28/12/2012

Branca de Neve: a mais bela há 75 anos




  






  
A famosa canção “Eu vou, eu vou, para casa agora eu vou…” ecoou pela primeira vez a 21 de Dezembro de 1937, no Carthay Circle Theatre, em Hollywood, já lá vão 75 anos. Era a estreia de “Branca de Neve e os sete anões”, a primeira longa-metragem animada da Disney.

Com estreia portuguesa um ano mais tarde, “Snow White and the Seven Dwarfs” (título original), era também a primeira longa-metragem animada produzida nos Estados Unidos, a primeira totalmente a cores e tornou-se no primeiro dos Clássicos Disney.
Drama romântico visto por milhões de pessoas ao longo dos seus 75 anos, deixou gravadas nas memórias músicas inesquecíveis, o nome dos sete anões (Mestre, Feliz, Zangado, Soneca, Atchim, Dengoso e Dunga na versão brasileira que Portugal viu durante muitos anos) e cenas marcantes como a fuga alucinada de Branca de Neve pela floresta assombrada, a dança com os animais na casa dos anões, o espelho falante, o trágico fim da rainha má ou o beijo final do príncipe que desperta Branca de Neve do sono da morte.

Dirigido por David Hand, o filme, que tinha um orçamento inicial de 150 mil dólares mas custou 10 vezes mais, demorou quatro anos e meio a produzir e inspirou-se num conto dos irmãos Grimm intitulado “Branca de Neve” (“Schneewittchen), publicado pela primeira vez no início do século XIX, no livro "Kinder-und Hausmaërchen" ("Contos de Fada para Crianças e Adultos"). Adriana Caselotti deu voz à protagonista e Harry Stockwell ao príncipe, papeis assumidos por Sandra de Castro e Henrique Feist na versão lusa de 2009.

Nomeado para o Óscar da Melhor Banda Sonora (que perderia para “One Hundred Men And A Girl”), “Branca de Neve e os sete anões” valeria a Walt Disney um Óscar honorário em 1939, para comemorar o primeiro filme inteiramente animado do cinema norte-americano, que era muito especial: a estatueta tradicional era acompanhada por outras sete, mais pequenas.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 27 de Dezembro de 2012)

27/12/2012

Entrevista com Chico Caruso


“O desenho é a minha forma de comunicar com o mundo.”





  




Chama-se Francisco Paulo Hespanha Caruso e tem 62 anos pois nasceu em São Paulo, no Brasil, em 6 de Dezembro de 1949, mas é mais conhecido como Chico Caruso, nome com que assina os cartoons editorais que publica diariamente na primeira página do jornal brasileiro O Globo desde 1984.
Aproveitando uma breve passagem, no passado dia 15 de Dezembro, pelo Porto e pelo Museu Nacional da Imprensa, por sugestão do seu director, Luís Humberto Marcos, tive com ele a conversa que se segue, que serviu de base a um texto publicado no Jornal de Notícias de 26 de Dezembro último, na qual descobri um interlocutor, jovial, disponível e divertido.


As Leituras do Pedro – Como é que se tornou cartoonista?
Chico Caruso – Como eu e meu irmão [Paulo Caruso, também cartoonista e autor de BD] éramos gémeos e nesse tempo havia a crença que um dos gémeos morria sempre, estávamos sempre fechados dentro de casa. O meu avô, que era pintor amador, para nos entreter, ensinou-nos a desenhar. Jogávamos mal futebol, fazíamos tudo mal. O meu irmão ainda conseguiu aprender a tocar piano e viola, mas a única forma com que consigo comunicar com o mundo é a desenhar.

ALP – Quando é que começou a publicar cartoons?
CC – Comecei a trabalhar em 1967, estava no 2.º grau, na escola. Tinha 17 anos e precisava de arranjar um emprego, mas um emprego para trabalhar 2 horas por dia, senão não teria tempo para ir à escola, para ir ao cinema, para estar com os amigos… Comecei a desenhar para um jornal, só que era um vespertino e eu trabalhava das 4h30 às 6h30 da manhã. Levava o uniforme e quando saía do jornal ia para a escola. Dormia das 6 da tarde às 4 da manhã…
Por isso, nós devemos desejar, mas é bom detalhar também (risos)! Se não detalharmos, acabamos por apanhar com o palhaço! Mas como foi uma coisa que se desejou… “São só duas horas? Eu quero!”

ALP – Continua a trabalhar só 2 horas por dia?
CC – Continuo, continuo! Passo a maior parte do dia a ler o jornal. Vou para O Globo por volta das quatro e meia da tarde e leio jornais até às seis horas da tarde… Leio 4 ou 5 jornais à moda antiga, em papel, virar as folhas, isso tudo! Depois, entre as 6 e meia e as 8 horas tenho que resolver o desenho!

ALP – Faz só um desenho por dia?
CC – Sim, só um.
ALP – Pergunto porque há cartoonistas que num dia ou dois fazem os desenhos para toda a semana…
CC – Como eu faço cartoon político, cartoon editorial, diariamente na primeira página do jornal, tem que estar relacionado com os acontecimentos do dia. Isso é algo que eu acho fascinante, fazer uma síntese dos factos do dia com humor. Por vezes há acontecimentos a que eu chamo um filão, temas que dão para trabalhar em sequência uma semana inteira, mas são raros.

ALP – Começou logo com cartoons políticos…
CC – Sim… Quer dizer, no início eu fazia 10 desenhos, de futebol, de actualidade… Mas era um tempo de repressão política, eu fazia cartoon político, mas foi o primeiro a acabar quando chegou o Acto Institucional n.º 5 que censurava a imprensa e eu acabei a fazer só ilustração de crónicas, futebol, horóscopos… Depois a censura foi-se amenizando e eu voltei para o cartoon político.
Nesse ínterim tinha surgido “O Pasquim”, em 1969, que foi uma revolução. Todos a imprensa estava censurada e aqueles jornalistas, que já tinham anos de profissão, de experiência, de cartoons, de imprensa, Jaguar, Ziraldo, Millôr Fernandes, Claudius, estavam juntos num único jornal. Começou com uma tiragem de 5.000 exemplares e rapidamente atingiu os 200 mil, uma tiragem enorme para aquela época! Foram os heróis da redemocratização! Nós, hoje, ainda somos discípulos deles!

ALP – Chegou a ter problemas com a censura?
CC – Censura… Quando eu trabalhava no jornal “Opinião” havia censura prévia. Eu tinha de produzir material que dava para três jornais para ser aprovado um! Isso também me deu uma certa agilidade, obrigava-me a conseguir três ou quatro soluções gráficas para o mesmo tema.
Para além disso, existem também as questões editoriais… Cada jornal tem a sua linha editorial própria, é preciso saber contorná-la, manipulá-la… (sorrisos)
Eu trabalho desde 1967, estou quase a fazer 35 anos de profissão…
ALP – 45!
CC – 45? Não, não pode ser!

ALP – Tem limites para os seus desenhos, faz alguma autocensura, há temas que não aborda?
CC – A liberdade que nós temos é a liberdade que o político cria, as declarações que fazem. Uma vez o [presidente] Fernando Collor estava em briga com o Congresso, por causa do impeachement e chamou “cagões” aos deputados. Por isso, eu desenhei-o sentado no Congresso, com as calças arreadas e isso deu para uma série de vários desenhos. Mas foi ele que o provocou, ao utilizar uma expressão escatológica… Foi ele que abriu a porta e nós aproveitamos e seguimos essa linha…

ALP – No jornal “O Globo” é limitado de alguma forma, tem que submeter o seu trabalho a alguém previamente, discute-o com a redacção?
CC – Não, eu entrego o desenho já pronto!
No tempo em que o dr. Roberto Marinho (1904-2003) ainda estava vivo, ainda era director do jornal, por vezes ele não gostava de um desenho e chamava-me para conversar. Começava por contar uma história, para chegar a uma mensagem final.
Uma vez contou-me uma que considero antológica: “O Globo”, quando começou, era no centro da cidade e havia um circo que pertencia a um empresário que era amigo dele. O Dr. Roberto Marinho ia muitas vezes lá com os amigos. Uma vez, cruzaram-se com ele, que era muito folclórico e andava sempre com trocos nos bolsos, moedas e notas pequenas. Quando os artistas do circo iam ter com ele e pediam aumento, ele dizia “Eu não tenho dinheiro, só tenho isto” e metia as mãos no bolso e dava-lhes alguns trocos.
Um domador muito bom, que começou a ficar muito famoso, pediu-lhe aumento. Ele ia utilizar o mesmo estratagema, mas o domador disse-lhe: “Não venha com essa história, eu já o conheço! Se não me der o que quero, segunda-feira venho buscar o leão e vou embora”.
O dono do circo pensou e na segunda-feira, quando o domador chegou com quatro homens fortes para carregarem o leão e a jaula, ele disse:
- Olha, a jaula é minha, se quiser leva só o leão.
A mensagem para o cartoonista era evidente: a jaula – o jornal – era dele; quando ele quisesse dava um chuto no rabo no leão! (gargalhada)
Aos poucos o Dr. Marinho foi-se afastando do jornal e veio um novo chefe editorial com quem estabeleci um bom relacionamento, o que não impediu algumas brigas. Uma vez não quis publicar um desenho meu, eu levei-o ao Dr. Roberto, e ele autorizou-o, rubricou-o de lado. Fui ter com ele e mostrei-lhe a assinatura do velho. Ele mandou recortá-la e publicou-o. Até hoje guardo esse desenho, sem o pedaço que ele tirou! (risos) Na altura isso foi uma revolução na redacção, porque eu passei por cima do chefe!

ALP – Qual é o seu método de trabalho? Depois de ler os jornais…
CC – Deixo a caneta pensar! A lógica visual tem que surgir. Se tem uma boa ideia mas não a consegue sintetizar numa imagem, não serve de nada. Depois de ler jornais completamente despreocupado, as imagens que me marcaram, o texto que consegui fazer, vão encaminhando para uma síntese, com humor. Eu passo quatro ou cinco horas a ler jornais e depois em 30 ou 40 minutos tenho que chegar a essa síntese. A seguir, demoro mais uma hora, uma hora e meia para executar o desenho, pintá-lo… Costumo dizer que é como fazer um bordado, vou-o trabalhando, dourando a pílula, mas o principal é chegar à síntese inicial. É esse o meu método, o “Método Chico Caruso”!
O meu irmão costuma dizer que usa o “Método Paulo Caruso”, que é fazer exactamente o contrário do que eu faço! (gargalhada)

ALP – Os vossos traços têm muitas semelhanças…
CC – Sim, mas ele foi sempre mais prolixo… Ele toca violão, piano, vários instrumentos, ele procura o envolvimento total… Nos quadrinhos ele desenha cenários… Eu não gosto de desenhar cenários! Desde sempre os desenhos dele tinham 15 cowboys, 15 bandidos, índios, o comboio, a cidade… O meu só tinha o bandido e o mocinho! (risos) Eu sempre fui mais sintético!

ALP – Disse que ele toca, mas integra uma banda com ele…
CC – Sim, temos uma banda de caricaturas musicais!
ALP – Como é que isso funciona?
CC – Na época do general Figueiredo ele começou a fazer alguns temas de caricatura política, mas com músicas bonitas! Eu disse-lhe: “Vai estragar essas músicas com políticos? Os políticos passam, as músicas ficam. Se fizer uma música sobre o amor, vai poder vendê-la sempre, pode ser cantada em qualquer lugar… Mas se for sobre o general Figueiredo vai passar…” Mas essa é a nossa vocação, é o nosso vício…!
Começámos com o general Figueiredo e fomos acompanhando a actualidade do Brasil… Na época do Tancredo Neves, escrevemos “A Droga Nova República” quando ele foi para o hospital… [E trauteia]:
“Nessa droga de Nova República
Ministramos o bálsamo ou a súplica,
Nos especializamos em manter
Gente que está para morrer,
Mais algum tempo no poder…”
(ouvir na íntegra aqui)

A mais recente, fizemos na época do Campeonato do Mundo de Futebol na África do Sul [em 2010]; a minha mulher que é morena parece a Michelle Obama; então fizemos uma música com a Michelle Obama e o Zuma, que é presidente da África do Sul. Quando o Zuma viu a Michelle Obama ficou louco e mandou esta letra para o meu irmão! [trauteia]:

“Mandela, mande ela,
Mande ela para cá,
Deixa o Obama para lá!

O Obama é um cara bacana,
Mas Zuma pode encarar,
Vai pegar a Michelle Obama
Zuma, mais uma, vai dar.

Se Obama quiser tirar uma,
Com a cara de Zuma vai ter,
Zuma dá mulher velha para ele
E manda ele se foder…”! (risos)

ALP – Ganhou ódios de estimação como cartoonista, tem inimigos?
CC – Acho que não. No fundo os políticos precisam da imprensa para sobreviver.
O Sarney, por exemplo, quando foi eleito presidente do senado da última vez, fez tudo para ficar no poder. Alguém disse que a caricatura atinge a terceira pessoa, não a primeira. Não sou eu, é ele, que é uma figura pública…

ALP – Então nunca teve problemas com os caricaturados…
CC – Não, nunca…

ALP – E já lhe pediram os desenhos que fez?
CC – Sim, mas é raro… Acontece uma ou duas vezes por ano…

ALP – Como está o cartoon no Brasil?
CC – Há quem diga que a profissão está em extinção, eu acho que é o próprio desenvolvimento da imprensa, mais vocacionada para a internet que o provoca. Dá cada vez menos importância ao cartoon, à caricatura, algo quase primitivo… Eu costume dizer que sou um animal pré-histórico! (risos) De repente posso desaparecer, como os dinossauros!
Vim a Portugal acompanhar o meu filho, Marcos Caruso, que é actor. Ele não gosta de ler jornais, diz que se o jornal fosse bom, lia-se depois. Chegávamos à beira de alguém que nos dizia que estava a ler o jornal de 13 de Abril de 1957. “Porquê?” “Porque é bom!” (risos)
Ele costuma dizer: “qual é o sentido de abrir um papel enorme [estica e abre os braços, como quem lê um jornal tamanho broad-sheet] com letrinha de bula de remédio e ler só um cantinho? Mas eu acho que ele diz isso devido ao complexo de Édipo!
Lembro-me do dr. Roberto Marinho, lendo o jornal com os olhos brilhantes e a dizer assim, com a sua voz grossa e rouca [imita]: “Sabe o que é alguém gostar de alguma coisa? Eu gosto disso aqui!”
Eu leio sempre a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, O Dia (do Rio de Janeiro) e o Globo e lembro-me sempre dele: “Eu gosto disso aqui, eu gosto disso aqui”! Gosto de folhear o papel, de abrir o jornal, com todo o tempo do mundo.
Assim como os outros meios de comunicação nunca derrubaram o anterior – a rádio não derrubou o livro, a televisão não derrubou o rádio, o cinema não derrubou…, eu acho que os jornais em papel e na Internet vão conviver… Mas na minha encarnação não vai dar para aprender a mexer no computador! (risos)
Há cartoonistas que já não têm originais, guardam pilhas de disquetes! Não suja as calças, não suja o chão… (risos) mas acho muito pobre, limitado, trabalhar num espaço tão pequeno, eu já nem vejo direito! Tenho que ter um papel grandão! O Ziraldo a desenhar é uma coisa maravilhosa! Faz gestos largos, canta feliz da vida, assobia, eu também sou dessa escola! O original é algo importante para nós.

ALP – O que é que faz uma boa caricatura?
CC – Acho que é conseguir fazer a síntese do facto político, com humor…

ALP – É fácil fazer humor todos os dias?
CC – Sim… Eu criei um ritmo de vida… De manhã leio o Globo, em casa… Almoço e depois durmo porque no fim do dia não posso ter sono. Preciso disparar uma flecha no fim do dia e se tiver sono posso não acertar! Por volta das quatro horas chego ao jornal e leio até às seis, seis  e meia… E todos os dias há jornais novos para ler, para me alimentarem de notícias, para fazer saltar uma ideia nova…

ALP – Há algum truque quando a ideia não salta?
CC – É o truque de deixar a caneta pensar… No final, dos vários rabiscos que fui fazendo, há um que salta, é o melhor… Não posso tentar resolver só na cabeça, tenho que utilizar a caneta e o papel.

ALP – Ao longo de todos estes anos quais foram os políticos mais difíceis de caricaturar? Ou os mais fáceis…
CC – Os mais feios são os mais difíceis… Uma caricatura de alguém feio dá trabalho… E os mais bonitos também, porque qualquer traço pesa. Desenhar mulheres é difícil, é necessário ser muito preciso, senão estraga-se a caricatura.

ALP – Como é que passa da pessoa para o momento de humor…?
CC – É a exposição que cria a vontade de fazer a caricatura… O presidente, o ministro da fazenda, o ministro da cultura, os que estão mais expostos, são os mais fáceis de caricaturar. E todos os reconhecem. Para a caricatura funcionar, tem que ser reconhecida. Se o politico não tiver exposição, ninguém o vai reconhecer.

26/12/2012

História da Santa Casa da Misericórdia do Porto em Banda Desenhada







História da Santa Casa da Misericórdia do Porto em Banda Desenhada
Livros Um a Quatro
Germano Silva (argumento)
Pedro Pires (desenho)
Santa Casa da Misericórdia do Porto (Portugal, 2011 e 2012)
216 x 305 mm, 32 p., cor, cartonado
5,00 €



Acaba de ser editado o quarto e último tomo de “A História da Santa Casa da Misericórdia do Porto em Banda Desenhada”, um trabalho com a assinatura de dois autores portuenses: Germano Silva, antigo jornalista do Jornal de Notícias e profundo conhecedor da história do Porto, e Pedro Pires.

O desafio, descobrimos na prancha final do quarto tomo, foi proposto pelo padre Américo Aguiar, capelão-mor da Santa Casa, e foi a primeira experiência nesta área do historiador portuense, que se revela “bastante satisfeito com o resultado”, salientando “o contributo da sua experiência jornalística no uso de uma linguagem contida, simples e directa” necessária para chegar aos mais novos, a quem a obra se destina. E revela que já “tem um convite, ainda em estudo, para um projecto similar, de outra instituição”.
Como narrador, esta longa crónica iniciada em 1498 e que chega até aos nossos dias, tem o Tripinhas, mascote também imaginada pelo padre Américo Aguiar. Isso permite ligar as cenas entre as distintas épocas, sem grandes quebras narrativas, homogeneizando o todo. E o Tripinhas funcionou tão bem, que “a Misericórdia o pretende utilizar como mascote em futuras iniciativas”.
A Pedro Pires, criador gráfico do Tripinhas, que lhe foi apresentado pelo escritor Álvaro Magalhães, Germano Silva “forneceu os textos e também alguma documentação, em especial sobre a Idade Média”. Aliás, retratar esta época, correspondente aos primeiros anos da Santa Casa, foi “uma das principais dificuldades” do ilustrador que receava “que o realismo absoluto fosse chocar um pouco com os mais pequenos mas, pelo contrário, a miudagem a partir dos seis anos adorou e não larga os livros”.
Isto porque, neste retrato de uma instituição tão significativa da cidade, Pedro Pires adoptou um estilo semi-barroco, que Germano Silva “aprecia muito” e que realça o tom da temática abordada, “até porque se uma BD é muitas vezes um verdadeiro filme, esta, comporta-se mais como um documentário”.
Pedro Pires, que trabalhou nesta tetralogia “durante um ano”, utiliza muitas vezes pranchas de imagem única, dividida em (falsas) vinhetas, o que lhe permite destacar o Porto como cenário da obra, que lhe permitiu “conhecer muito mais a cidade”, cuja “história é inseparável das obras da Santa Casa da Misericórdia”.
Germano Silva corrobora esta ideia e releva a par do “protagonismo da cidade, o sentido de partilha dos portuenses e a sua prontidão para contribuir para causas nobres”.
Distribuída gratuitamente nas escolas primárias da cidade, a História da Santa Casa da Misericórdia do Porto em BD, que está disponível na loja daquela instituição, “tem sido muito procurada e as reacções têm sido boas”.
A opção por incluir no final de cada volume um friso com diversos aspectos (cronologia de papas e reis, acontecimentos marcantes…) que ocorreram durante o período que o álbum retrata, revelou-se uma boa opção pois permitiu aligeirar o texto da banda desenhada e tornar a sua leitura mais ágil.

(Versão expandida do texto publicado no Jornal de Notícias de 22 de Dezembro de 2012)


25/12/2012

Feliz Natal

O Pedro, destas Leituras,
deseja a todos um natal repleto de quadradinhos 
e de tudo o mais que desejarem, 
na companhia daqueles que escolherem,
mesmo que sejam a vaca e o burro...


24/12/2012

Cuento de Navidad Zombi







Jim McCann (argumento)
David Baldeon, Jordi Terragona, Jeremy Treece e Roger Bonet (desenho)
Panini Comics(Espanha, Novembro de 2012)
170 x 260 mm, 112 p., cor, brochado com badanas
11,00 €



Resumo
Adaptação do conto “A Christmas Carol” (“Um conto de Natal” ou “Um Cântico de Natal”, dependendo da tradução), escrito em menos de um mês, para pagar dívidas, por Charles Dckens, em 1843, narra a história de Ebenezer Scrooge, um velho avarento, visitado na véspera de Natal pelos espíritos dos natais passados e futuros, para corrigir a sua postura anti-social. Com a originalidade de o seu mundo estar infestado de mortos-vivos.

Desenvolvimento
Com este tomo (depois de “O Baile” e de “The Walking Dead #4”), encerro a “inusitada trilogia natalícia zombie” que teve lugar nesta última semana aqui em As Leituras do Pedro!
Escritor britânico que viveu durante a primeira metade do século XIX (1812-1870), Charles Dickens é, possivelmente, um dos mais adaptados a outros meios, possivelmente pela forte crítica social das suas narrativas, pelo retrato realista da sociedade vitoriana feita de contrastes e também pelo tom melodramático das suas obras.
Na linha do que acabei de escrever, este “A Christmas Carol” é um dos casos mais paradigmáticos, com as versões a sucederem-se aos mais diversos níveis.
No centro da trama está Ebenezer Scrooge, um velho avarento que sempre viveu para acumular riquezas, esquecendo/ignorando/perdendo familiares, amigos, noiva…
Incapaz de se interessar pelos outros, de se relacional, de ajudar quem quer que seja, na véspera de Natal é visitado pelos espíritos dos natais passados e futuros, que lhe mostram o que era, o que podia ter sido, aquilo em que se transformou, como a sua vida influenciou os outros e o que o espera – a ele e ao mundo - se prosseguir pela mesma senda.
Narrada em bom ritmo, com uma boa adaptação para o novo suporte narrativo, com base em traços expressivos, ágeis, dinâmicos e, acima de tudo, muito funcionais, esta nova versão tem uma originalidade significativa: o mundo de Scrooge foi invadido por mortos-vivos e, como se há de constatar, o culpado é ele - e aqui está a explicação que The Walking Dead ainda não prestou!
Curiosamente, esta inovação não é de somenos nem sequer um simples seguir de modas, pois a introdução das macabras personagens torna mais odiosas as acções de Scrooge – as suas implicações estendem-se mais longe… - e responsabiliza-o de maneira acrescida por aquilo que se tornou o seu mundo.
Sem desvendar (completamente) o final (já conhecido), não posso deixar de referir que, apesar de toda a envolvente fantástica, esta não deixa de ser uma obra bem apropriada à quadra que corre e de espírito bem natalício…


22/12/2012

Akira já tem três décadas







  

A 20 de Dezembro de 1982, a revista japonesa Young Magazine, propriedade da Kodansha, vocacionada para leitores jovens masculinos, estreava “Akira”, uma série da autoria de Kathsuiro Otomo, que, cerca de uma década mais tarde, viria a ser responsável pelo início da invasão manga do ocidente.

Mas não é só por isso que, na véspera do anunciado fim do mundo, este manga pós-apocalíptico merece ser lembrado.
Decorrendo em 2030, em Neo-Tokyo City, a antiga metrópole nipónica devastada por um cataclismo, “Akira” é uma longa saga com quase 22o0 pranchas que se desenrolam ao ritmo vertiginoso das motas em que Kaneda, Tetsuo e os seus amigos rolam nas auto-estradas semidestruídas, perseguidos pela polícia local, o exército norte-americano e forças misteriosas menos institucionais. O objectivo, comum a todos, é encontrar Akira, uma força da natureza que se revelará um simples menino com poderes paranormais extraordinários.
Quase uma década mais tarde, Estados Unidos, primeiro, França e Espanha, de seguida, e, aos poucos, todo o ocidente dos quadradinhos começariam a descobrir as pranchas originais de Otomo, coloridas especialmente para essa edição ocidental, realistas, ultraviolentas, plenas de dinamismo e acção, acentuados pelo uso de linhas de movimento, um traço ágil e cativante e uma intriga densa e irresistível.
Não sendo o primeiro manga publicado nos EUA ou na Europa, foi aquele que provocou a posterior avalanche que permitiu descobrir “Dragon Ball”, “Death Note” ou “Yu-Gi-Oh!” (para citar apenas títulos recém-editados em Portugal) e uma forma diferente de narrar aos quadradinhos, que hoje é responsável por 30% a 50 % do total de edições de BD nos principais mercados ocidentais.
Com algum atraso, “Akira” teve também direito a uma edição integral em português, em 19 volumes publicados entre 1998 e 2004 pela Meribérica-Líber.
 “Akira”, que se prolongou em entregas semanais até Junho de 1990, antes da sua conclusão aos quadradinhos daria origem a um videojogo e à longa-metragem homónima, dirigida pelo próprio Otomo, em 1988, com desenvolvimento e final diversos, mas que também teve bom acolhimento.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 20 de Dezembro de 2012)



21/12/2012

The Walking Dead #4 – O Desejo do Coração










Robert Kirkman (argumento)
Charlie Adlard (desenho)
Cliff Rathburn (tins cinzentos)
Devir (Portugal, Dezembro de 2012)
168 x 258 mm, 136 p., pb, brochado com badanas
14,99 €



Resumo
Compilação dos comics originais #19 a #24 de The Walking Dead, este tomo narra a instalação do grupo de Rick Grimmes na prisão, a sua limpeza, o adensar das tensões e a chegada de Michonne.

Desenvolvimento
Sob o signo do fim do mundo (?), depois de "O Baile",  voltam os mortos vivos esta semana a As Leituras do Pedro.
De alguma forma já o escrevi anteriormente: nunca tendo lido The Walking Dead antes da Devir o editar em Portugal, actualmente confesso-me rendido tanto à banda desenhada original quanto à série televisiva nela inspirada.
Aliás, um dos prazeres que tiro de The Walking Dead é comparar a forma como as duas narrativas se desdobram, de certa forma em paralelo, embora com diferenças evidentes que, no entanto, não retiram consistência, interesse nem impacto a nenhum dos relatos.
Desenvolvidas segundo linhas condutoras genéricas semelhantes, mas com variações evidentes e notórias no seu decurso – as mais evidentes, mas não únicas, passam por quem morre e por quem continua vivo no grupo principal – conseguem funcionar em pleno em cada um dos diferentes suportes.
Por isso veja-se como Michonne – a mais recente nova protagonista em ambos os casos – assume papeis capitais mas completamente díspares num e noutro relato, tendo mesmo carácter diverso, embora o seu aparecimento junto do grupo de Rick e Lori ocorra em circunstâncias bem diferentes.
A versão televisiva, cuja terceira temporada vai sensivelmente a meio, embora os novos episódios só regressem em 2013, (curiosamente) é mais pausada, o que permite um maior aprofundamento do retrato psicológico dos intervenientes, mas é também mais violenta – ou de uma violência mais imediata - pelo realismo das suas cenas e pela presença da cor.
Quanto à banda desenhada apresenta um ritmo mais acelerado – devido à cadência da publicação mensal – mas, graças à planificação utilizada, consegue também acentuar devidamente a componente de terror.
Comum a ambas é a densidade psicológica da narrativa, o retrato forte e muitas vezes cruel dos protagonistas e o incómodo causado pela violação de regras, leis e valores a que são forçados os intervenientes pelas situações limite que têm de enfrentar (como acontece a Rick neste tomo). Porque, a segurança que a prisão ocupada deveria oferecer, está longe de se concretizar e os níveis de tensão no seu interior – tensão sexual, entre diversos componentes do grupo; violência, enfrentando os mortos-vivos, entre os antigos e os novos ocupantes e mesmo entre aqueles que tanto já passaram juntos – não param de crescer e de forçar os limites de cada um.
E o Governador – presença tutelar da 3.ª série televisiva – ainda não fez a sua aparição na BD…
Igualmente comum, é a elevada qualidade narrativa e visual de ambos e a capacidade de seduzir (muitos) leitores/espectadores para uma temática geralmente pouco popular.
A terminar, fica um duplo elogio para a quase simultaneidade entre a exibição nos Estados Unidos e em Portugal, na Fox, e para os três volumes que a Devir editou este ano – o 3.º e o 4.º no último trimestre, numa notória aceleração do ritmo de publicação.


20/12/2012

O fim do mundo

As Leituras do Pedro desejam a todos 
um bom Fim do Mundo!


Heróis Marvel série II #10 - Novos Vingadores; Guerra Civil











Mark Millar (argumento)
Steve McNiven (desenho)
Dexter Vines (arte-final)
Levoir/Público (Portugal, 20 de Dezembro de 2012)
170 x 260 mm, 192 p., cor, cartonado
8,90 €




Resumo
Uma explosão causada por um grupo de super-heróis ao serviço de um reality-show televisivo, quando tentava capturar alguns super-vilões, provoca a morte de quase um milhar de pessoas, provocando uma reacção de rejeição dos familiares e conterrâneos das vítimas em relação àqueles que era suposto protegê-los.
Na sequência desses acontecimentos o senado norte-americano aprova uma lei que obriga ao registo de todos os super-heróis, o que provoca a criação de duas facções, pró-lei (encabeçados pelo Homem de Ferro) e anti-lei (guiados pelo Capitão América) que terminará num confronto inevitável.

Desenvolvimento
Pode-se dizer que este tomo foi uma forma de a colecção Heróis Marvel terminar em beleza. Não tanto por esta saga em si, mas pela relevância que ela teve aquando da sua publicação original e pelos efeitos que causou ao equilíbrio do universo Marvel – pese embora o facto de, paradoxalmente, quase todos eles terem já sido apagados e tudo tenha voltado (sensivelmente…) à primeira forma.
Da autoria da mesma equipa criativa que deslumbrou com o fantástico “Wolverine: Velho Logan”, não atinge, no entanto, o brilhantismo daquele.
Apesar dos muitos confrontos entre super-heróis que engloba, mostrados pelo traço hiper-realista e muito expressivo de Steve McNiven, “Guerra Civil” nunca atinge a espectacularidade visual de “Velho Logan”, mesmo desenrolando-se a bom ritmo, com uma planificação multifacetada que recorrentemente explode em painéis de página inteira.
O argumento de Mark Millar revela-se consistente e está desenvolvido num crescendo, com (quase todos) os super-heróis a assumirem a posição que deles esperávamos o que provoca uma certa familiaridade com o leitor, com os factos relevantes e marcante a sucederem-se a um ritmo acelerado.
Por isso, logo após a explosão inicial – uma original exploração de algo que recorrentemente acontecia de forma anónima nos comics de super-heróis, onde os danos e as vítimas colaterais raramente eram mencionados – assistimos a um primeiro confronto do Capitão América com a SHIELD e sua consequente deserção e passagem à clandestinidade, à revelação pública da identidade secreta do Homem-Aranha (que posteriormente levará à quase morte da Tia May e à eliminação do casamento de Peter e Mary Jane, uma das duas consequências mais relevantes desta Guerra Civil), ao primeiro combate entre o Capitão América e o Homem de Ferro, ao aparecimento de um falso e mortífero Thor, à morte trágica de um super-herói, à quebra da relação entre Sue e Reed Richards, à prisão de inúmeros heróis, ao dar de carta branca a super-vilões e ao confronto final entre ambas as facções, que terminará de forma a um tempo surpreendente, digna e trágica, pois conduzirá à segunda grande consequência desta saga: a posterior morte do morte do Capitão América.
O suficiente, sem dúvida, para tornar obrigatória este volume que, para lá dos super-heróis propriamente ditos, tem um inegável tom politizado, assente no confronto entre as posições fascizantes de Tony Stark/Homem de Ferro e o discurso idealista de Steve Rogers/Capitão América, potenciado pelas sombras do 11 de Setembro e as perspectivas de novas ameaças que ele abriu.


19/12/2012

Leituras de banca


Dezembro 2012
Revistas periódicas de banda desenhada este mês disponíveis nas bancas portuguesas.

Bonelli (Mythos Editora)

Por decisão da distribuidora VASP, os títulos de Tex disponíveis mensalmente,
serão distribuídos em duas fases, com intervalo de duas semanas, a primeira das quais no final deste mês.

Tex #483

Tex Almanaque #42

Tex Coleção # 275

Tex Edição Histórica # 82

Tex Ouro # 52

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