01/06/2012

A Minha 1ª BD










Capuchinho Vermelho
Hélène Beney (argumento)
Domas (desenho)
Sylvie Bonino (cor)
Edições ASA (Portugal, Maio de 2012)
165 x 220 mm, 48 p., cor, brochado
8,90 €









Branca de Neve
Hélène Beney (argumento)
Richard Di Martino (desenho)
Sylvie Bonino (cor)
Edições ASA (Portugal, Maio de 2012)
165 x 220 mm, 48 p., cor, brochado
8,90 €



1.       Ler banda desenhada não é tão simples quanto parece.
2.      E se a introdução a esta leitura é algo quase inato nas idades mais jovens, quanto mais tarde for feita, mas difícil será apre(e)nder a ler BD.
3.      Por isso – também por isso – é fundamental formar novos leitores de quadradinhos
4.      … porque, se em tempos as revistas Disney e da Turma da Mônica e os álbuns de Astérix, Lucky Luke, Tintin ou Spirou cumpriam esse desígnio quase por si só…
5.      … hoje em dia, com a variedade de ofertas visualmente atractivas (TV, videojogos, internet…) e a (consequente) menor apetência pela leitura, as coisas são bem mais complicadas.

6.      Até porque, apesar de todos os progressos, os quadradinhos continuam a ser vistos de lado pela maioria das pessoas,
7.      … algumas das quais, inclusive, desaconselham a sua oferta a crianças – apesar de os considerarem para crianças! -
8.     … e a sua inclusão nos programas de Língua Portuguesa dos diversos ciclos,
9.      … apresentados de uma forma geral por gente sem formação nem sensibilidade,
10.  … longe de os introduzir como uma forma diferente de literatura,
11.   … opta por os reduzir ao que têm de menos interessante, a contabilidade oca de vinhetas, tiras, pranchas e balões,
12.  … não explorando – longe disso – as características intrínsecas que os fazem diferentes e tão apelativos,
13.  … e caindo mesmo no ridículo de propor execuções de pranchas em 10 ou 15 minutos em provas ou exames.
14.  O que faz pensar – temer… - qual terá sido o verdadeiro propósito dos (pseudo)pedagogos que os levaram para os programas oficiais.

15.   Por tudo isto – e para assinalar o Dia Mundial da Criança que hoje passa - aplaudo esta iniciativa da ASA – seguindo uma edição original da Bamboo – que visa levar a banda desenhada aos mais pequenos
16.  … – os livros são propostos a partir dos 3 anos –
17.   … com uma colecção que reproduz aos quadradinhos, sem qualquer texto – o que pode permitir a sua leitura sem ajuda dos adultos - histórias intemporais bem conhecidas deles
18.  … (complementadas por uma secção que ensina (?) a desenhar as personagens e pela versão tradicional do conto).
19.  Histórias essas contadas de forma linear e divertida, através de uma planificação simples que facilita a leitura, aqui e ali com alguns bons achados – quer em termos narrativos, quer gráficos – que facilmente poderão captar a atenção dos pequenos leitores,
20. … que certamente reconhecerão facilmente as personagens, traçadas de forma viva e atractiva e servidas por cores fortes e agradáveis,
21.  … o que faz com que estes livros tenham tudo para cumprir o seu propósito:
22.  ser a primeira BD - de muitas, desejo eu – de novos leitores de quadradinhos.



Melhores Leituras

Maio 2012



Diário Rasgado (Mundo Fantasma)
Marco Mendes



Perrissin e Blanchin



Vítor Cafaggi



Death Note #2 (Devir)
Ohba e Obata



Thorgal
A Fortaleza Invísível
A Marca dos Banidos
A Coroa de Ogotaï
(ASA/Público)
Van Hamme e Rosinski



Tex Edição em Cores #12 - Sombras da Morte (Mythos Editora)
 
Bonelli e Galleppini



 
Waid e Molina

31/05/2012

Zagor Gigante #1

O castelo no céu











Moreno Burattini (argumento)
Marco Torricelli (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Setembro de 2011)
185 x 270 mm, 242 p., pb, brochado
R$ 29,00 / 16,00 €




1.      Um dos mais populares heróis Bonelli, Zagor, cumpriu 50 anos há sensivelmente um ano, data que, entre outros aspectos, ficou marcada pela primeira edição de um Zagor Gigante – este que está agora nas bancas e quiosques nacionais.
2.      Aliás, dada aquela popularidade, inegável, em Itália mas também no Brasil, esta edição só surpreende por não ter acontecido há mais tempo, seguindo os exemplos de Tex, Dylan Dog ou Martin Mystère.
3.      Embora no que a este Zagor diz respeito (como no dos dois anteriores) o desenho esteja a cargo de um autor da casa Bonelli e não entregue a um convidado “de luxo” exterior, como acontece em tantos dos Tex Gigantes.
4.      Podendo, apressadamente ser considerado um western, Zagor distingue-se pela coexistência nas suas aventuras de uma multiplicidade de géneros, do citado western ao fantástico, do sobrenatural à ficção-científica, aqui e ali com alguns apontamentos de humor e uma (ligeira) base histórica.
5.      Por isso, não por acaso, o centro da sua acção decorre na fictícia Darkwood, onde Zagor habita, uma combinação de pradaria, zona rochosa, floresta e pântano situada algures na confluência de três estados norte-americanos: Ohio, West Virgínia e Pensilvânia.
6.      (Como bem explana na longa introdução à obra Moreno Burattini, que traça um completo retrato do percurso deste herói cinquentão).
7.      A história escolhida para este “Gigante” – que merecia uma capa mais chamativa, pois a que Gallieno Ferri desenhou é pouco chamativa e de leitura algo difícil - não sendo, confesso, das mais estimulantes que já li de Zagor…
8.      … tem como curiosa base a busca por parte de uma criatura fantástica – um demónio – do seu criador – o escritor que lhe deu origem no papel - …
9.      … e tem o condão de mostrar a tal multiplicidade de géneros que nele convive pois, se se inicia como um relato medieval de cavalaria, o seu desenvolvimento rapidamente a leva para o terreno do sobrenatural, que até ao seu termo conviverá com o western, com Darkwwod a ser invadido (e modificado) pelo tal demónio, numa história algo linear mas desenvolvida em bom ritmo, com muita acção, algumas inflexões e um final algo inesperado.
10. Tudo desenhado de forma competente, dinâmica – e aqui e ali mesmo bastante interessante, em especial quando há edifícios no cenário – por Torricelli cujo traço, assente num branco e negro bem contrastado, é realçado pelo generoso formato da edição.
11.  Edição que terá um valor muito grande para algumas dezenas de leitores e fãs de Zagor que viram o seu nome imortalizado no verso da capa e da contracapa…
12.  … e que, sem dúvida, pode ser uma boa porta de entrada para o universo do herói criado por Guido Nolitta (Sergio Bonellli) e Gallieno Ferri.


Às Quintas Falamos de BD

Imagens da Guerra Colonial


 
O Centro Nacional Banda Desenhada e Imagem (CNBDI), é um equipamento municipal cuja vocação é a promoção e difusão da BD e artes que lhe são próximas. Para além da produção anual do Festival Internacional de Banda Desenhada, e da edição de publicações e exposições que traduzem as diversas tendências da BD e imagem, a realização de iniciativas de divulgação da BD é um dos objectivos centrais do seu trabalho.
Nesse âmbito e integrado na programação de Às Quintas Falamos de BD - cujo sentido primordial da sua criação é a relação da BD com outras formas de expressão artística e cultural - terá lugar hoje, dia 31, pelas 21 horas, um encontro a que demos o nome de Imagens da Guerra Colonial.
Na ocasião será exibido o documentário As Duas Faces da Guerra, comentado pela jornalista Diana Andringa que com Flora Gomes assina a realização deste filme.
Para este evento foram convidados a participar a Associação 25 de Abril e a Associação dos Deficientes das Forças Armadas, vários artistas da imagem e investigadores de BD, cinema, ilustração e cartoon que, ao longo dos anos, reflectiram e trabalharam este tema.
Esta iniciativa conta, ainda, com a participação especial de Manuel Freire.

Sinopse do filme:
Luta de libertação para uns, guerra de África para outros: o conflito que, entre 1963 e 1974, opôs o PAIGC às tropas portuguesas é visto, desde logo, de perspectivas diferentes por guineenses e portugueses.
Mas não são essas as únicas “duas faces” desta guerra: mais curioso é que, para lá do conflito, houve sempre cumplicidade: “Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo”, disse Amílcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam do lado do PAIGC.
Não por acaso, foi na Guiné que cresceu o Movimento dos Capitães que levaria ao 25 de Abril. De novo duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória, a independência da Guiné, a democracia para Portugal.
É esta “aventura a dois” que queremos contar, pelas vozes dos que a viveram.
A exibição deste filme é uma cortesia Lx Filmes.

(Texto da responsabilidade da organização)

30/05/2012

Capitán América - El hombre fuera del tiempo








Colecção 100% Marvel
Mark Waid (argumento)
Jorge Molina (desenho)
Karl Kesel e Scott Hanna (arte-final)
Frank D’Armata (cor)
Panini Comics (Espanha, Maio de 2012)
170 x 260 mm, 120 p., cor, brochado com badanas
11,00 €


Resumo
Compilação dos 5 números da mini-série “Captain America: Man Out of Time” narra a readaptação de Steve Rogers/Capitão América ao “novo mundo” que descobre, depois o seu corpo, em animação suspensa há cerca de meio século, ter sido recuperado pelos Vingadores.

Desenvolvimento
“El hombre fuera del tiempo” segue - em falta de termo melhor – uma “receita” que tem originado – desculpem-me os fãs de super-heróis puros e duros – algumas das melhores obras dentro do género: a humanização do super-herói – no caso do Capitão América – para estabelecer uma maior proximidade com o leitor, ao mesmo tempo que o isola de maxi-sagas intermináveis e de crises infinitas (e muitas vezes incompreensíveis).
Porque, neste caso, Steve Rogers/Capitão América, herói da II Guerra Mundial desaparecido em combate em 1945, já nessa época surge como alguém com dúvidas quanto ao que realmente quer fazer da sua vida, após o fim desse conflito, embora a sua prioridade seja sempre a vontade do exército (dos EUA).
E, após o resgate pelos Vingadores, depois de passar cerca de meio século em animação suspensa, é apenas um “homem fora do seu tempo”, um desajustado da (nova) sociedade que encontra. Alguém proveniente dos anos 1940, que fechou os olhos e, quando os abriu de novo, está em pleno século XXI, num mundo que já possui multibanco, internet, televisão, delinquência juvenil, miscelânea cultural e racial…
E é sentindo na pele este choque – porque de um verdadeiro choque se trata – entre o que conhecia e a nova realidade, que o protagonista tem que encontrar o seu caminho, com a agravante de que já ninguém (re)conhece o super-herói que ele é (foi?), enquanto que o homem luta para se adaptar a uma nova e estranha realidade - embora seja incompreensível que não tenha havido uma “reciclagem” por parte dos Vingadores aquando do resgate – na qual já não vive quase nenhum dos seus antigos amigos ou companheiros, num país muito diferente também, que perdeu a guerra do Vietname, tem políticos corruptos, desemprego, droga a rodos, falta de valores e ideais…
Uma realidade díspar daquela pela qual lutou, para a qual não quis contribuir, que o deixa perplexo, frustrado e desiludido. Mas uma realidade que continua a fazer sonhar muitos e na qual – inevitavelmente – acabará por (re)encontrar o seu (novo) lugar.
É neste jogo de contrastes que a obra assenta, com Steve Rogers/Capitão América a tentar – em vão – encontrar referências e conhecidos, perante uma nova ordem – nacional, mundial – que o rejeita e o tenta afastar. O que o leva para um caminho que poderia ser de não retorno – e aí este livro seria bem mais do que apenas uma leitura interessante e bem estruturada – quando tenta regressar ao momento do seu desaparecimento – e da morte do seu parceiro Bucky – para mudar esse passado e (re)construir/(re)viver – com ele, a sua namorada e outros mais – o sonho – o ideal – pelo qual deu tudo.
O argumento de Mark Waid, muito forte de início, mas abrandando à medida que o relato de super-heróis se sobrepõe ao factor humano, sem os excessos palavrosos que tantas vezes cortam o ritmo de leitura nos comics, consegue transmitir bem a dualidade que Rogers vive e captar a atenção do leitor.
Para isso conta com o contributo do traço realista, agradável, bem trabalhado e colorido de Molina, Kesel e Hanna, pleno de movimento, com grande diversidade de planos e a inclusão regular de imagens fortes – muitas vezes de página completa ou quase – que, se por um lado quebram o ritmo de leitura que Waid marcou, por isso mesmo obrigam a repensar as sequências que finalizam e aumentam a adrenalina em jogo.

A reter
- Como os comics de super-heróis são tão bem mais legíveis e estimulantes, quando deixam de lado as intermináveis sagas, e exploram o lado humano dos seus super-heróis.
- Uma boa edição, cuidada e bem impressa, que inclui as capas originais, e que está disponível em Espanha, mesmo aqui ao lado…

Menos conseguido
- ... e é nestas alturas que, olhando para a vitalidade e diversidade do mercado espanhol, de tebeos (que é como quem diz BD), penso que estaríamos bem melhor – no que a essa mesma BD diz respeito – se D. Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira e/ou os revoltosos de 1 de Dezembro de 1640 tivessem estado quietinhos ou pertencessem a uma das muitas realidades paralelas em que os comics de super-heróis são férteis…


29/05/2012

Corpo de Delito










Iramir Araújo e Bruno Azevedo (argumento)
Beto Nicácio, Marcos Caldas, Ronilson Freire, Carlos Sales, Salomão Júnior e Luiz Saidenberg (desenho)
Edição de autor (Brasil, 2006)
210 x 280 mm, 68 p., pb, capa fina




1.       Se há algo que surpreende (e causa inveja) no panorama actual dos qua(dra)dinhos brasileiros é a diversidade de propostas.
2.      E não me refiro sequer há multiplicidade de traduções – onde a par dos habituais comics norte-americanos e mangas asiáticos, há um leque cada vez mais variado de bandas desenhadas ditas independentes e franco-belgas - …
3.      … mas sim à forma como se têm multiplicado as obras de autores locais, esparsas pelos mais variados, géneros, estilos e propostas temáticas.

4.      Embora já com alguns anos, este “Corpo de Delito” é mais um exemplo dessa variedade.
5.      E um exemplo de determinação e perseverança, pois é o resultado de uma longa génese, uma vez que o seu protagonista, o detective Augusto “Caolho” dos Anjos, surgiu pela primeira vez em 1992, teve uma (também) breve segunda vida em 1997, seguida de uma nova hibernação até 2005 para ter direito a (esta) publicação própria.
6.      Que surpreende desde logo pelo seu aspecto, a fazer lembrar as “velhas” revistas – “gibis”!, de que guardo alguns exemplares herdados dos meus tios - dos anos 1940 e 1950, com capa colorida e interior a preto e branco, papel (fraco) de jornal (cuja baixa gramagem e consequente transparência potencia o seu maior defeito, a impressão).
7.      Policial duro e violento, ambientado na cidade de São Luís, no Maranhão, Brasil – e este é um dos seus trunfos, a localização da acção em cenário real, facilmente identificável o que credibiliza a narração e prende o leitor local – é protagonizado por “Caolho” dos Anjos, um detective que não olha a meios para atingir os seus fins, amigo e frequentador de prostitutas e capaz de acordos com gente à margem da lei, mas caído em desgraça e mesmo despedido por se ter atrevido a incomodar um político poderoso.
8.     No total são sete histórias curtas, desenhadas em diferentes épocas por vários artistas - de comum a todos a urgência do traço, o soltar das histórias a contar - o que provoca alguns desequilíbrios, insuficientes para prejudicar a leitura, dada a planificação, variada e ágil, assente numa sucessão de planos que garantem o ritmo elevado imposto pelos argumentos…
9.      … onde ressaltam os diálogos, contidos e realistas como o tema obrigava.
10.  Sete histórias curtas, dizia eu, de tom agreste e realismo incómodo (pela proximidade de casos que recorrentemente ouvimos nas notícias ou lemos nos jornais), ao longo das quais vamos conhecendo o protagonista – sem que isso implique simpatizar com ele… - bem como aqueles que com ele convivem, entre os quais a sua namorada Ana, que terá papel preponderante nestas histórias de muita adrenalina, cujo final, está longe se poder ser considerado feliz, em mais uma – incómoda – tangência à realidade.


1000






















Este é o 1000º texto que publico em As Leituras do Pedro.
E que só merece destaque porque o ser humano gosta de números ou datas redondos.
Por isso, ele vale menos que 0 999º, publicado ontem, ou que o 1001º, que ficará disponível daqui a umas horas porque, esses sim, dizem respeito à BD.
Desde o primeiro texto, passaram - curiosamente! – exactamente 3 anos. 1096 dias, centenas de livros, dezenas de exposições, dezenas de efemérides, algumas notas tristes, quase 250 mil visitas, mais de 325 mil leituras.
Se cheguei a pensar contabiliza-los todos, acabei por desistir, ficará para mais tarde. Prefiro antes pensar nos amigos que fiz – mesmo que alguns continuem desconhecidos, sendo apenas – e é muito! – leitores do outro lado deste ecrã em que leio e corrijo o que os meus dedos escrevem.
Este é um projecto pessoal – com as minhas qualidades e os meus defeitos – que tem sido duro de manter mas também um prazer assegurar. Pelas (muitas) leituras que faço, pelas muitas leituras que partilho, pela obrigação da escrita regular e metódica.
Um projecto que já ponderei suspender ou mesmo encerrar, uma vez ou outra, mas que manterei enquanto As Leituras do Pedro forem para mim uma fonte de prazer, não uma carga. Porque essa será a única forma de As Leituras do Pedro serem úteis, de quem me lê tirar algum partido do que escrevo.
Àqueles que me têm apoiado, comentando o que escrevo, dizendo (ainda que implicitamente) que me lêem, sendo apenas mais um avanço nos contadores de As Leituras do Pedro, o meu muito obrigado. É (também) por cada um de vós que continuo aqui.
Àqueles que escrevem e desenham, aos que organizam exposições e festivais, aos que enviam livros, notícias, informações, aos que editam, aos que distribuem, aos que vendem livros, o meu muito, muito obrigado. Sem cada um de vós, As Leituras do Pedro nem sequer teriam começado.
A todos, mais uma vez, ainda e sempre, desejo o mesmo: boas leituras! Mais 1000, se quiserem!

28/05/2012

J. Kendall #84

Drama em Alto Mar








Giancarlo Berardi, Giuseppe De Nardo e Lorenzo Calza (argumento)
Mario Janni (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Novembro de 2011)
135 x 178 mm, 132 p., pb, brochado, mensal
4,00 €

Resumo
Durante um cruzeiro de má memória, transformado num auxílio a Leo Baxter numa investigação, Julia Kendall acaba por se ver envolvida num sequestro.

Desenvolvimento
Menina-bonita deste blog, após uma (demasiado longa?) ausência, Julia Kendall está de volta, curiosamente não devido à história que Berardi (com De Nardo e Calza) conta na revista este mês disponível nos quiosques portugueses – e na qual, como é habitual, há vários motivos de interesse, a começar pela “deslocalização” da criminóloga para “águas” que não costumam ser as suas e pela forma como a (aparente) base inicial da narrativa muda (por duas vezes) surpreendendo sucessivamente o leitor – mas para meditar um pouco acerca da importância da capa numa edição de banda desenhada.
Arte narrativa fundamentalmente gráfica, a banda desenhada tem na imagem a sua principal arma, pelo menos no primeiro impacto – e essa seria uma outra discussão, que me levaria longe do tema que hoje trago aqui.
Por isso, tanto se louva a importância do desenho, embora geralmente fazendo-o para lá da capa. Que, no entanto, é a primeira imagem que o leitor vê.
Por isso, também, se compreende que em meios aos quadradinhos “mais industriais”, frequentemente o autor da capa seja diverso do que desenha a BD propriamente dita, como acontece na Marvel e na DC Comics, que tantas vezes recorrem a nomes de peso ou ao truque de capas alternativas, para valorizar as obras, ou, como no caso presente, na Bonelli. Nesta última, aliás, as capas de cada série – igualmente por uma questão de uniformização - estão geralmente entregues a um artista específico – Claudio Villa para Tex, Gallieno Ferri para Zagor ou Marco Soldi para Julia, são alguns dos exemplos possíveis.
Regressando à temática genérica “capa”, se é fundamental que ela seja chamativa para atrair o leitor, introduzindo-lhe a história, também não pode cair no erro crasso de desvendar o enredo ou de vender “lebre por gato”.
E é nesta sequência de ideias que entra esta capa de J. Kendall. Mas, antes de entrar na sua análise e adiantar demasiado sobre o argumento – algo que será inevitável – deixo o aviso a quem quiser parar por aqui e ler este “Drama em alto mar” antes de continuar a leitura das ideias que aqui alinhavo.

Porque – e até hoje nunca o tinha sentido de forma tão evidente – esta capa de Julia tem um spoiler evidente: a protagonista, sumariamente vestida – despida? – está numa cabine de um barco, deitada numa cama, com as mãos amarradas atrás das costas, de olhar receoso e perdido face ao homem musculoso e mal encarado que entra na cabine e cujas intenções lascivas não deixam dúvidas.
A sua visualização, enquanto imagem forte, provocou desde logo em mim dois efeitos: por um lado levou-me a perceber que a estadia de Julia no iate, apercebido pela primeira vez apenas por volta da prancha 40, seria tudo menos pacífica – ficando assim desvendada parte da trama; por outro, criou a expectativa sobre quando teria lugar a tal cena – e o desenvolvimento da narrativa possibilitou-a mais do que uma vez antes que realmente se concretizasse. E, finalmente, quando tal aconteceu, ela mostrou-se ainda mais denunciadora, pois a cena que intui é fundamental para o desfecho e resolução do caso – ao mesmo tempo que revela uma Julia desconhecida para o leitor, empurrada (?) para perigosos limites pela situação extrema que vivia.
Ou seja, esta capa, se cumpriu o propósito primário de estimular o interesse pela história, também desvendou parte do argumento e antecipou mesmo o seu momento capital.
Sei, sem sombra de dúvida, que – como sempre neste blog - esta é apenas a minha leitura e que cada leitor, após a sua leitura personalizada, terá (poderá ter) sobre ela uma opinião díspar, e o que para mim pode ser defeito, para outros será virtude.
Fica o desafio para leituras (mais) atentas… das capas!


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...