04/02/2010

Entrevista com Jorge Coelho

Recém-chegado ao mercado norte-americano e às lojas especializadas nacionais (que o encomendaram) o segundo tomo de “Forgetless”, uma mini-série em 5 números editada pela Image Comics, conta entre os seus desenhadores o português Jorge Coelho.

- Como foste escolhido para desenhar esta mini-série?
Jorge Coelho
- O argumentista, Nick Spencer, conheceu o meu trabalho através do “EGG - Hard Boiled Stories” que fiz com o Eric Skillman para a NYCC 09, com quem tinha feito um workshop de escrita criativa. Mais tarde viu o meu trabalho na Deviantart (jcoelho.deviantart.com), gostou e contactou-me via e-mail.
- Mas desenhaste apenas uma parte dela…
Jorge Coelho -
Como a história é contada por "flashbacks" saltando entre o presente e o passado, o argumentista decidiu experimentar artistas diferentes para diferentes ambientes e histórias dentro da trama geral. Para além de 16 pranchas no tomo #2 e outras tantas no #4, irei participar também no nº5 (o último da mini-série) com 8 páginas extra, que não estavam inicialmente planeadas...
- Que técnica utilizaste?
Jorge Coelho -
A nível visual, tive o privilégio de usufruir de liberdade criativa para escolher o processo e equipa. Assim sendo, trabalhei com uma técnica particular que tenho vindo a usar: desenhei a lápis, arte-finalizei (tradicionalmente), digitalizei e dei os cinzentos (digitalmente) a todas as páginas, no fundo a modelação de luz/sombras, aos quais o Eric Skillman (ericskillman.blogspot.com), designer da Criterio Collection, argumentista e neste caso, "color designer" atribuiu as cores.
- Qual o tema de “Forgetless”?
Jorge Coelho -
"Forgetless" é o nome de um clube nocturno exclusivo, que irá encerrar com uma última festa. Toda a trama gira em torno dos acontecimentos dessa noite, contada por um rol de personagens adolescentes. Não se pode dizer que haja um personagem principal, o leitor irá espontaneamente gostar ou antipatizar mais com um determinado personagem, pois estes são bastante controversos. Duas modelos tornadas assassinas, dois estudantes pervertidos, um Koala sexo dependente ou um produtor de TV ex-gay, entre vários... toda uma bizarra fauna urbana, portanto.
- Queres referir mais alguma especificidades interessantes do projecto?
Jorge Coelho -
Convém sublinhar o cariz bastante actual da história na qual se usam adereços contemporâneos como vídeos do YouTube, Tweets e SMS, via iPhones para veicular a narrativa. Recursos ainda muito pouco explorados.
- Já houve reacções ao teu trabalho?
Jorge Coelho -
Ainda muito poucas; houve bastantes reacções ao primeiro nº da série, no qual não participei. Penso que só no fim desta é que se fará uma crítica mais compreensiva da obra e dos artistas.
- Actualmente tens algum projecto em curso?
Jorge Coelho -
Temos uma ideia para um conto, eu e o Eric Skillman. Simultaneamente, mantenho-me a fazer histórias curtas escritas por mim, para mais tarde compilar em livro.

(Versão integral da entrevista que serviu de base ao publicado no Jornal de Notícias de 2 de Fevereiro de 2010)

03/02/2010

Bad Atmosphère

Jean-Christophe Chatton (argumento)
Joel Alessandra (desenho)
Paquet (Suíça, Novembro de 2009)
235 x 315 mm, cor, 64 p., cartonado

Resumo
Londres. Mickael Vicklert, director de um grande grupo petrolífero é assassinado em plena rua juntamente com o seu motorista. Qual o motivo? Ajuste de contas passional ou profissional, vingança pessoal ou crime ecologista?
Julian Hawkes, detective de sucesso da Scotland Yard devido à recente prisão de um assassino em série, é encarregado do caso. A sua investigação leva-o à França e ao Chade, onde crimes similares foram cometidos, e ecos de atentados semelhantes, no Brasil, Chile ou Estados Unidos, vão também chegando ao seu gabinete.
A par do difícil inquérito, Hawkes tem também que gerir a sua vida pessoal, abalada pelo recente divórcio e consequente afastamento da filha de 8 anos, e a forma como estabelece relações com as mulheres.

Desenvolvimento
Narrado ao estilo de séries televisivas em voga, com as CSI à cabeça, este é um relato bem construído, em que o leitor vai recebendo as informações ao mesmo tempo que o detective – embora nalguns casos “assista” aos crimes de que o agente apenas conhece a narração - vendo como as pistas se acumulam e, a partir de certo ponto, se parecem excluir, em especial quando é efectuada uma prisão nos EUA. Isto prende o leitor e torna a leitura agradável e bem fluida, mesmo tendo em conta que parte do desfecho é-nos narrado logo na primeira prancha. A motivação para os crimes é também interessante: responder aos crimes contra a natureza que o ser humano – em especial as grandes companhias movidas pelos interesses económicos – comete diariamente. Aliás, é por isso que a editora o classifica como um “thriller ecológico”, sendo a narrativa complementada por vinhetas/pranchas com grafismo diferente e informação verídica sobre situações alarmantes no nosso planeta.
A par da narrativa policial, os autores entreabrem-nos a porta da vida privada de Hawkes, recém-divorciado por se dedicar mais à profissão do que à família, e a sua dificuldade em assumir as suas relações - no feminino – seja com a filha de 8 anos, de que diz ter saudades mas que não procura, seja com as várias mulheres com quem contacta, que facilmente seduz mas com quem evita qualquer compromisso, o que ajuda a definir de forma completa e consistente o seu carácter.
E como tantas vezes acontece em histórias de cariz policial, acaba por ser uma coincidência a pôr Hawkes na pista certa, sendo o assassino quem menos se espera… e o desfecho também inesperado.
O traço de Joel Alessandra encerra em si alguma contradição. Por um lado, analisado de perto, elemento a elemento, é pouco convincente, revelando diversas falhas em termos de proporções, poses, acabamentos e mesmo de estilo, quase sempre caricatural e apenas semi-esboçado, aqui e ali mais realista e apurado. No entanto, no seu conjunto – das vinhetas, das páginas – enquanto um todo, revela-se funcional, devido à composição das pranchas e à aplicação das cores e, especialmente, bastante legível, o que mostra mais uma vez que um bom autor de banda desenhada não precisa de ser um grande desenhador...

A reter
- A legibilidade do álbum.
- O ritmo e dinâmica da narrativa.
- O bom trabalho com o lápis de cor nas vinhetas “realistas” que mostram uma faceta mais “artística” de Alessandra.

Menos conseguido
- Alguns aspectos do desenho, quando vistos ao pormenor.
- A falta de uma explicação cabal quanto à forma como os crimes foram “encomendados”.

Curiosidades
- Este álbum foi apoiado pela Caisse d’Éargne, no âmbito do concurso “Gang des talents 2008”, um apoio traduzido na sua maior “mediatização”.
- Um vídeo-anúncio do álbum pode ser visto aqui.

02/02/2010

Os Anos Sputnik



O penalti
Eu é que sou o chefe!
Bip Bip!
Baru (argumento e desenho)
Edições Polvo (Portugal, Fevereiro e Outubro de 2002 e Abril de 2003)
220 x 297 mm, 48 p., cor, brochado

1957. 4 de Outubro. A União Soviética surpreendia o mundo ao colocar o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1, a dar as primeiras voltas à Terra.
Nesse mesmo ano, nessa Terra, mais concretamente em França, um certo Hervé Barulea comemorava 10 anos. Tornar-se-ia conhecido, anos mais tarde, no mundo da banda desenhada pelo diminutivo de Baru, e seria apresentado aos portugueses no XI Salão de BD do Porto, em 2001.
E porquê ligar estes dois factos? Para o explicar, é melhor falar de uma pequena vilazinha francesa, de seu nome St. Claire, onde existem dois bairros. “Há uma parte baixa, onde vivem os da ‘parte-de-baixo ‘ e há uma parte alta “onde vivemos nós, os da ‘parte-de-cima’...”. Isto diz-nos Igor, o protagonista de “Os anos Sputnik”, uma série (auto-biográfica…?) criada por Baru, de que as Edições Polvo publicaram três dos quatro volumes originais.
No tal ano de 1957, a televisão ainda não era omnipresente como hoje (que sorte que eles tinham!), não existiam jogos de computador nem “play-stations”... Mas já havia futebol e uma grande competição entre os miúdos ‘de cima’ e os miúdos ‘de baixo’. Competição ou rivalidade, como queiram. Por isso, quase sempre tudo terminava em luta, renhida, resolvida sem quartel, com umas quantas nódoas negras e uns narizes a pingar sangue. Entre uns e outros, porque ninguém quer perder, seja o que for; entre eles próprios, para saber quem deve ser o chefe.
É isto que Baru nos conta em "Os anos Sputnik", com a ternura e a emoção de quem recorda os seus próprios dez/doze anos, e com a lucidez de quem se distancia, transmitindo ao papel crónicas de tempos passados, em narrativa intensa e corrida, em desenhos ágeis, nervosos, plenos de vida e movimento.
Crónicas para ler, porque todos fomos miúdos um dia - pobres daqueles que não o são na altura própria -, e os ‘de cima’ e os ‘de baixo’ não são assim tão diferentes de todos os outros, do que nós fomos...
Crónicas para recordar aquele tempo maravilhoso em que um pequeno nada (um penalti defendido...) fazia de nós heróis, com direito a estátua e tudo (pelo menos aos nossos olhos), aquele tempo em que um beijo inesperado nos deixava a sonhar acordados uma noite inteira.

Curiosidade
- No primeiro tomo da edição portuguesa, no título, “Sputnik” surge com a grafia francesa “Spoutnik”.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Dezembro de 2002)

01/02/2010

As Melhores Leituras de Janeiro

Asteroids Fighters (ASA), de Rui Lacas (argumento e desenho);
Bad Atmosphère (Paquet), de Jean-Christophe Chatton (argumento) e Joel Alessandra (desenho);
J. Kendall #56 - Aventuras de uma criminóloga (Mythos), de Giancarlo Berardi e Maurizio Mantero (argumento)e Valerio Piccioni e Laura Zucchi (desenho)

Caminhando com Samuel (Mmmnnnrrrg), de Tomi Musturi (argumento e desenho);
L'Ancien temps #1 – le roi n’embrasse pas (Gallimard Jeunesse ), de Joann Sfar (argumento e desenho) ;
L'Obéissance (Futuropolis), de Frank Bourgeron (argumento e desenho, a partir do romance de François Sureau)
Peanuts – Obra Completa (1959-1960) (Afrontamento), de Charlles Schulz (argumento e desenho);
Sutures (Delcourt), de David Small (argumento e desenho);
Tex Colecção #242/#243 (Mythos), de Guido Nolitta (argumento) e Aurelio Galleppini (desenho)

Grande Prémio de Angoulême para Baru

Após quatro dias intensos em que a banda desenhada reinou, o 37º Festival Internacional de BD de Angoulême encerrou ontem as suas portas com uma boa notícia para os amantes da 9ª arte: Hervé Baruléa, mais conhecido como Baru, foi distinguido com o Grande Prémio de Angoulême. Por esse motivo, presidirá à edição de 2011, que se antevê desde já como popular e com uma banda sonora de rock and roll. Após dois anos voltado para a chamada nova banda desenhada, o festival aposta num autormilitante das causas em que acredita, à margem de correntes e estéticas, mas também consagrado, consensual, popular e original. Já distinguido duas vezes com o prémio para melhor álbum, por “Le Chemin de l’Amérique” (1991) e “L’Autoroute du Soleil” (em 1996), possui um traço não muito atraente mas extremamente eficaz e dinâmico, para contar histórias de gente simples, muitas vezes marginal, com os (sub)mundos do boxe e da música como fundo recorrente. Nascido em 1947, Baru iniciou-se como autor de BD na revista “Pilote”, em 1982, foi convidado de honra do XI Salão Internacional de BD do Porto em 2001 e tem três dos quatro tomos de “Les années Spoutnik”, uma banda desenhada autobiográfica sobre a sua infância, editados no nosso país pela Polvo. Eis o palmarés oficial completo do 37º Festival International de la Bande Dessinée d’Angoulême :
* Grand Prix : Baru * Prix du Meilleur Album (Fauve d’Or ) : Pascal Brutal (T3 : Plus Fort Que les Plus Forts) de Riad Sattouf, Fluide Glacial (esta série poderá vir a ser editada pela ASA) * Prix spécial du Jury (Fauve d’Angoulême) : Dungeon Quest de Joe Daly, L’Association * Prix de la Série (Fauve d’Angoulême) : Jérome K. Jérome Bloche (T21 : Déni de Fuite) d’Alain Dodier, Dupuis. * Prix Révélation (Fauve d’Angoulême) : Rosalie Blum (T3 : Au Hasard Balthazar !) de Camille Jourdy, Actes Sud * Prix Regards sur le monde (Fauve d’Angoulême) : Rébétiko, La Mauvaise Herbe par David Prudhomme, Futuropolis * Prix de l’Audace (Fauve d’Angoulême) : Alpha... Directions de Jens Harder, Actes Sud * Prix Intergénérations (Fauve d’Angoulême) : Messire Guillaume - L’esprit Perdu de Matthieu Bonhomme et Gwen de Bonneval, Dupuis * Prix du Jury (Fauve Fnac-SNCF) : Paul (T6 : Paul à Québec) de Michel Rabagliati, La Pastèque
* Prix jeunesse (Fauve d’Angoulême) : Lou (T5 : Laser Ninja) de Julien Neel, Glénat. * Prix du patrimoine (Fauve d’Angoulême) : Paracuellos (L’Intégrale) de Carlos Gimenez, Fluide Glacial (Versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 1 de Fevereiro de 2010)

31/01/2010

Entrevista com Baru

Nasceu em Thil, em 1947 e chama-se Hervé Barulea, mas este é um nome que não diz nada à maior parte das pessoas. Mas se falarmos em Baru, os que estão ligados à banda desenhada associam-no imediatamente a revistas como a "Pilote", "L'Écho des Savannes" ou "(A Suivre)" ou a obras multipremiadas como "Le Chemin de l'Amerique" ou "L'Autoroute su Soleil". Foi também um dos principais destaques da XI Edição do Salão Internacional de BD do Porto, em 2001, onde pode ser vista uma retrospectiva da sua obra, adequadamente enquadrada num cenário eminentemente suburbano, onde não faltaram sequer os destroços de alguns carros, e acabou de ser distinguido com o Grande Prémio do 37º Festival International de la Bande Dessinée de Angoulême 2010.
Nascido tardiamente para a banda desenhada, optou por esta arte, porque o cinema é "muito caro". Nascido numa família de operários, começou por experimentar um curso na área da física, que deixou para "se tornar professor de ginástica, até isso se tornar incompatível com a BD".
A banda desenhada permite-lhe "dizer o que quero a um círculo maior do que o dos meus conhecidos. Permite-me compartilhar as minhas ideias com uma audiência mais vasta. É através da banda desenhada que mostro o Mundo como o vejo. Que mostro que ele não está bem". Ou mais ainda: "Isto é um eufemismo. O Mundo está mesmo muito mal.". Porque "acho que o homem é naturalmente mau. Se aparece alguém bom é porque trabalhou muito nesse sentido. Ser bom é um combate permanente contra a nossa natureza que é má." E que pode fazer um autor de quadradinhos contra isso? "Modestamente, nas histórias que conto, mostro os podres que há no Mundo, não proponho soluções, todos as conhecemos, mas tento dar uma visão ética."
Convidado do XI Salão de BD do Porto, já tinha estado em "Portugal, nos três anos seguintes à Revolução de Abril". Já se interessava por Portugal "e antes por Espanha, porque tanto um país como outro viviam sob um regime fascista, que os oprimia. Nunca os tinha visitado, porque havia um Salazar e um Franco. Com o levantar desta hipoteca vim a Portugal para respirar o ar que então se vivia. Achei fantástica a enorme quantidade de pinturas murais que havia". E se algumas das utopias de então passaram, "assim como aquelas que França viveu após o Maio de 68, pelo menos uma coisa ficou: a possibilidade de as pessoas poderem dizer o que pensam. E já não há Salazar!".
Dos acontecimentos do passado dia 11 de Setembro diz não querer "falar numa conversa rápida e ligeira, pois o assunto é demasiado importante para isso". Estava na Alemanha e quando viu as imagens na televisão, "primeiro pensei que fossem montagens. Quando me apercebi que eram reais fiquei chocado. Mas algo deste género era inevitável, se virmos a política que os Estados Unidos desenvolveram ao longo de décadas, os desastres humanitários que provocaram na Argentina, no Chile, em África ou no Médio Oriente. Era impossível que não sofressem as consequências dos seus actos".
Autor atento à banda desenhada que se vai fazendo, entre os seus autores favoritos destaca "muitos velhos e alguns novos!" Velhos como Tardi, Pratt e Muñoz e Sampayo ("por causa de quem comecei a fazer BD") e entre os novos aprecia Blain, David B., David Mazzuchelli… No Salão do Porto destacou positivamente aspectos das obras de Rui Ricardo, Pedro Brito, Markus Huber, Jason Crane ou Marjane Satrapi.
O aparecimento de L'Association no panorama francófono e a influência que ele teve a nível europeu foram muito importantes, "pois, como são contemporâneos das facilidades das novas tecnologias de impressão abriram a porta a autores que têm uma mensagem a transmitir e interessantes e novas propostas gráficas, de renovação da própria linguagem da BD".
Para quem está a começar, diz que "não há segredos para ter sucesso em banda desenhada; para se progredir só há um processo: trabalhar, trabalhar, trabalhar; envelhecer, envelhecer, envelhecer".

(Versão revista e actualizada do texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 3 de Outubro de 2001)

30/01/2010

BD para Ver: Pedro Brito e João Fazenda na Mundo Fantasma

Pedro Brito e João Fazenda estão hoje no Porto para darem a conhecer diversas facetas da sua criatividade em banda desenhada, cinema de animação e ilustração.
O dia começa às 17horas, na Galeria Mundo Fantasma, no Centro Comercial Brasília, para autógrafos e a inauguração da exposição “Mosaicos suburbanos”, composta por pranchas dos livros “Pano Cru”, que tem texto e desenho de Brito, “Loverboy”, três tomos desenhados por Fazenda a partir de argumentos de Marte, e “Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos”, com texto de Brito e desenho de Fazenda. Este último, considerado o Melhor Álbum Português de BD no Festival da Amadora, em 2001, foi recentemente editado em França e na Polónia.
Depois, às 22 horas, estarão na Casa da Animação, onde serão projectados diversos filmes animados de sua autoria, entre os quais “A Estrela de Gaspar” e “Sem dúvida, amanhã” (de Brito) ou “Algo Importante” (de Fazenda e João Paulo Cotrim), seguindo-se uma conversa com os dois.
Finalmente, às 23h30, na Gesto Cooperativa Cultural, será inaugurada a mostra “Construção Civil”, uma selecção ilustrações de João Fazenda.
Pedro Brito nasceu no Barreiro em 1975, licenciou-se em Design Visual pelo IADE em 1998 e faz formação na área da animação, a que dedicou os últimos anos. Recentemente regressou à BD, com uma biografia dos UHF, a editar pela Tugaland, e tem em mãos a curta-metragem, “Fado do homem crescido”, com argumento de J. P. Cotrim.
João Fazenda, quatro anos mais novo, licenciado em Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, dedica-se especialmente à ilustração para jornais e revistas, livros infantis, cartazes de cinema e capas de discos (Mariza, Carlos Paredes, Deolinda). Entre diversas distinções recebidas, conta-se o Grande Prémio Stuart de Desenho de Imprensa, em 2007.

(Versão revista e actualizada do artigo publicado originalmente no Jornal de Notícias de 30 de Janeiro de 2010)

29/01/2010

Ferd’nand retorna – Tiras de 1938

Mik (argumento e desenho)
Libri Impressi (Portugal, Setembro de 2009)
226 x 207 mm, 120 p., pb, brochado com badanas


Depois de “Surge Ferd’nand”, eis o segundo volume da edição integral das tiras diárias de Ferd’nand, criação do dinamarquês Mik, que o jornal O Comércio do Porto divulgou em Portugal durante muitos anos. Exemplo maior de tira diária muda – Ferd’nand ao longo da sua vida não pronunciou uma única palavra, o que até levou a que muitos jornais acrescentassem legendas por baixo das vinhetas para as explicar (!), o que na prática é absolutamente desnecessário – surge mais uma vez em edição bilingue (português/espanhol) – passe o contra-senso com a mudez das tiras – como forma de a tornar viável face à reduzida dimensão do nosso mercado.
Nele, reencontramos o protagonista em gags em torno de temas recorrentes como o mau tempo, cães, música, caça, pesca, tiro ao alvo ou excesso de peso, concluídos sempre de forma diferente e surpreendente, oscilando o humor entre o ingénuo, o inesperado e mesmo o nonsense.
Ferd’nand um autêntico faz-tudo, que assume as mais diversificadas profissões e cujo carácter varia de acordo com as necessidades cómicas do momento, tanto é passivo (a maior parte das vezes) como activo, engenhoso como desajeitado, citadino como campestre, corajoso como cobarde, o que possibilita uma maior liberdade criativa ao autor e constitui uma excepção à “regra” aplicada à maior parte das outras tiras diárias, de então ou de hoje. Ferd’nand, chega mesmo a falecer… para regressar incólume na tira seguinte, para nosso deleite e divertimento. Uma referência ainda para a sua relação com o belo sexo, em relação ao qual toma mesmo algumas liberdades, admirando mulheres jovens e bonitas, desejando que a sua (matrona) desapareça ou fazendo até alguns (tímidos) avanços… Mas, fruto da época - estas cenas passaram-se há 70 anos, recorde-se! -, Ferd’nand também é capaz de protestar pelo facto de a sua cara-metade usar calças…

Ao lado, com a devida vénia a Manuel Caldas, reproduzo um projecto para a capa, entretanto abandonado.

28/01/2010

Zagor #100

Burattini (argumento)
Ferri (desenho)
Mythos Editora (Brasil, Julho de 2009)
135 x 179 mm, 132 p., cor, brochada

Para o ser humano, amante de números redondos, uma publicação periódica atingir os 100 exemplares é sempre motivo de destaque. Tratando-se de uma revista de banda desenhada, ainda mais, seja qual for o país em que é editada.
É o caso da revista mensal “Zagor” que, na sua quarta “vida” brasileira, depois de passar pelas editoras Vecchi, RGE/Globo e Record, consegue atingir a centena de números na Mythos Editora. Para celebrar o facto, foi escolhida uma aventura de 2007, publicada originalmente no “Zagor” #500 italiano (outro número “redondo”, ainda mais invejável), intitulada “Magia Indígena”.
Para realçar o carácter especial deste número, que neste momento pode ser encontrado nas bancas portuguesas, o interior, ao contrário do que é habitual, é completamente a cores. Não a cor a que estão habituados os leitores de comics ou de BD franco-belga, mas um colorido mais plano, “aplicado directamente” sobre o preto e branco do desenho, mas que mesmo assim dá uma outra perspectiva de um dos heróis mais carismáticos da Casa de Ideias Bonelli, criado em 1961 por Guido Nolitta (pseudónimo do próprio Sergio Bonelli) e Gallieno Ferri. A edição é complementada com um dossier de 30 páginas, que revisita a história de Zagor, o seu percurso no Brasil, inclui depoimentos de Sergio Bonelli, Gervásio Freitas e dos editores e reproduz 21 capas “falsas” de Zagor, feitas por diversos autores em homenagem a Ferri, autor das quinhentas (!) capas da edição italiana.
A história deste número especial começa evocando o estatuto particular de Zagor junto dos índios, e ganha consistência quando um antigo inimigo do protagonista, supostamente morto, regressa para se vingar. Ela tem a particularidade de funcionar de alguma forma como uma celebração da série e dos seus diversos autores, com o herói a enfrentar – em condições especiais que convido o leitor destas linhas a descobrir – alguns dos vilões mais marcantes que derrotou ao longo dos anos, cada um deles criado por um argumentista diferente, dos vários que já assumiram as rédeas das aventuras do senhor de Darkwood.
Centrado especialmente em torno de Zagor – com Chico reduzido a um papel passivo de quase observador, o que contribui para reforçar o tom heróico da narrativa – é uma história que decorre em bom ritmo, com as peripécias, as situações perigosas e as surpresas a multiplicarem-se, até ao desfecho final. E não tendo mais pretensões do que ser uma banda desenhada de aventuras ligeira, cumpre a sua missão e pode ser um bom cartão de visita para quem não conhece o herói e pretende pôr de parte alguns preconceitos que estas edições populares (na temática, baixa qualidade gráfica e preço) geralmente provocam.


(Texto publicado originalmente no Blog do Tex, a 27 de Janeiro de 2010)

27/01/2010

Happy Living

Jean-Claude Gotting (argumento e desenho)
Delcourt (França, Outubro de 2007)
203 x 262 mm, 128 p., cor, cartonado com sobrecapa com badanas


E se o autor da terceira melodia mais tocada de sempre não tivesse escrito uma única nota dela, antes a tivesse "roubado" de ouvido ao seu alcoolizado compositor?
É esta confissão, motivada pelos remorsos, do autor de "Happy Living", tema fictício que dá título a mais uma edição da interessante colecção "Mirages" (Delcourt), que vai arrastar François Merlot, um jornalista francês que prepara o primeiro livro, sonhando com fama e sucesso, numa longa investigação pelos EUA, de Nova Iorque à Costa Oeste. Investigação que o vai levar a diversas descobertas - algumas bem surpreendentes - que ilustram o âmago do ser humano e as reais motivações por detrás de atitudes banais ou altruístas, espontâneas ou calculadas, e a questionar-se a si próprio e às suas opções de vida.
Este elegante romance gráfico, criado por Jean-Claude Gotting, é também um pequeno passeio pelo jazz de meados do século passado, traçado a negro, num estilo agreste, semi-realista, marcado pelo estatismo das personagens - fruto da dedicação do autor à pintura e à ilustração antes deste (conseguido) retorno à BD? - que faz com que cada vinheta se assemelhe a uma foto envelhecida…
O que não significa que falte ritmo à obra, sendo ele transmitido pelo texto, marcante, bem trabalhado, credível, envolvente - quase musical - e pela utilização sucessiva de diferentes planos na ilustração das muitas conversas que a pontuam.

(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 4 de Novembro de 2007)

26/01/2010

Mia

Man (argumento e desenho)
Dargaud (França, Janeiro de 2008)
240 x 130 mm, 80 p., cor, cartonado

Mia é uma adolescente que sofre de bulimia. Desde pequena, sente uma necessidade imperiosa de vomitar tudo o que come. Por isso, apesar de bonita e sensual (tem as medidas de uma top-model…) - e também porque os pais não a compreendem - sente-se só e abandonada por todos, e sente inacessível aquele por quem se apaixonou, por quem vai todos os dias à biblioteca da universidade (que ainda não frequenta) tentando ganhar coragem para lhe falar.
Ele, é Dany. Que parece ter tudo para ter sucesso na vida: atraente e rico, que mais desejar? A atenção do pai, que lhe dá tudo menos aquilo que ele deseja: companhia, solidariedade, interesse.O caminho de ambos vai-se cruzar, numa armadilha do destino, que leva a que Dany seja raptado no exacto momento em que Mia ganhou coragem para falar com ele - ainda que só para lhe perguntar as horas… E que faz com que Mia seja a única a reagir, acabando por ser também levada pelos raptores, interessados em receber um belo resgate pelo rapaz.
Finalmente juntos, numa situação extrema, encontram-se e encontram no fundo de cada um as forças desconhecidas que os farão dar as respostas necessárias e poderem encarar juntos (até quando) um futuro mais que duvidoso.
Porque apesar do aparente happy end, a verdade é que o catalão Man deixa bem claro que todos os problemas continuam. E somos obrigados a pensar que, às vezes, é mais fácil encarar situações extremas do que viver o dia-a-dia, igual e monótono, aceitando as diferenças dos outros. Porque num relato aparentemente de tom policial, é às relações humanas - e de cada um consigo mesmo - que o autor dá todo o destaque, arrastando-nos até ao âmago de Mia e Dany.
Graficamente atraente, com um traço limpo de pormenores desnecessários, em que as expressões fisionómicas são o mais marcante, com uma planificação multifacetada e dinâmica, a obra trilha um caminho que muitos, possivelmente, vão seguir nos próximos tempos: o cruzamento entre o grafismo asiático e a construção narrativa ocidental, embora sejam claramente inspirados naquele género algumas sequências mudas (ou quase), em que a imagem ganha toda a força da narração.

(Versão revista e actualizada do texto originalmente publicado no BDJornal #22 de Janeiro/Fevereiro de 2008)

Palhaço

Quentin Blake (argumento e desenho)
Caminho (Portugal, Outubro de 2009)
220 x 308 mm, 32 p., cor, brochado


Embora a data de nascimento da banda desenhada tenha sido (mediaticamente) estabelecida em função da utilização de balões de fala, este “Palhaço” é um belo exemplo de como uma BD muda – sem palavras escritas, entenda-se – pode ser tão eloquente e expressiva.
É verdade que a sua ideia base é simples e até pouco original: uma série de bonecos velhos (ultrapassados pela tecnologia?) são deitados ao lixo na sequência de uma arrumação – depreende-se porque, uma das características da banda desenhada é permitir ao leitor perceber/intuir/adivinhar, o que nela não está escrito/desenhado. Entre eles está um palhaço que – numa bela e maravilhosa efabulação – ganha vida e parte em busca de uma nova dona. A primeira escolha falha, devido ao seu pobre aspecto (de brinquedo de pobre). Mas, após algumas peripécias divertidas, com a ternura que os contos infantis (ainda) sabem ter, acaba por encontrar quem realmente precisa dele, conseguindo ainda resgatar os seus antigos companheiros de brincadeira para alegria geral, mostrando como a felicidade pode estar nas coisas simples.
O que faz a diferença nesta narrativa – galardoada com o prémio Bologna Ragazzi – é o traço do autor, próximo do cartoon, simples mas mais pormenorizado do que parece indicar uma leitura rápida, ágil, vivo extremamente expressivo, bem tingido – de forma parcimoniosa mas muito eficaz - por cores suaves e alegres.
E se esta é uma BD sem palavras, é também uma BD a cujas pranchas faltam também (quase todos) os enquadramentos, o que de forma alguma serve para dificultar a sua leitura, servindo para lhe conferir uma grande liberdade (também visual), dotando-a de movimento e acentuando o seu ritmo vivo e o seu tom maravilhoso.

(Texto publicado originalmente a 23 de Janeiro de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)

25/01/2010

Efeméride – Quick e Flupke, dois diabretes octogenários


Se é normal associarmos o nome de Hergé a Tintin, a sua obra maior e uma das bandas desenhadas mais celebradas de sempre, o autor criou outros heróis, entre os quais Quick e Flupke, que há 80 anos eram vistos pela primeira vez em papel impresso. Tratava-se de dois pequenotes de Bruxelas – revisão ficcionada da própria infância de Hergé – juntos pela amizade, pela vontade de experimentar coisas novas e pela especial queda para provocar (pequenos) desastres.
A estreia ocorreu no “Le petit Vingtiéme” de 23 de Janeiro de 1930, pouco mais de um ano depois de Tintin, e as diferenças entre as duas criações eram significativas. Enquanto o repórter era (viria a ser…) longas aventuras, viagens, exotismo, justiça e ordem, Quick e Flupke não saíam da sua Bruxelas natal e viviam um quotidiano igual ao dos outros miúdos mas suas partidas provocavam o caos e desesperavam o Guarda 15, vítima recorrente das diabruras em duas pranchas.

O humor em Quick e Flupke, mais tarde decalcado em Tintin para os gags com Haddock ou Tournesol, raia muitas vezes o nonsense, pode ter conteúdos sociais ou politizados (como quando satirizam Hitler e Mussolini), representa-os como diabos (literalmente) e levava-os mesmo a chocar com os limites físicos das vinhetas ou a interagir com o desenhador.
E se o traço é o mesmo de Tintin, sente-se uma maior liberdade criativa e o privilegiar da eficácia estética e narrativa.
Com cerca de 250 pranchas publicadas (de forma irregular) durante uma década, Quick e Flupke tiveram uma nova vida nos anos 80, em versão animada e em álbuns redesenhados e coloridos pelos Estúdios Hergé, a partir das histórias originais. Esta última edição foi lançada em Portugal pela Verbo, com os heróis rebaptizados como Quim e Filipe.
(Artigo publicado originalmente no Jornal de Notícias de 23 de Janeiro de 2010)
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