07/09/2010
Beetle Bailey: 60 anos de inépcia militar
Símbolo por excelência da preguiça – “não faças amanhã, o que podes deixar para depois de amanhã”, poderia ser o seu lema tal como “se sentires vontade de trabalhar, deita-te e espera que passe” – e de uma contestação suave e desarmante ao autoritarismo da instituição militar, Bailey (em Portugal mais conhecido como Recruta Zero) sobrevive até hoje, sendo publicado diariamente em centenas de jornais por todo o mundo.
Para o seu progenitor, Mort Walker, nascido a 3 de Setembro de 1923, em El Dorado, no Kansas, desenhar cartoons sempre foi algo tão natural como comer ou beber. Por isso publicou o primeiro desenho no jornal escolar aos 10 anos, vendeu o primeiro cartoon aos 11, criou a primeira série regular – “Limejuicers” – aos 13, tornou-se cartoonista profissional aos 15, dirigiu a primeira revista aos 18 (e criou durante a sua carreira outras séries famosas, como “Hi & Lois”, “Boner’s Ark” ou “Betty Boop and Felix”). Em 1948, após cumprir o serviço militar na II Guerra Mundial (“quatro anos de pesquisa”, dizia ele) e terminar a sua formação universitária, mudou-se para Nova Iorque, onde viu recusados cerca de 200 cartoons, antes de conseguir emprego como editor de quatro títulos na Dell Publishing Company.
Em 1950, cansado do excesso de trabalho e do baixo salário decidiu reciclar Spider, um jovem desengonçado e desleixado, com olhos pequenos e que fumava cachimbo, que era personagem recorrente dos seus gags, tornando-o protagonista de uma tira diária, em meio universitário, entre colegas, miúdas e professores. A King Features aprovou o projecto, embora mudando o título para Beetle Bailey.
A estreia da tira diária foi modesta, apenas numa dúzia de jornais, que tinham aumentado para o dobro ao fim de seis meses, número insuficiente para justificar a sua manutenção, ao fim de um ano de existência, não tivesse a realidade influenciado a ficção. É que a 25 de Junho desse ano, tinha-se iniciado a Guerra da Coreia, o que veio a introduzir um ponto de viragem na vida de Bailey que a 13 de Março de 1951 se alistou para servir no exército norte-americano, vivendo nos quadradinhos da tira de jornal o que experimentavam os seus pares do mundo real.
Destacado para o Camp Swampy (pantanoso), o novo recruta, de quem os quadradinhos nunca mostraram os olhos, sempre sob um chapéu ou boné, viu recrudescer a sua preguiça e demonstrou a maior inépcia para a vida militar, originando as maiores confusões e tornando-se no alvo preferencial do colérico (mas sentimental) Sargento Orville Snorkel. Da sua vida anterior, levou apenas a namorada, destacando-se na nova galeria persona-gens como “Killer” Diller, um mulhe-rengo, Otto, o cão antropo-mórfico de Snorkell, ou o General Amos Halftrack, caquéctico, alcoólico mais interessado no golfe e na (bela) secretária do que nas suas atribuições.
Com eles, demonstrando um enorme sentido de humor, especial predilecção por gags puramente visuais e uma invulgar capacidade de (re)inventar situações, pondo constantemente em causa a autoridade militar, Walker transformou Beetle Bailey num grande sucesso, difundido por centenas de jornais, entre os quais o próprio “Star & Strips”, órgão oficial do exército.
Com o final da guerra, uma tentativa de regresso à vida civil do recruta foi imediatamente rejeitada, provocando inclusive centenas de cartas de protesto por parte dos leitores e condenando Bailey, que também já protagonizava uma prancha dominical colorida desde 14 de Setembro de 1952, a uma eterna vida militar, se é que assim se pode designar o seu desempenho, para gáudio dos seus leitores, que se foram renovando ao longo dos anos.
Com a vida no exército como tema, Beetle Bailey foi sempre uma fonte de polémica. A primeira, significativa, surgiu no final da guerra da Coreia, quando o novo responsável do “Star & Strips”decidiu suspender a sua publicação, considerando-a atentatória da moral (?!) e má para a disciplina do exército, o que incendiou a imprensa em defesa da série.
Quase 20 anos depois, em 1970, a situação repetiu-se quando Walker, apesar da oposição da distribuidora, introduziu um oficial negro, o tenente Flap, sendo acusado pelos negros de os estereotipar e pelos brancos de proselitismo, numa época em que o racismo era uma realidade nos EUA.
Em 1997, as atenções constantes do general Halftrack em relação à sua sedutora secretária, a bela Miss Sheila Buxley, criada em 1982, levaram os movimentos feministas a acusar o autor de promover o assédio sexual.
Em todos estes momentos, após pousar a poeira das críticas, a série saiu sempre reforçada junto do público e incrementou a sua difusão nos jornais.
E a verdade é que o próprio Exército dos EUA, apesar de tudo, se mostrou grato pela sua criação, atribuindo a Mort Walker no ano 2000 a mais alta condecoração com que é possível distinguir um civil.
O sucesso da tira (que em Portugal passou pelo jornal A Capital nos anos 70, bem como por diversas revistas, para além das versões brasileiras que chegavam aos nossos quiosques) originou duas adaptações animadas na televisão, em 1963 e em 1994, inúmeras publicações em revistas e livros, uma homenagem em forma de selo pelos correios norte-americanos, já este ano (o que foi referenciado na própria tira), e rendeu inúmeros prémios a Mort Walker, que desde os anos 80 foi assistido pelo seu filho Greg, actualmente responsável pela série.
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Setembro de 2010)
06/09/2010
Futuro dos quadradinhos passa pelo digital?
“Oficiosamente”, a banda desenhada nasceu a 25 de Outubro de 1896. A data assinalava o primeiro balão de texto do The Yellow Kid, de Richard F. Outcault, e também a sua massificação pela imprensa. Para a escolha dessa data, por um grupo de especialistas, entre os quais Vasco Granja, reunidos em Lucca, em 1989, pesou também a proximidade dos seus primeiros 100 anos. E, pode dizer-se, nasceu para ser lida em papel, primeiro nos jornais, depois em revistas, mais recentemente em álbuns e livros.
Mas, com o advento das novas tecnologias, a BD também as tem experimentado, a diversos níveis. Através da leitura directa em ecrãs (área em que se têm multiplicado os scanners piratas que as editoras combatem cada vez mais ferozmente) ou tendo a internet já como suporte original, como forma de combater as dificuldades relacionadas com a edição, o lançamento de novos autores e a distribuição dos livros. O que, por exemplo, popularizou o formato geralmente designado como “italiano” (horizontal), mais próximo das medidas dos ecrãs tradicionais.
Isto, segundo alguns (saudosistas?), retira aos quadradinhos características fundamentais: a textura do papel, o cheiro da tinta, o peso físico do objecto livro, a facilidade de avançar e recuar voltando as páginas, a possibilidade de apreciar uma página inteira ou mesmo páginas duplas… Ou, indo mais longe, tornando impossível as edições de luxo e as tiragens limitadas, tão ao gosto dos coleccionadores. Do outro lado da barricada, apontam-se como vantagens a diminuição radical do espaço de arrumação dos livros impressos, a diminuição do papel gasto e a consequente preservação das florestas ou a facilidade de transporte das obras.
Com o crescendo da aposta das editoras neste formato, as ferramentas informáticas têm sido utilizadas para aproximar os quadradinhos digitais do formato original (“virar” das páginas) ou acrescentar-lhes algo no novo suporte (ampliação de vinhetas ou animações limitadas, os designados “motion comics”).
Por isso, cada vez mais, é possível aceder online a excertos de obras novas, a títulos esgotadas ou difíceis de encontrar e mesmo a novas edições. Gratuitamente, alugando por períodos mais ou menos limitados, por assinatura ou pagando o título desejado. Mas sempre num nível (ainda com muito de) experimental e de teste a um mercado que para já é apenas potencial. E que ainda possui muitas limitações: o aluguer não garante propriedade, uma falha de sistema pode significar a perda da “biblioteca”, o fecho ou mudança do site vendedor também…
Actualmente, a facilidade de acesso a leitores como o iPad, Kindle, iPod, iPhone, Courier (e às suas muitas potencialidades) abre novas portas. Ou não, como o confirma o facto de em Junho último um dos mais importantes operadores franceses de comics digitais ter vendido apenas cinco títulos…
Mas os sinais de que o novo suporte veio para ficar (quanto mais não seja para servir a geração vindoura já “nascida” a ler digitalmente…) multiplicam-se, tal como as aplicações que os suportam: ComiXology, iVerse, BD Touch. Recentemente, a Marvel lançou pela primeira vez em simultâneo um comic – do Homem de Ferro - em versão papel e digital. A DC Comics anunciou em grandes parangonas a entrada no mundo virtual; outras editoras, como as igualmente norte-americanas IDW, Dark Horse ou Aspen, dão também passos firmes nesse sentido. Na Europa, o panorama não é muito diferente: a Soleil e os Humanoides Associèes têm já on-line o seu catálogo na DigiBidi, enquanto que a Casterman, a Dupuis, a Dargaud, a Lombard e a Fluide Glacial criaram a Izneo onde têm distribuído (também) desta forma alguns dos seus títulos mais chamativos. Questões como o preço da versão digital relativamente à de papel ou os pagamentos aos autores, são outros pontos – não pacíficos – que aguardam resolução.
Por isso, sendo tantas as questões e dúvidas e ainda tão poucas as respostas e esclarecimentos, para terminar parece ajustado um modelo que foi recorrente no tempo das revistas (em papel) de histórias aos quadradinhos: (continua).
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 22 de Agosto de 2010)
03/09/2010
Cathy, o fim aos 34 anos
Estreada em Novembro de 1976, esta banda desenhada que chegou a ser publicada diariamente em 1400 jornais e conquistou um Prémio Reuben em 1992, atribuído pela National Cartoonists Society, destacou-se desde logo por ser escrita e desenhada por uma mulher – Cathy Guisewite – e por ter como base algumas das questões que preocupam (especialmente) o belo sexo – aspecto, dietas, relações, trabalho - abordadas de um ponto de vista especificamente feminino.
Ao longo das suas tiras e pranchas dominicais, Cathy, uma mulher solteira, trintona, anafada, independente, neurótica, explorada no trabalho, insegura quanto ao sexo oposto, dividida entre a vontade de comer e a necessidade de dietas que não consegue cumprir, com dificuldades em aceitar o proteccionismo dos pais e as semelhanças com a mãe, divertiu gerações de leitoras, com quem partilhou diariamente as suas desventuras com Irving (namorado, ex-namorado, outra vez namorado e, finalmente, marido), os pais, os colegas de trabalho, o chefe prepotente ou a sua cadela.
Agora, mais de três décadas depois, a autora, nascida no Ohio, a 5 de Setembro de 1950, decidiu pôr fim a esta aventura gráfica, para se dedicar à família. Às fãs de Cathy - e aos fãs também – resta-lhes reler as muitas colectâneas, cronológicas ou temáticas, existentes, das quais mais de duas dezenas foram editadas em português pela Gradiva, com títulos sugestivos como “Pernas elegantes nem daqui a 30 anos”, “Os homens deviam vir com manual de instruções” ou “Melhor que chocolate só mesmo um par de sapatos novos”.
02/09/2010
Leituras ASA de Setembro
Happy Sex
Zep (argumento e desenho)
Com um humor cúmplice e irónico, este álbum evoca o nosso tempo, com pranchas muito divertidas, especialmente aquelas que dizem respeito às situações do dia-a-dia que, sem caírem na vulgaridade, abordam temas como as imperfeições do corpo, as obsessões e a gestão da vida sexual… sem nos esconder absolutamente nada!
O grafismo de Zep juntamente com as cores pastel que utilizou, permitem mostrar o corpo humano com humor, pondo a nu as excentricidades e os comportamentos sexuais mais hilariantes!
Adèle Blanc-sec , vol. 1
(inclui os álbuns “Adèle e o Monstro” e “O Demónio da Torre Eiffel”
Jacques Tardi (argumento e desenho)
Esta série decorre nos inícios do séc. XX. Uma época de grandes feitos tecnológicos e avanços científicos, onde tudo é possível. Uma época na qual ciência e misticismo andam de mãos dadas, em busca de um futuro melhor para a humanidade…
É neste contexto que têm lugar as extraordinárias aventuras de Adèle Blanc-sec; no primeiro volume, assistimos à eclosão de um ovo de pterodáctilo que levará à revelação de seitas diabólicas que ameaçam Paris…
Spirou e Fantásio #51 – A invasão dos Zorcons
Vehlmann (argumento)
Yoann (desenho)
Edição com capa exclusiva para a FNAC disponível a partir de 3 de Setembro
O célebre sábio Pacómio passa tranquilamente os dias no seu Castelo… Enquanto se dedica às suas experiências, o nosso amigo micólogo recebe a intrigante visita de um Zorglub que se apresenta mais altivo do que nunca… Mas o que pensar do comportamento do Conde que confunde o seu famoso rival com um simples canalizador? Será que Zorglub preparou minuciosamente todas as catástrofes que estão prestes a ocorrer?
Com a edição deste álbum, assistimos ao regresso de um mítico duo da banda desenhada humorística a uma selva insólita, infestada de criaturas inquietantes…
Blacksad - O inferno, o silêncio
Dias Canales (argumento)
Juan Guarnido (desenho)
(álbum a lançar dia 17, em simultâneo com a edição original francesa)
As Aventuras de Tintin
Hergé (argumento e desenho)
(nova tradução e novo formato: 160 x 220 mm)
PVP: € 8,90
Tintin no país dos sovietes
Tintin vai à Rússia fazer uma reportagem para o jornal, mas vários homens tentam impedi-lo para que não revele a verdadeira realidade russa.
Originalmente publicado num suplemento juvenil, esta história foi retirada de circulação por Hergé a partir dos anos 30 e só em 1973 voltou a ser publicada, tornando-se num “best-seller”. Livro onde o regime comunista e os comunistas são retratados como vilões, o que gerou controvérsia.
É o único livro de Tintin a preto e branco
Tintin no Congo
Tintin é enviado para o Congo, colónia belga na época. Por uma série de peripécias acaba por entrar em confronto com um bando de gangsters que controlam a produção de diamantes…
Esta história foi publicada inicialmente no suplemento juvenil e depois em álbum a preto e branco.
Em 1946, Hergé redesenhou a história alterando a ideologia colonialista do álbum, deu-lhe cor e alterou os diálogos.
Tintin na América
Tintin parte para a América durante o período da lei seca. Em Chicago é raptado por gangsters, cujo chefe é Al Capone, que o consideram perigoso. Após escapar e ser de novo perseguido, acaba por encontrar os peles-vermelhas…
Este álbum é considerado um dos mais fantasistas e infantis. Hérge quis centralizar a história nos índios da América, que o fascinavam.
Os Charutos do Faraó
Tintin está a fazer um cruzeiro com destino ao Extremo Oriente, quando encontra um egiptólogo extravagante que procura a tumba de um faraó. Ao decidir acompanhá-lo é capturado e após várias peripécias chega à Índia, onde desmonta uma organização de traficantes de ópio…
Álbum inicialmente publicado a preto e branco, foi o último a ser colorido, em 1955. Este álbum surgiu 12 anos após a descoberta do túmulo de Tutankhamon.
O Lótus Azul
Um mensageiro da China, que se iria encontrar com Tintin, é atingido por uma flecha envenenada com o veneno da loucura, dando-lhe apenas tempo para pronunciar o nome Mitsuhirato. Tintin parte em busca deste individuo desconhecido, o que o leva até à Índia e à China…
Publicado em álbum a preto e branco em 1936, só 10 anos depois foi colorido.
Este livro, onde Hergé defende a causa chinesa, nunca foi bem visto pelos japoneses.
A Orelha Quebrada
Tintin investiga o roubo no Museu Etnográfico de um fetiche pertencente a uma tribo – Os Arumbaias. As pistas levam-no até à América do Sul, onde existe uma revolução em curso. Perseguido por todos, refugia-se na tribo dos Arumbaias onde descobre o segredo do fetiche… Álbum editado em 1937, foi reeditado a cores em 1943.
Mais uma vez são feitas alusões à actualidade mundial - a guerra do Chaco, entre o Paraguai e a Bolívia. No livro Hergé denomina o conflito por “guerra do Chapo”.
(Resumos da responsabilidade da editora)
01/09/2010
As Melhores Leituras de Agosto
31/08/2010
Cid
Assírio & Alvim e El Corte Inglés (Portugal, Junho de 2010)
232 x 295 mm, 208 p., cor, cartonado
Se mais méritos não tivesse – e tem, desde logo pela (mediática) chamada de atenção para expressões artísticas (cartoon, caricatura, ilustração) raras vezes suficientemente valorizadas para além da efémera existência nas páginas de jornais e revistas – o Prémio Stuart instituído pelo El Corte Inglés, “por herança do seu fundador, num contributo à sociedade em que se insere” numa demonstração de “consciência social e esforço de preservação do património”, com o objectivo de “dignificar a obra dos clássicos do desenho de imprensa recuperando-a do esquecimento”, deu também origem a uma colecção de obras monográficas sobre os seus vencedores.
Por essa notável galeria do humor gráfico nacional já passaram clássicos - Stuart Carvalhais, Bordallo Pinheiro - ou contemporâneos cuja obra podemos admirar diariamente – João Fazenda, André Carrilho. Ou, ainda, clássicos contemporâneos, se assim se podem definir João Abel Manta ou, agora, Augusto Cid, vencedor em 2009 e tema do mais recente tomo.
Como os restantes, é da autoria de João Paulo Cotrim, primeiro director da Bedeteca de Lisboa, que, enquanto argumentista, tem tido experiências episódicas nalgumas destas artes e tem sido um dos grandes responsáveis pela divulgação e credibilização da banda desenhada, do cartoon, do desenho de imprensa e da ilustração nacionais nas últimas duas décadas. É verdade que a sua escrita nem sempre é fácil – e poucas vezes linear, com uma prosa de grande carga poética, que geralmente, sugere mais do que expõe – mas que, nesta colecção, tem reduzido os seus textos ao mínimo, avançando apenas pistas de interpretação e análise, destacando características ou técnicas ou inserindo o cartoon ou a ilustração no contexto – mediático, político, artístico – em que foi criado/publicado, dando assim o máximo destaque ao trabalho gráfico do homenageado, que se encontra em profusão nas cerca de duas centenas de páginas do livro.
Por isso, se Cotrim é o autor, o protagonismo pertence a Augusto Cid, de quem são mostrados cartoons, tiras e bandas desenhadas (todos identificados e datados) de diversas épocas e temáticas: ultramar, processos, Eanes, Soares, touradas, animais, mendigos, sexo, motas, auto-retratos… Para que o seu traço personalizado, seguro e sintético, e o seu olhar mordaz, cruel, independente e provocador, cumpram o seu papel: divertir, revelar, acusar, apontar o nu. Porque Cid “mexe com o objecto, incomoda com a perspectiva e a caneta”; “o seu humor ultrapassou qualquer noção de bom ou mau: é bílis em estado puro” e “como bom cartoonista, ignora a culpa e aspira à mais absoluta liberdade”.
Como pode ser (re)descoberto nesta colectânea onde as criações de Cid têm hipótese de uma nova existência, evitando que o tempo as cristalize – há cartoons que continuam actuais, por situações que se repetem ou momentos que ganham nova interpretação à luz da História – para lá do papel – tantas vezes marcante e fundamental – que tiveram nas publicações periódicas que originalmente as acolheram. Colectânea que, também por isso, mais do que ser o culminar ou a súmula de uma carreira marcante, deve servir apenas como ponto de partida para novas viagens e explorações.
(Versão revista e aumentada do texto publicado na página de Livros do Jornal de Notícias de 23 de Agosto de 2010)
30/08/2010
Celle que je ne suis pas
Dargaud (França, Abril de 2008)
172 x 240, 192 p., cor, brochado com badanas
Com o manga em grande no mercado francófono, este é mais um exemplo de como este género influencia os autores locais, no caso uma belga de quase 30 anos, já com uma biografia respeitável, com um estilo próximo do da BD japonesa – deixo para outros a discussão se só é manga o que é produzido por nipónicos…
Mas onde também se notam outras leituras, no ritmo pausado, lento, do relato, que se demora em pormenores, que aprofunda as pequenas conversas, que transmite no papel tiques e hábitos do quotidiano normal, como o beijo de cumprimento, as banalidades que se trocam, o tempo de um passeio em silêncio ou pormenores de uma refeição ou de uma compra.
Mas passemos à história deste primeiro tomo de uma trilogia, protagonizada por Valentine, uma morena bonita, perdida num mundo, numa sociedade, numa família, numa escola em que não se reconhece, entre as tentativas de se integrar à força e o desejo – quase sempre reprimido - de marcar a sua diferença, de afirmar a sua individualidade, por medo da eventual rejeição subsequente.
Uma história que mostra – principalmente em relação a Valentine mas também relativamente às suas colegas e amigas – os prós e os contras das cedências que é necessário fazer para pertencer a um grupo, aquilo de que é necessário abdicar, as violências que essas escolhas exercem sobre si próprio, os efeitos que têm sobre a sua auto-imagem, numa idade – 14, 15 anos – em que a personalidade se afirma, em que as solicitações são muitas - álcool, droga, sexo, grupos – e as ajudas – em tempo de famílias desagregadas e culto da próprio umbigo - quase sempre poucas. Ou nenhumas.
(Texto publicado originalmente no BDJornal #24, de Outubro de 2008)
27/08/2010
Sardine de l'espace 1 – Platine Laser
25/08/2010
Fathom Digital Comics #1
Escrita pelo vice-director da Aspen, Vince Hernandez, esta banda desenhada ficará disponível apenas em formato digital, em diversas plataformas, assinalando assim também a entrada da editora neste segmento em expansão, que muitos apontam como suporte preferencial dos quadradinhos num futuro próximo.
A protagonista curvílinea de Fathom, Aspen Mathews, já tem os oceanos como seu cenário primordial pelo que, segundo o argumentista, faz todo o sentido envolvê-la com a maior catástrofe ambiental não provocada de todos os tempos, o que levará a heroína a auxiliar os seres vivos afectados pelo derrame. E como o propósito é “não só falar do que aconteceu” mas também “ajudar a combater os seus efeitos”, os lucros desta edição destinam-se ao National Wildlife Federation, um fundo dedicado à preservação da vida selvagem.
O desenho foi entregue à tailandesa Siya Oum, de 30 anos, já com experiência em comics e animação, que tentou manter-se fiel ao estilo da série criada por Michael Turner (1971-2008) em 1998, para a Top Cow.
Esta edição poderá dar um novo alento ao eventual filme baseado em Fathom, a que o nome de James Cameron chegou a estar associado. Recentemente Megan Fox mostrou-se interessada em protagonizá-lo, tendo manifestado a sua aprovação a um argumento que lhe foi submetido. As últimas notícias dão conta que a Twentieth Century Fox procura um realizador para concretizar o projecto.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 9 de Agosto de 2010)
23/08/2010
La Montagne Magique
Casterman (França, Outubro de 2007)
226 x 303 mm, 72 p., cor, cartonado
Primeira experiência em formato franco-belga (álbum cartonado, a cores, de “apenas” 72 páginas) de Jiro Taniguchi, o mais europeu dos mangakas, se desilude um pouco pois não ressalta dela qualquer ganho particular com a mudança, é uma continuação dos temas que mais têm marcado a carreira do autor japonês, que mais uma vez revisita a sua infância. Melhor algumas das suas recordações de infância, dotando-as depois de contornos ecológicos e fantásticos, que as transformam num belo conto, humano e sensível, sobre os medos infantis, a força do amor filial, a persistência, a coragem e o muito que se consegue quando acreditamos em nós próprios em prol dos outros.
Tudo começa em Tottori – terra natal do autor - onde vivem Ken’ichi, de 11 anos, e a sua irmã Sakiko, de 7, órfãos de pai e confrontados com a possibilidade de também perderem a mãe, que necessita de ser submetida a uma operação delicada, sujeita a uma longa e difícil recuperação. A dificuldade surgida aprofunda a relação entre os dois irmãos, que se tornam mais unidos e vão viver uma estranha experiência relacionada com a montanha próxima da localidade, considerada morada de seres míticos e dos guardiães daquele local, quando uma salamandra gigante, há muito prisioneira no museu, contacta telepaticamente Ken’ichi e lhe propõe realizar um desejo se ele a devolver à sua origem…
(Texto publicado originalmente no BDJornal #24, de Outubro de 2008)
20/08/2010
Este céu cheio de terra
Campo das Letras (Portugal, Outubro de 2006)
170 x 237 mm, 128 p., cor, cartonado
Memória. A capacidade de retermos/recordarmos. Independentemente da nossa vontade. Porque tanto recordámos o que nos agrada, como, ironicamente, aquilo que mais queríamos esquecer…
Assim é a memória de cada um. A memória colectiva não funciona bem assim. É mais condicionada. Pelo que nos querem fazer lembrar e pelo que nos querem fazer esquecer - são sucessivos os "branqueamentos" históricos, políticos, religiosos, promovidos pelas mais diversas instituições, partidos, credos, e que ainda hoje existem, mais subtis, às vezes - pelo que nos querem apresentar como verdade…
As memórias são fundamentais para sabermos quem somos, quem fomos - para nos ajudar a definir o que queremos ser e fazer, apesar dos condicionalismos, das imposições. Por isso, recordar o passado é fundamental para construir o futuro - adivinhando-o, antecipando-o…
Por isso, também recordar Auschwitz é fundamental. Pelos branqueamentos/apagamentos cada vez mais frequentes que alguns (demasiados) querem fazer a um dos maiores actos de barbárie de que a espécie humana foi capaz - como foi capaz de queimar nas fogueiras da inquisição, de exterminar civilizações nas Américas, de tratar seres humanos como animais em África, como mata aos milhares - aos milhões - nos dias de hoje.
Max Tilmann (ou apenas M.T., que também se pode ler como Terry Morgan, ou Tom McCay, ou Murai Toynobu, ou …, tantos são os múltiplos heterónimos em que se tem desdobrado Manuel Tiago) em "este céu cheio de terra" recorda Auschwitz de A a Z (as letras inicial e final do local onde os nazis gasearam e cremaram milhões de judeus), através de um conjunto de aguarelas. Aguarelas imprecisas como que se dissolvidas por uma brisa, um vento ligeiro (o branqueamento que alguns pretendem?).
Mas aguarelas que, mesmo assim, ficam como uma névoa incómoda (o fumo dos fornos crematórios?) que não deixa esquecer, que acirra as nossas memórias e as faz voltar.
Aguarelas que, mesmo imprecisas - talvez não o sejam tanto assim… - nos contam uma história, uma história terrível e terrífica, em contraponto com as belezas naturais desta Terra não cheia de céu, muitas vezes um autêntico inferno. Como foi Auschwitz.
Aguarelas que nos mostram como fica esse céu, enevoado e sujo, cheio de terra, cheio das barbáries humanas desta terra.
Aguarelas que, parecendo desenhos soltos - podendo ser vistas assim - postas em sequência - uma vaga banda desenhada…? - contam uma história, em que soldados nazis, apenas vagos contornos, sem consistência (sem alma?), guardam e conduzem, presos (a cheio - gente, portanto…), quais animais em rebanho ordenado, para o inexorável final. Uma sequência narrativa sem palavras, sem mais palavras do que aquelas que a nossa memória for capaz de lhe apor, acreditando que a nossa memória - cada memória - ainda é capaz de as identificar e relacionar.
Durante quanto tempo mais, num mundo em que o momentâneo, o acessório, o imediato, são senhores e reis, e em que a tendência para a desculpabilização, a todos os níveis, é assustadora? Não sei responder, mas acredito que este livro possa contribuir para prolongar estas memórias mais um pouco. Menos, com certeza, infelizmente, do que era necessário. Mas mais algum, o que já fará com que cumpra a sua missão.
(Texto publicado originalmente no BDJornal #17, de Fevereiro/Março de 2007)
18/08/2010
Filme “A Origem” inspirado em BD Disney?
A notícia, que circula na internet, aponta as coincidências entre os argumentos do filme e de “The Dream of a Lifetime”, uma BD com 26 páginas, originalmente publicada na Noruega, em 2002. E que em Portugal, sob o título “Uma vida de sonho”, integrou o volume 2 da colecção “Obras-Primas da BD Disney”, “Episódios Extraordinários”. O seu autor é Keno Don Rosa, um dos mais conceituados autores Disney, responsável por estabelecer uma cronologia detalhada da vida do Tio Patinhas, na multipremiada história “The Life and Times of Scrooge McDuck” (de 1992), que em Portugal foi publicada como “A Saga do Tio Patinhas”. Aliás, o episódio agora em causa, que pode ser lido gratuitamente no site da Disney.
é um capítulo extra da biografia do pato mais rico do mundo.
Nele, os Irmãos Metralha roubam uma máquina inventada pelo professor Pardal, para entrarem nos sonhos do Tio Patinhas e descobrirem o segredo para entrar na caixa-forte. Para os impedir, Donald utiliza o mesmo equipamento, numa perseguição atribulada pelas memórias do Tio Patinhas, em cenários em constante mudança, como o velho oeste, as planícies australianas ou o Titanic.
No filme, também escrito por Nolan, um bando de assaltantes invade os sonhos das suas vítimas para se apoderar dos seus segredos. O realizador norte-americano já contestou a notícia, afirmando que começou a desenvolver a ideia há cerca de dez anos, mas a verdade é que alguns sites já colocam em causa uma eventual nomeação do filme ao Óscar de Melhor Argumento Original.
(Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 10 de Agosto de 2010)
17/08/2010
Leituras Bonelli de Agosto
Tex 458
Tex Colecção #250
Grandes Clássicos de Tex #21
Tex Edição Histórica #76
Zagor Especial #24
Zagor Extra #71
Zagor #107
J. Kendall - Aventuras de uma criminóloga #64
Mágico Vento #93
Leo Pulp #2 (de 2)