam a Portugal, apesar da estranheza que de certa forma causa ver
editada entre nós uma obra brasileira – perfeitamente legível na língua
original que (naturalmente) foi mantida nesta edição…