03/06/2010

Lançamento - Sai do Meu Filme
















Tiago Manuel (argumento e desenho)
Calendário de Letras (Portugal, Fevereiro de 2010)
246 x 238 mm, 40 p., cor, cartonado


O livro “Sai do meu filme” é mostrado hoje, às 15 horas, no Arquivo Municipal Sophia de Mello Breyner (antigo Tribunal de Vila Nova de Gaia), estando a apresentação a cargo do Dr. Vasco Graça Moura.
Com uma introdução de tom autobiográfico, próxima do conto, onde a missa (o sagrado) e o cinema (o profano) surgem como realidades opostas, a narrativa de “Sai do meu filme”, desenvolve-se depois em banda desenhada, numa viagem onírica em que a criatura escapa ao criador para uma dimensão onde o imaginário infantil e a realidade adulta se entrecruzam, uma dualidade que a narrativa explora, assente num traço agradável, que contrasta com uma paleta de cores em que predominam os tons escuros.
Natural de Viana do Castelo, onde nasceu em 1955, Tiago Manuel, que fez a sua formação artística com os mestres Aníbal Alcino e Júlio Resende, tem criado inúmeras ilustrações para capas de livros, cartazes cinematográficos, jornais e revistas. Aos quadradinhos, esta é a primeira vez que assina uma obra com o seu nome, pois tem-se dispersado por diversos heterónimos como Terry Morgan, Murai Toyonobu, Tom McCay ou Max Tilmann, consoante as temáticas e os estilos gráficos que experimenta.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Junho de 2010)

02/06/2010

A Primeira República na Génese da BD e no Olhar do século XXI

“A Primeira República na Génese da BD e no Olhar do século XXI” é o tema da exposição que é inaugurada hoje, pelas 19h, no Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem (CNBDI), na Amadora.
Integrada nas Comemorações do Centenário da República – e contando com versões actualizadas por Richard Câmara do Quim e Manecas, criados em 1915 por Stuart Carvalhais, como “patronos” - a exposição integra pranchas originais, reproduções, jornais, revistas, livros e outros materiais datados dos últimos 100 anos, que mostram como artes como a BD, a ilustração, o cartoon e a caricatura evoluíram e se desenvolveram após a Implantação da República, a 5 de Outubro de 1910.
A mostra – de que existirá uma versão itinerante a partir de Setembro - estará patente no CNBDI até 5 de Outubro, sendo depois integrada no 21º Festival Internacional de BD da Amadora, que se realiza entre 22 de Outubro e 7 de Novembro. Integrada na programação nacional de banda desenhada a desenvolver no âmbito das comemorações do Centenário da República, a exposição está dividida em cinco núcleos: “A 1ª República e a Amadora” (comissariado por João Castela Cravo), “A Caricatura Modernista e a 1ª República” (Osvaldo Macedo de Sousa), “O Primeiro Filme de Animação Português” (Paulo Cambraia), “A Génese da Moderna Banda Desenhada Portuguesa” e “A 1ª República na Banda Desenhada Portuguesa Contemporânea” (ambos coordenados por João Paulo Paiva Boléo).
Durante a inauguração os actores Filipe Leitão e Paulo Lajes e o desenhador Pedro Leitão, dramatizarão diversas caricaturas da autoria de Leal da Câmara, um dos autores que mais se destacou graficamente no ataque à monarquia.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 2 de Junho de 2010)

As Melhores Leituras de Maio



10 Pãezinhos – Crítica (Devir Livraria), de Fábio Moon e Gabriel Bá (argumento e desenho)

A fórmula da felicidade #2 (Kingpin Books), de Nuno Duarte (argumento) e Osvaldo Medina (desenho)

Frères Siamois - Coup Double (paquet), de Serge Dehaes e Bernard Hellebaut (argumento) eSerge Dehaes (desenho e cor)

Lulu Femme Nue premier livre e second livre (Futuropolis), de Davodeau (argumento e desenho)

Magasin Général #3 (Casterman), de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp (argumento e desenho)

Piratas do Tietê - A saga completa - Livro 2 (Devir Livraria), de Laerte (argumento e desenho)

Tarzan - A Origem do Homem-Macaco e outras histórias (Devir Livraria), de Joe Kubert (argumento e desenho)

The Spirit (Abril Jovem, Kitchen Sink e Norma Editorial), de Will Eisner (argumento e desenho)

Turma da Monica Jovem #17 (Panini Comics), de Maurício de Sousa

Umbrella Academy #2 – Dallas (Delcourt), de Gerard Way (argumento) e Gabriel Bá (desenho)

01/06/2010

10 Pãezinhos – Fanzine e Mesa para dois












Fábio Moon e Gabriel Bá (argumento e desenho)
Devir Livraria (Brasil, Outubro de 2007 e Dezembro de 2006)
165 X 240 mm, 216 p. / 56 p., pb, brochado


Nasceram em 1976, são gémeos, brasileiros e desde sempre quiseram fazer banda desenhada. A esse sonho dedicaram energia e vontade, escrevendo e desenhando quando podiam divertir-se (de outra forma), estudando arte para serem melhores, auto-editando-se, quando essa era a única alternativa, num fanzine semanal (!), cumprindo (os seus próprios) prazos por respeito por aqueles que os liam, cumprindo (os) prazos (dos outros), nos primeiros contratos profissionais, mesmo quando a obra já não os motivava...
A história desse(s) percurso(s) – primeiro separados, depois em duo – está contada na primeira pessoa, de forma notável, em “10 Pãezinhos - Fanzine”, que compila, explicando, elementos diversos das suas carreiras ao longo de uma década iniciada em 1991. E que, para além de permitir a descoberta da “pré-história” de Moon e Bá e a sua evolução no domínio das técnicas narrativas próprias dos quadradinhos, é uma magnífica declaração de amor pela arte de narrar em imagens sequenciais.
Dessas narrativas, do tom poético de muitas delas, aqui e ali com um toque de humor, ironia, amargura ou ternura, quase sempre inspiradas nas suas vidas ou nas daqueles com quem se cruzam, destaca-se uma sensibilidade fora do comum e uma capacidade invulgar para exprimir aos quadradinhos sentimentos, emoções e dúvidas bem humanas.
O que está também patente em “10 Pãezinhos - Mesa para dois”, a história (mais longa, o que permite aprofundar o carácter das personagens, explorá-las melhor…) de um escritor em crise criativa, bloqueado face ao papel em branco, que contrata uma assistente para conversar, ajudando-o assim a terminar o seu romance, e que na prática é uma metáfora sobre as coisas e as pessoas que não conseguimos ver apesar de estarem mesmo à nossa frente. Mas também uma história sobre relacionamentos difíceis – ou sobre a dificuldade de nos relacionarmos? - num mundo globalizado, regido pela comunicação, em que estamos cada vez mais sós e isolados, fechados na nossa própria concha, narrada de forma sensível e pausada, num preto e branco delicado e expressivo.

(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 18 de Outubro de 2008, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

31/05/2010

Fábio Moon e Gabriel Bá na Mundo Fantasma


Vindos do VI Festival Internacional de BD de Beja, os gémeos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá estarão amanhã, dia 1 de Junho, às 17 horas, na Galeria Mundo Fantasma, na livraria com o mesmo nome, no Centro Comercial Brasília, no Porto, para uma sessão de autógrafos e para a inauguração de uma exposição de originais, que ficará patente até 11 de Julho e que foi complementada com a edição de um giclée original de Fábio Moon, aqui reproduzido.
Nascidos em 1976, formados em Artes Plásticas, em apenas 10 anos passaram do anonimato do fanzine autobiográfico e auto-editado “10 pãezinhos” a autores em destaque no competitivo mercado norte-americano, graças a títulos como “Casanova”, "Pixu", “Umbrella Academy” (escrita por Gerard Way, vocalista dos My Chemichal Romance) ou “BPRD 1947” (de Mike Mignola, criador de Hellboy).
A conquista de diversos troféus Eisner – os mais importantes da indústria norte-americana de quadradinhos – possibilitou-lhes continuarem a desenvolver obras mais pessoais (e mais estimulantes) como a tira semanal “Quase nada” (no Brasil) ou a mini-série “Daytripper” (em curso nos EUA, numa edição da Vertigo) em que abordam questões do quotidiano, mostrando como as escolhas que se fazem (ou não) são determinantes para a vida.

Tex em cores #1 – O Totem Misterioso

Gianluigi Bonelli (argumento)
Aurelio Galleppini (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Outubro de 2009)
160 x 210 mm, 252 p., cor, brochada


Resumo
Esta edição, já nas bancas e quiosques nacionais) compila as primeiras tiras de Tex*, dando assim a possibilidade de (re)descobrir, mais de 60 anos depois, agora numa edição colorida, as primeiras histórias de Tex Willer, o mais antigo cow-boy dos quadradinhos ainda em publicação

Desenvolvimento
Se não vou aqui debruçar-me sobre o início de Tex – já outros o fizeram melhor – há alguns aspectos que quero realçar.
Desde logo, a variedade temática das diversas histórias, todas westerns, é evidente, mas com pontos de partida e enredos diferentes.
Depois, o seu ritmo intenso e envolvente, devido aos muitos assaltos, emboscadas, raptos, tiroteios e mortes que se sucedem, numa evocação dos melhores westerns cinematográficos.
Ainda, a forma ágil e dinâmica como estão desenhadas, como frequentes mudanças de ponto de vista e até alguns efeitos surpreendentes, como a trajectória da bala que passa entre duas vinhetas, logo na tira 7 da primeira história.
Finalmente, o invulgar número de mulheres presentes neste volume, com protagonismo e de forma interveniente. E que são belas, sedutoras (graças à mestria de Galep) e – oh, surpresa! – (muito) interessadas em Tex! A começar por Tesah, e no seu provocador vestido “sobe-e-desce”, que surge num terço das vinhetas do primeiro capítulo. E continuando com Joan, Florecita, outra Joan, Marie Gold… Simples vítimas ou não, de um ou outro lado da lei… Como não seria hoje o ranger, se esta tendência se tivesse perpetuado ao longo dos anos?!

A reter
- A edição, de maior formato, igual ao italiano, com bom papel, boa impressão e dois (interessantes) textos introdutórios, de Júlio Schneider e do próprio Sergio Bonelli.
- A cor, por permitir levar Tex a leitores que de outra forma não o descobririam.

Menos conseguido
- A cor, inferior aquela a que estão habituados os leitores de banda desenhada franco-belga e de comics norte-americanos. Por ser lisa, sem tons intermédios e não fazer jus ao traço original de Galleppini.
- O facto de o último capítulo ter sido interrompido a meio, na tira 16. Aceitando o argumento de que por razões técnicas é necessário ter um número fixo de páginas, seria com certeza possível (e preferível) ter preenchido as últimas 5 com textos sobre o herói, os autores ou a colecção, em lugar de deixar o episódio a meio.

Curiosidades
- * Tex, nasceu no formato comummente chamado de “talão de cheque” no Brasil, em edições “deitadas”, com 32 páginas, correspondentes a outras tantas tiras, com 2 a 4 vinhetas.
- Esta edição baseia-se na Colezione Storica a Colori, lançada em 2007 em Itália para ser vendida com o jornal “La Reppublica” e a revista “L’Espresso”, com capas originais de Cláudio Villa. Inicialmente pensada para 50 volumes, depois alargada para 80, hoje vai já no nº 174 (e mais de 10 milhões de exemplares vendidos), devendo terminar no nº 200, numa clara demonstração de que o ranger continua a ser um enorme sucesso no seu pais de origem.

- A colecção da Mythos tem garantidos seis tomos bimestrais, estando a sua continuação dependente do volume de vendas; bom sinal é o facto de o primeiro número ter esgotado, tendo sido necessário proceder a uma reedição.

28/05/2010

Ananke

Noirgaley (argumento)
Erwin Madrid (desenho e cor)
Delcourt (França, Maio de 2010)
226 x 298 mm, 48 p., cor, cartonado


Resumo
Lilou é uma menina de uns seis a oito anos que se sente sozinha, desde que a mãe está doente no hospital. Anita, é uma velha senhora, atacada pela artrite, que se sente cansada e também sozinha, apesar de continuar a gostar muito da vida.
O acaso vai fazer com que ambas vão à mesma praia, no mesmo dia, à mesma hora, acabando por se encontrar e partilhar uma estranha e longa viagem.

Desenvolvimento
Metáfora sobre a vida e aquilo que podemos fazer dela, mais do que aquilo que dela devemos esperar, Ananke – designação daquela que personificava o destino, a fatalidade, na mitologia grega - é um pequeno conto poético, possivelmente mais indicado para leitores (um pouco mais) maduros do que aqueles que contempla a colecção Jeunesse em que está integrada, apesar da sua simplicidade.
Nela, juntamente com Lilou e Anita, somos levados numa viagem iniciática (cuja razão para a partida no entanto não se percebe no relato), por uma dimensão desconhecida (aquela que poderá existir entre a vida e a morte?), por vezes maravilhosa, por vezes assustadora, que irá criar entre elas um forte laço e ajudá-las a tomar decisões e a escolher (novos) rumos para as suas vidas.
Narrativa linear, de tom leve, a que se pedia (alguma) emoção, Ananke tem como principal base de sustentação o desenho, claramente inspirado no cinema de animação, agradável e trabalhado digitalmente, ou não tenha o filipino Madrid trabalhado na Dreamworks em filmes como Shreck 2 e 3, Madagáscar ou Megamind.

27/05/2010

VI Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja

Começa sábado e prolonga-se até dia 13 de Junho este certame já incontornável no panorama nacional dos quadradinhos. Como habitualmente, o primeiro fim-de-semana congrega todos os (muitos) convidados, sendo por isso o mais indicado para quem queira falar com eles ou conseguir alguns autógrafos.
Depois, durante duas semanas, ficam as exposições, que este ano são 21: Aldeia das Amoreiras, Dame Darcy, Fabio Civitelli, Fábio Moon & Gabriel Bá, Hippolyte, Igor Hofbauer, Jorge Coelho, João Fazenda, Miguel Rocha, Niko Henrichon, Regina Pessoa, Rufus Dayglo e Zona (na casa da Cultura / Bedeteca de Beja), Avenida Marginal (Instituto Politécnico), Greetings from Cartoonia e NCreatures (Museu Jorge Vieira – Casa das Artes), The Lisbon Studio (Galeria dos Escudeiros), Kingpin Books (Conservatório Regional do Baixo Alentejo),
João Vaz de Carvalho e Jorge Miguel (Museu Regional de Beja) e Toupeira (Galeria do Desassossego).
E, claro está, também os lançamentos – bastantes, (quase) todos de portugueses – que perdurarão ao longo do tempo: Splaft! nº 6 - catálogo do Festival; Venham + 5 nº 7 (Bedeteca de Beja); Colecção Toupeira nº 6, de André Oliveira e Maria João Careto (Bedeteca de Beja); Hans, O Cavalo Inteligente, de Miguel Rocha (Polvo); The Lisbon Studio Mag nº 1 (El Pep); Março Anormal, de João Tércio (El Pep); Seitan Seitan Scum, colectivo de autores portugueses e brasileiros (El Pep e Chili Com Carne); BDJornal #25 (pedranocharco) e Zona Gráfica #1 e #2 (Zona).
Se o programa pode ser consultado no site do festival ou no suplemento In’ da revista NS, distribuída no próximo sábado juntamente com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, não quero deixar de indicar os meus destaques: Gabriel Bá e Fábio Moon, os gémeos brasileiros, mais pela sua obra de autor (10 pãezinhos, Quase nada), do que pelos mais mediáticos trabalhos para o mercado norte-americano, como Casanova, Pixi ou Umbrella Academy; Hermann, que infelizmente não tem exposição; Civitelli, a comemorar 25 anos com Tex; o Lisbon Studio, colectivo que lança revista própria; e Niko Henrichon, o soberbo desenhador da Fábula de Bagdad.
Mas como há mais, muito mais, o desafio é que cada um visite Beja e faça as suas escolhas.

26/05/2010

Geronimo Stilton #1 – À Descoberta da América

Geronimo Stilton (textos)
Lorenzo de Pretto e Sílvia Pianalto (desenho)
Davide Corsi (cor)
Planeta Júnior (Portugal, Março de 2010)
225 x 290, 48 p., cor, cartonado

Nascido em livros infanto-juvenis e entretanto também estrela de desenhos animados televisivos, Geronimo Stilton é o director do Eco dos Roedores, o jornal mais famoso da Ilha dos Ratos. A essa vertente profissional associa – embora contra sua vontade – as de detective e aventureiro, em companhia de alguns amigos.
Neste álbum que inaugura as suas aventuras em banda desenhada e também a chancela Planeta Júnior que a editora Planeta criou para os mais novos, Geronimo tem que enfrentar mais uma vez os Gatos Piratas, os seus inimigos de sempre, que viajaram no tempo até ao passado, mais concretamente à Espanha de 1492. O seu objectivo é incorporarem-se na tripulação de Cristóvão Colombo, para enriquecerem à custa da descoberta do que haveria de vir a ser a América. Para frustrar os seus planos, Geronimo e os seus companheiros têm também que embarcar a bordo do Santa Maria, o navio almirante de Colombo, o que provoca alguma tensão a bordo na sequência de algumas tentativas de sabotagem e uma série de situações divertidas.
Com um registo entre o aventuroso e o cómico, e alguns apontamentos didácticos que ajudam a compreender o contexto histórico, este é um relato leve e descontraído, (bastante bem) desenhado num estilo próximo da série televisiva, com tudo para agradar aos leitores a quem é destinado (e que quanto antes convém conquistar para a leitura…), em especial aos que já são fãs do rato jornalista.

A reter
- Mais uma aposta - inteligente - nos leitores mais novos.

Menos conseguido
- A edição, "demasiado cuidada" (?), com o consequente agravamento de preço, que poderá (?) afastar potenciais compradores...

Curiosidades
- Em simultâneo, a Planeta Júnior lançou também o segundo tomo de Geronimo Stilton, “O Segredo da Esfinge”, passado no Egipto…
- … e também os dois primeiros volumes das aventuras de Tea Stiltin, irmã de Geronimo: “O Seredo da Ilha das Baleias” e “A Desforra do Clube das Lagartixas”, mais vocacionadas para um público adolescente feminino.

(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 22 de Maio de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

25/05/2010

A República e a Banda Desenhada

Se a banda desenhada nacional – os seus autores – foram muitas vezes empurrados para o nicho dos relatos históricos – quer por força das limitações que a censura impôs, quer por ser uma área onde a concorrência estrangeira não se fazia sentir – a verdade é que raramente essas abordagens se deram na época contemporânea. Por isso, períodos tematicamente muito ricos – e até com grande potencial para relatos ficcionais de base histórica – como o 25 de Abril ou a resistência ao fascismo durante a ditadura, são quase virgens no que aos quadradinhos diz respeito. O mesmo se passa também com o período conturbado que levou à proclamação da República, em 1910. E para a qual a BD e, principalmente a caricatura e o cartoon, também contribuíram com a sua quota-parte, através das críticas desenhadas por autores como Celso Hermínio, Leal da Câmara ou Francisco Valença.
Assim, se os acontecimentos que antecederam o 5 de Outubro de há um século atrás, já foram várias vezes mostrados nos quadradinhos lusos, foram-no sempre numa perspectiva histórica. É o que acontece no quarto tomo da “História de Portugal em B.D. – A revolução da Liberdade” (Edições ASA, 1989), em que o historiador A. Do Carmo Reis e o desenhador José Garcês, um veterano da 9ª arte, cultor de um estilo realista rigoroso, dedicaram algumas pranchas aos acontecimentos que antecederam a sublevação dos republicanos, concretizada depois no capítulo “Viva a República!”.
O mesmo fizeram Oliveira Marques e Filipe Abranches num episódio de seis pranchas no segundo volume da sua “História de Lisboa” (Assírio & Alvim e C.M. Lisboa, 2000), mas desta vez num estilo mais moderno e arrojado, em que a legibilidade das imagens predomina sobre o texto, reduzido ao mínimo para enquadrar os acontecimentos, mais mostrados na sua crueza do que relatados.
Mas, sobre este tema, sem dúvida que a obra mais significativa é “Mataram o Rei!... Viva República” (reedição da Âncora Editora em 2008), que abarca o período de 1880 a 1910, explorando não só a revolução em si como os diversos aspectos que levaram a que ela fosse desencadada. Assinado pelo veterano José Ruy, que conta mais de 60 anos no exercício da BD, assenta na habitual pesquisa documental, rigorosa e exigente, traduzida depois numa correcta representação de edifícios, veículos e indumentárias e na completa descrição dos factos.
Isto acaba por secundarizar um pouco a base do enredo, que aborda, que parte de três jovens – Manuel, monárquico, João, republicano, e Madalena, a sua irmã - para a descrição dos eventos, onde participarão de forma activa, o primeiro por despeito, pois Madalena, sua namorada há-de ter uma relação com o rei D. Carlos, e o segundo por convicção.

(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 23 de Maio de 2010)

24/05/2010

Turma da Mônica Jovem #15 a #17

Estúdios Maurício de Sousa
Panini Comics (Brasil, Novembro de 2009 a Janeiro de 2010)
160 x 210 mm, mensal, 128 p., preto e branco, brochada

Odiada por alguns, bem recebida pela (maior parte da) crítica, amada pelos (seus muitos) leitores, a Turma da Mónica Jovem é um dos maiores sucessos aos quadradinhos de sempre no Brasil.
Se o efeito curiosidade – saber como seriam os elementos da Turma da Mónica uns anos mais velhos - poderá ter servido para o desencadear, a verdade é que só por si não seria suficiente para o manter ao longo de mais um ano. Por isso, as razões para o explicar devem ser procuradas nas próprias histórias.
Uma delas, é a forma coerente como Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali se tornaram adolescentes, sem se descaracterizarem, não perdendo as qualidades e defeitos que lhes eram (re)conhecidas enquanto crianças, mas adaptadas à sua nova idade. Outra é porque o tom leve e despretensioso habitual nas histórias, a naturalidade dos diálogos, o sentido de humor de Maurício de Sousa, continuam presentes, mostrando porque é um dos autores de quadradinhos mais lidos de sempre. Depois, porque a temática e os cenários vão mudando de história para história: por isso podem narrar o quotidiano adolescente (que é igual ao do seu público-alvo – mas onde estão longe de se esgotar os seus leitores), ou pode emular os ambientes fantásticos de tantas criações de referência – dos manga, do cinema, da TV –, caras aos adolescentes, o que serve para aumentar a cumplicidade de quem lê e de quem é lido. E também, porque se (indiscutível e assumidamente) há algum tom pedagógico e educativo nas histórias da TMJ, ele surge com naturalidade, sem incomodar nem afastar os leitores.
A chegar às bancas portuguesas, o 17º número da revista mensal, traz a terceira e última parte da saga “Monstros do ID”, para mim, uma das mais consistentes e conseguidas até agora protagonizada pela TMJ. O seu tema são os “monstros” que existem dentro de nós, que nos levam a fazer o que não queremos, a ter reacções despropositadas, a magoar aqueles de quem gostamos, a eixar de gostar de nós...
Monstros a que a equipa que produziu esta saga da TMJ conseguiu dar corpo e substância, com equilíbrio e credibilidade, conseguindo dessa forma mostrar com uma outra força e intensidade as consequências dos confrontos que normalmente são interiores e que se sentem com mais força exactamente na adolescências, na fase de formação do carácter, quando as solicitações são maiores.
A utilização de duas cores – vermelho e azul - para distinguir o “lado bom” e o “lado mau” de cada um – tantas vezes na BD representados por um anjo e um diabo – é um recurso simples mas muito eficaz que ajuda à compreensão do enredo e dá uma outra vida a estas pranchas em estilo manga que, por vezes, parecem mesmo estar a pedir cor

21/05/2010

Fagin, o judeu

Will Eisner (argumento e desenho)
Gradiva (Portugal, Abril de 2007)
190 x 250 mm, 128 p., branco e sépia, brochado


E de repente, sem muito bem se saber porquê, a banda desenhada voltou a descobrir os clássicos da literatura. Quer no mercado franco-belga, onde editoras como a Delcourt, a Soleil, a Casterman e a Glénat estão a lançar títulos ou colecções dedicada às suas adaptações aos quadradinhos, quer nos EUA, onde a Marvel, detentora do Homem-Aranha ou do Quarteto Fantástico, anunciou também uma colecção com as mesmas premissas. Ou até no Brasil, onde se estão a multiplicar as versões “en quadrinhos” dos clássicos da literatura locais, muitos deles apontados ao “Plano Nacional de Leitura” de lá.
Mas estas adaptações não se anunciam como as maçudas e maçadoras versões de tempos idos, que muitas vezes nem BD eram, quando desenhadores anódinos ilustraram (mal) os textos integrais; hoje, elas estão entregues a autores de créditos firmados, que as escolheram como projectos pessoais, em que se empenharam, transmitindo através de uma forma de expressão diversa o espírito da obra original, os sentimentos e as emoções que a sua leitura lhes proporcionou.
É, apesar de tudo, o caso deste "Fagin, o judeu", obra da velhice (data de 2003, tinha o grande mestre norte-americano já 86 anos), na qual Eisner pretende desmontar a visão estereotipada dada dos judeus na versão original do romance clássico de Charles Dickens, "Oliver Twist". Para isso, não (re)conta aos quadradinhos aquele drama vitoriano, mas sim a vida (inventada…) do seu vilão, Fagin ("o judeu"). Sem intenção de o absolver dos crimes que cometeu nem sequer para o justificar; divergindo de Dickens, traça um retrato díspar de Fagin, mostrando-o não como a incarnação do mal mas como um ser humano como outro qualquer, com dúvidas, contradições e incertezas, empurrado para o crime pelas vicissitudes de uma vida que lhe foi por demais madrasta, equiparável, afinal, ao retrato delicodoce que Dickens nos deixou de Oliver Twist, com o senão de que a Fagin a fortuna nunca sorriu… ou sorriu demasiado tarde.
Para isso, aproveita a história base, num interessante diálogo com a literatura, para fazer um retrato expressivo da opressiva Londres vitoriana onde ela decorre e para onde transporta o leitor, das vielas lúgubres e esconsas às ricas mansões, através da riqueza, precisão e expressividade do seu traço, aqui servido por tons sépia, que nada retiram da força dos jogos de luz e sombra em que se mostra mais uma vez mestre incontestado, bem como no domínio do ritmo narrativo marcado à custa da forma como compõe as pranchas, construindo uma narrativa forte e bem estruturada através da qual defende o seu ponto de vista e tenta suavizar a imagem exageradamente anti-semita que o texto original de Dickens transmite, mesmo que involuntariamente.
E constrói, assim, uma obra de crítica social e de costumes e também histórica, na qual contextualiza a presença judaica numa Londres tolerante e liberal mas fechada, mostrando como os judeus da Europa Central (os asquenazitas, judeus de segunda, atrás dos (mais ricos) judeus ibéricos, sefarditas), eram empurrados para vidas feitas de esquemas e expedientes nada honestos, que estiveram na origem da imagem estereotipada dos judeus, ainda hoje comum.

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 13 de Maio de 2007)

20/05/2010

Níquel Náusea #7 – Em boca fechada não entra mosca

Fernando Gonsales (argumento e desenho)
Devir Livraria (Brasil, Novembro de 2008)
212 x 282 mm, 48 p., cor, brochado


Era uma vez um rato (quase) analfabeto, cuja leitura hesitante facilmente adormecia a sua ninhada. Não! Era uma vez um rato que servia de provador a Mickey Mouse. Não, outra vez! Era uma vez um rato com bom olfacto… o que é insuportável para quem vive num esgoto… Não e não! Era ainda outra vez…
Aquele rato existe mesmo (desde que os heróis de papel sejam reais…) e tem nome: Níquel Náusea. Evocação de sarjeta do astro Disney, evidente no trocadilho óbvio e satírico, que dispensa mais comentários, mas aponta já para o que é a tira de imprensa que protagoniza e a que dá nome, de origem brasileira.
Aquele rato tem amigos. Ratos, como ele, também: Rato Ruter, o rato mutante (sem super-poderes, porque aqui falamos de coisas sérias!); o Sábio do Buraco, que sabe e conhece tudo… às vezes; a rata Gatinha, por quem se apaixonou, parideira profícua (de 10 em 10 minutos, exageram alguns…), mãe das suas muitas proles, que educa com amor e bofetões (que tanta falta fazem a tantos hoje em dia – o amor e, principalmente, os bofetões…); um rato canalha, com chapéu de orelhas de Mickey (vá lá saber-se porquê, gostava de se fazer passar por ele), que não passa de um Pateta (e não, este trocadilho não é meu, está mesmo no site do Níquel (http://www2.uol.com.br/niquel/index.shtml), que convém visitar regularmente, para acompanhar o dia-a-dia do rato.
Por isso, era uma vez um, dois, três, mais ratos – aqueles, os citados, e outros mais. E também um elefante de nariz sensível, uma minhoca com medo de ser enterrada viva, pulgas de classe que só mordiam cães de raça, cupins que fazem buracos na(s portas de) madeira para espreitarem as boazonas do prédio, um super-cão cuja visão de raio X o leva a atacar todos os (esqueletos de) humanos, traças viciadas em naftalina e insecticida, moscas que caem na sopa para… ler as letrinhas, um lobo mau com demasiado fôlego para soprar velas de aniversário, abelhas que delegam a produção de mel em moscas (a mão de obra mais barata…), uma formiga e um elefante apaixonados apesar das diferenças… religiosas, morcegos fãs de… Batman, caracóis que se divertem a tocar às campainhas e a… fugir… a… toda… a… velocidade…
E…
E mais uma enorme galeria animal (com tanto de humano, com tantos humanos… os maiores animais…?) com a qual o doutor (veterinário, claro está) Fernando Gonsales, faz sorrir, rir, gargalhar abertamente, há quase um quarto de século, que se completa no próximo ano, em tiras que somam já milhares.
Com elas, ele não só explora o conhecimento animal básico que faz parte da cultura geral, como também critica e satiriza a sociedade humana, desconstrói verdades (que julgávamos) absolutas, é cáustico com tantas personagens reais e/ou imaginárias que fazem parte do imaginário colectivo e cultiva um sentido de nonsense indescritível.
Nascido em São Paulo, em 1961, é um dos grandes humoristas brasileiros, publicado diariamente na Folha de S. Paulo e em vários outros jornais de todo o Brasil. Cartoon, ilustração, publicidade e argumentos para TV fazem também parte do seu currículo, onde se contam numerosos prémios e distinções e oito álbuns de Níquel Náusea editados pela Devir Brasil, alguns deles distribuídos em Portugal, estando o sétimo neste momento disponível.
Níquel Náusea que vive em tiras de poucas vinhetas, pintadas com cores lisas, de tons neutros, para salientar o seu traço falsamente simples, enganadoramente feio, uma vez que vive de imagens deformadas (por si só capazes de fazer rir) de animais (para tantos) nojentos. Mas um traço também dinâmico, expressivo, capaz de traduzir de forma directa, muitas vezes sem palavras – desnecessárias -, o gag que Fernando Gonsales imaginou.

Nota: As imagens que ilustram este artigo não pertencem necessariamente ao álbum referido.



(Versão revista e alterada do texto publicado no catálogo do V Salão Internacional de Banda Desenhada de Beja)
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